A Perspectiva da Corrupção como um Problema Político: a cleptocracia, os monopólios bilaterais, os estados dominados pela máfia e o suborno competitivo na visão de Susan Rose-Ackerman e de Bonnie J. Palifka

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A perspectiva da corrupção como problema político à luz de Susan Rose-Ackerman e Bonnie Palifka

A corrupção é uma relação entre o Estado e o setor privado em que não se pode afirmar qual o lado mais forte, se são os agentes estatais ou os particulares, e que tem no poder de barganha alto ou baixo o fator determinante para se aferir o real impacto da corrupção na sociedade e a proporção da vantagem indevida entre os atores desta relação.

O estudo e a análise da corrupção fazem parte do debate inconclusivo sobre qual forma de governo melhor se presta ao crescimento da economia, pois ainda que países ricos sejam democráticos, não há qualquer relação estatística entre a democracia como regime e consequente crescimento econômico do Estado. Democracia consubstancia-se em conceito muito amplo para se perquirir o seu efetivo alcance, enquanto que a corrupção alastrada em diversos setores se mostra claramente como uma disfunção do sistema.

É neste ponto que surge o seguinte questionamento formulado pelos professores Susan Rose-Ackerman e Bonnie J. Palifka: a democracia adotada por um Estado deve ser compreendida como uma estratégia anticorrupção? Enquanto o exercício dos direitos democráticos se traduz em um governo mais transparente e aberto, governos não democráticos são mais suscetíveis à corrupção, pois limitam os instrumentos de fiscalização. Essa relação é muito clara e tem como exemplo o ex-prefeito de Detroit, Kwame Kilpatrick, que levou a cidade à falência com contratos de dezenas de milhões de dólares firmados com empresas de um amigo próximo. Outro exemplo é o ex-governador do Estado de Illinois, Rod Blagojevich, o quarto ex-governador daquele Estado a ser condenado e preso, que tentou “leiloar” a cadeira de senador aberto por Barack Obama ao se eleger presidente – ao redor do mundo, escândalos de corrupção são conhecidos no Brasil, México, Venezuela, Itália, Coréia e Japão. A corrupção em governos locais é comum na Alemanha e na França. O ex-primeiro ministro croata, Ivo Sanader, foi condenado por aceitar mais de 13 milhões de dólares em propina de uma empresa e um banco, o que comprova que a democracia nem sempre tem sucesso no combate à corrupção.

Surge, então, outro questionamento: quais características da democracia limitam a corrupção e quais contribuem para a sua ampliação? O estudo deve se debruçar sobre os mecanismos estatais e não estatais que incentivam a prática de atos de corrupção.

A corrupção depende não apenas da forma de organização de governo, mas também da organização e do poder dos agentes privados sob a ótica da capacidade de influência sobre o Estado, ou seja, o efetivo tamanho do poder de barganha que o Estado e o ator privado possuem nesta relação. Em um viés democrático no Estado haverá grande descentralização do poder, o que faz com que cada agente estatal detenha individualmente muito pouco poder de barganha frente ao particular. Por outro lado, para que a democracia consiga ser bem sucedida, deve ser capaz de criar tanto um mercado privado como um sistema político competitivos, sob pena do interesse privado influenciar demasiadamente – e negativamente – o setor público.

Os autores indicam quatro tipos de relação entre corruptores ativos e corruptores passivos: os cleptocratas, os monopólios bilaterais, os estados dominados pela máfia e o suborno competitivo.

  1. Cleptocracia:

É a ideia de quem participa ativamente na apropriação do capital financeiro de um país em benefício próprio. Em um ponto de vista mais extremado, o cleptocrata que se encontra no vértice do governo pode organizar o sistema político com o intuito de maximizar os lucros e rendas obtidos, se esforçando para alcançar eficiência restringindo o desenvolvimento da economia, pois ao diminuir a capacidade produtiva de forma sistêmica, gera maior lucro mediante a diferença entre o preço da venda e os seus custos de produção. Já o cleptocrata que domina determinado segmento da cadeia produtiva e restringe a produção de algum elemento propositalmente faz aumentar os seus preços e, consequentemente, eleva seu lucro, ao passo em que busca isolar tal segmento das variações do próprio sistema político. O governante cleptocrata está disposto a abrir mão de benefícios institucionais e até mesmo de patrocínio (variedade de entrada de recursos nos cofres públicos) para que consiga obter os lucros gerados por um monopólio privado criado e administrado por ele.

O modus operandi do governante na cleptocracia é criar mecanismos de forma a favorecer um artificial sistema meritocrático de recrutamento e recompensas aos altos índices de produção e às boas práticas comerciais quando um específico monopólio se encontre nas mãos do Estado. Ele tende a criar políticas públicas que sejam capazes de gerar mais recursos para o seu próprio bolso, mas sempre mantém o índice produtivo da economia do Estado.

No entanto, a maioria dos cleptocratas não possui uma capacidade de decisão e ingerência tão elevada na tomada de decisões, seu objetivo é apenas alcançar a riqueza pessoal. O cleptocrata admite intervenções que não alavancam a receita pública geral, mas incrementam o sistema de benefícios pessoais.

Há um momento, porém, que as ações do Estado são tão ineficientes que as receitas oriundas da corrupção caem. A cleptocracia “fraca” favorece um Estado grande, inchado e ineficiente, mas que pode maximizar as chances de corrupção ao governante. Como exemplos deste modelo de cleptocracia: os ditadores Presidente Alfredo Stroessner do Paraguai (1954-1989: vários projetos como uma represa e uma fábrica de cimento desnecessária aumentaram os ganhos de corrupção e não se mostraram úteis à sociedade) e Mobutu Sese Seko do Zaire (1965-1997: colocou um terço do orçamento do Estado sob seu próprio gerenciamento e saqueou o Estado desviando um quarto da receita de exportação de cobre, dividindo ganhos com o alto escalão e o baixo escalão como inspetores de fronteira), dentre outros.

Vários casos no mundo demonstram que a cleptocracia influencia não apenas no tamanho do Estado, mas também na política de taxas e impostos e na prioridade de gastos públicos. Atua em regulação, taxas, impostos, fixação de preços e privatizações. Como as isenções fiscais podem levar a atos de corrupção e pagamentos de propina, a cleptocracia estabelece altos impostos e taxas nominais que fomentam esse sistema espúrio, sendo possível até mesmo que sejam estabelecidos impostos e outros deveres exacerbados para os pobres e sejam concedidas isenções aos abastados.

O cleptocrata enxerga o sistema regulatório como uma fonte fácil de captação de propinas, pois é comum que sejam exigidas licenças e outras burocracias que dificultem o funcionamento das empresas e que elas se disponham a pagar para evitar. O direcionamento de subsídios do governo e o acesso ao crédito e ao financiamento também se mostram boas fontes de propina. Como até os cleptocratas necessitam satisfazer a opinião pública para que consigam alcançar e manter o projeto de poder, também lançam programas para que os ricos paguem pelos benefícios distribuídos aos pobres e necessitados.

A privatização de serviços públicos faz crescer o interesse do governante cleptocrata quando este vislumbra a possibilidade de auferir altos rendimentos por muitos anos. Porém, nem sempre a vontade do governante é corroborada pela vontade de investidores de investir, pois podem não se sentir seguros em virtude da possibilidade de mudança repentina das regras e por isso o governante sustenta privatizações que podem ser contrárias ao interesse público apenas com o foco no rendimento pessoal, inclusive com preços abaixo do mercado.

É de se ressaltar que se a empresa estatal for capaz de gerar renda, empregos e contratos benéficos para o Estado, bem como prestar bom serviço ao povo em geral, o fluxo de benefícios cresce mais ainda para o governante cleptocrata, deixando-o em posição de vantagem em relação ao governante honesto. Em alguns casos, o cleptocrata se parece com um corretor da bolsa de valores: aufere lucro de acordo com o volume de “negócios” realizado e não apenas com ações continuadas, mas também com operações de “tiro único” ou “tiro curto” em transações.

É possível falarmos em dois tipos de cleptocratas, o “forte” e o “fraco”. O cleptocrata “forte” faz a gestão de um Estado brutal, mas ineficiente e limitado à sua inabilidade de lastrear credibilidade às suas ações. Já o cleptocrata “fraco” administra um Estado intrusivo e ineficiente, mas organizado para angariar subornos da população e do setor privado. Uma forma de se criar ainda mais fontes de renda extra é a criação de novas regras e novos procedimentos burocráticos. Caso o governante tenha pouco controle sobre a rotina diária e burocrática de seus auxiliares (ministros ou secretários de estado), o comportamento destes pode ser preocupante sob a perspectiva da corrupção – um maior controle gera um viés liberal mais limitado.

O simples fato de que o governante favorece algumas reformas, por outro lado, não significa que a corrupção do alto escalão seja menos danosa que a corrupção do baixo escalão. O governante corrupto trabalha com as ferramentas imperfeitas, pois muitas vezes são essas as suas únicas opções. Podem aumentar impostos e aumentar a política de regulação para fomentar a política de propina. Podem introduzir políticas protecionistas que estão fora da competência do baixo escalão.

É claro que não são todos os governantes corruptos que se utilizam de políticas extremamente ineficientes e que impedem o crescimento, há país estáveis politicamente que possuem altos índices de corrupção. Estes governantes pensam no longo prazo para que os ganhos sejam maximizados. Os cleptocratas muitas vezes enfrentam problemas decorrentes do excesso de controle burocrático que não são comuns em governos mais liberais e possuem dificuldades para criar um sistema burocrático honesto para ser desenvolvido e seguido. A margem de renda do governante cai quando ele não tem o sistema burocrático inteiro em seu controle, pois os demais funcionários do Estado têm parcelas pequenas de propinas espalhadas pela cadeira administrativa. O pessoal do baixo escalão do Estado introduz instrumentos ineficientes que muitas vezes se limitam a atrasar o procedimento regular.

               Surge, então, novo questionamento: os cidadãos prefeririam uma cleptocracia capaz de assegurar uma burocracia honesta ou um cleptocrata que tivesse de enfrentar um serviço público corrupto? Não há resposta objetiva clara. O cleptorata pode selecionar o nível de intervenção estatal que maximiza seus ganhos, dado um aparato estatal que funciona bem ou escolher um nível mais baixo de intervenção, mas com serviços que são fornecidos de forma ineficiente.

  1. Monopólios Bilaterais:

Partimos para uma segunda relação: interesses privados poderosos são capazes de resistir a demandas corruptas e exercem influência sobre o Estado. A variação ocorre a depender se a organização do próprio Estado é ou não estruturada para o pagamento de propinas.

Em um primeiro cenário, o governante cleptocrata enfrenta um oponente singular, similar ao monopólio bilateral. As possibilidades de ganho de propina são compartilhadas entre o corruptor e o corrupto. A “força relativa” (poder de influência) determinará a maneira como os ganhos são compartilhados entre ambos, bem como o tamanho geral do rateio. Se algumas rendas ilícitas só podem ser criadas com ajuda do Estado, caso o cleptocrata tema perder as suas rendas posteriormente, ele não agirá. Tanto corrupto como corruptor podem procurar melhorar sua própria situação, piorando a do outro através da expropriação de propriedade ou pela violência. Na maioria dos casos não é apenas uma pessoa que detém todo o poderio privado, pelo contrário: há vários poderosos particulares que são identificados como uma máfia oligárquica[3].

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Dentro de um monopólio bilateral, o governante corrupto compartilha o negócio com a máfia e extorque uma parte dos seus ganhos, razão pela qual tem pouco interesse em controlar o crime. Por sua vez, em virtude dos criminosos buscarem aumentar as suas riquezas, os otimistas argumentam que, se os criminosos realmente controlarem o governo, eles modificarão seus caminhos – o que é utópico. Seria o caso de se esperar que aqueles que estavam no controle procurassem limitar a entrada de outros por meio de ameaças de violência e a eliminação de rivais como no mercado de tráfico de drogas. Outro fator relevante é que os chefes do crime organizado podem estar mais interessados ​​na obtenção de lucros rápidos através da exportação de ativos e matérias-primas do que em construir uma base industrial moderna.

O resultado desse monopólio bilateral é a deslegitimação do governo e o enfraquecimento das instituições capitalistas.

Por outro lado, alguns estados são economicamente dependentes da exportação de um ou dois minerais ou produtos agrícolas e podem estabelecer relações de longo prazo com algumas empresas multinacionais. Tanto os governantes quanto as empresas favorecem a eficiência produtiva, mas a aliança entre empresa e governo pode permitir que gerentes e governantes compartilhem a riqueza da nação em prejuízo das “pessoas comuns”, isto é, dos cidadãos. A divisão de ganhos dependerá do poder de barganha das partes. A título exemplificativo, se o ente privado investiu em capital fixo ou se o produto que produz é uma matéria-prima disponível em apenas alguns lugares da Terra, os governantes do país estão em uma posição forte para extrair uma proporção maior dos benefícios. Já se a empresa produz um produto agrícola, como bananas, e pode facilmente se estabelecer em outro lugar, ou se a matéria-prima está disponível para a empresa em muitos locais diferentes, ela tem um poder maior de barganha junto ao Estado e pode exigir que este forneça infraestrutura útil, garantias de legislação trabalhista e impostos baixos.

            As condições de um monopólio bilateral podem surgir para acordos específicos de contratação. Um cleptocrata tem um incentivo para criar tais condições através de decisões sobre quais projetos apoiar e quais empresas favorecer. Susan Rose-Ackerman e Bonnie J. Palifka registram que um cleptocrata forte operando com impunidade não teria que se preocupar com a "história de capa", pois ele pode simplesmente pegar fundos públicos ou dinheiro que deveria ser utilizado para “ajudas em geral”e enviá-los para suas contas bancárias offshore, ganhando taxas internacionais de retorno. Esta ideia remete a uma piada conhecida que pode ser assim descrita: “o governante "A" mostra sua nova mansão para o governante "B". Apontando uma nova estrada, o governante A explica sua nova casa dizendo: "trinta por cento". Mais tarde, o governante A visita B em sua mansão ainda mais luxuosa. Perguntado como foi financiado, B diz "vê aquela estrada lá fora". A parece intrigado porque nenhuma estrada pode ser vista. "Esse é o ponto", diz B: "cem por cento". Em outras palavras, a corrupção é menos danosa se a obra efetivamente é realizada, embora não seja sempre justificada essa afirmação, pois os “rebotes” nos contratos públicos (com a ideia de “elefantes brancos”) reduzem investimentos, inclusive ajudas internacionais, e prejudicam demasiadamente os pagadores de impostos.

Na cleptocracia quando um cleptocrata se senta com um corruptor, ele negocia a melhor participação nos lucros. Já no monopólio bilateral, os pagamentos de propina podem ser mais raros: o subornador tem poder de barganha para extrair lucros. No entanto, o resultado final não é necessariamente superior. O tamanho dos subornos não é o ponto central, mas sim as distorções econômicas e os altos custos dos projetos públicos que geram danos aos cidadãos. Em alguns casos, parte do acordo pode ser até mesmo a proteção contínua do monopólio.

  1. Estados Dominados pela Máfia:

Trata-se da terceira espécie de relação entre corruptores ativos e passivos, hipótese em que funcionários públicos de um Estado fraco e desorganizado se envolvem em atos de corrupção e, ao mesmo tempo, enfrentam o monopólio no setor privado. O Estado pode ser uma democracia fraca (pouco consolidada) ou uma autocracia com um chefe-de-estado “fraco”. Como no caso do monopólio bilateral, o agente monopolista pode ser a máfia doméstica, uma grande empresa ou uma oligarquia bem definida. Em ambas as situações, o setor privado forte domina o Estado, “comprando a cooperação” dos funcionários públicos.

No entanto, o ator privado não tem a força necessária para assumir o Estado e o reorganizar em um único “corpo” unitário. A maior dificuldade para o setor privado é a desorganização estatal que reduz a habilidade de adquirir todos os benefícios pretendidos. Um “acordo” com um funcionário do Estado não impede que outro também tenha interesse em firmar nova negociata ilícita, o que acarreta em imensa ineficiência do Estado frente à competitividade de seus funcionários – individualmente não há grandes participações, mas todos os funcionários tentam participar dos maiores contratos. Com esta disputa pela participação nos contratos, a produtividade do setor privado cai. A exigência de várias propinas na cadeia estatal diminui a capacidade de produção, pois limita os lucros substancialmente. Um exemplo atual desse mecanismo corruptivo é a Ucrânia e seu governo fraco: oligárquicos fortes têm desafiado a autoridade do Estado (ex: a utilização de uma milícia para evitar que o Estado regulasse determinada área).

É comum que os oligarcas tenham alcançado a riqueza em situação de monopólios bilaterais, mas agora desafiam a fraca autoridade estatal. Atualmente parece que a Indonésia caminha para este cenário de “estados dominados pela máfia”, uma vez que o sistema legal e administrativo são imprevisíveis e inconsistentes, ao passo em que a corrupção e a busca pela geração de receitas oriundas de propinas estão desenfreadas.

As arbitrariedades políticas inibem o desenvolvimento de um setor privado legal e produtivo. Alguns líderes de negócios são favorecidos, mas no geral a repercussão no comércio é muito negativa.

  1. Suborno Competitivo:

Neste quarto tipo de relacionamento promíscuo, muitos funcionários de baixo escalão lidam diretamente com um grande número de cidadãos. Como no caso dos “estados dominados pela máfia”, esta situação pode ocorrer em um Estado democrático com um sistema legal de controle de corrupção fraco e uma prestação de contas pública deficiente, e também pode ser a forma como um autocrata fraco dispensa serviços públicos.

A corrupção competitiva não é em nada análoga a um mercado competitivo eficiente. Há um problema sério e sistêmico que pode surgir da corrupção competitiva: a possibilidade de uma espiral ascendente de corrupção. Isto porque a corrupção de alguns encoraja outros a aceitarem subornos até que todos sejam corruptos. Vários modelos teóricos produzem este resultado, como também baixos níveis de corrupção induzem ainda menos pessoas a se corromperem. Há as pessoas que jamais se corromperão, outras são corruptas de forma perene, mas há um grupo intermediário que vai agir de acordo com as “regras de conduta aceitas” na sociedade que pode produzir o efeito cascata do modelo de Thomas Schelling.

Assim, se o equilíbrio corrupto prevalecer, a única solução é um esforço massivo para mudar o sistema para o estado "bom". O lado positivo disso é que, uma vez que o novo equilíbrio tenha sido estabelecido, ele será estável e nenhuma outra coordenação contínua é necessária.

As pessoas suscetíveis à espiral de corrupção ainda imaginam uma sociedade honesta como melhor do que uma cheia de corrupção e mesmo quando se envolvem em corrupção, elas entendem que se corromper é algo errado à luz da sociedade, mas se sentem presas no status quo corrupto. Por outro lado, essa é uma situação um pouco mais útil porque as pessoas podem ser induzidas a se afastar da corrupção se tiverem opções plausíveis, ainda que uma grande parcela das pessoas continue corrupta. Em outras palavras, não se acredita na afirmação de que a concepção moral de corrupção é reduzida apenas porque esta é difundida.

            Os autores ressaltam ainda outro modelo que pode produzir múltiplos equilíbrios com base na legislação padrão e em cálculos econômicos, sem apelo a escrúpulos morais. Suponhamos que exista um número fixo de policiais, mas a maioria das pessoas seguem as regras. Se poucos forem corruptos, os recursos anticorrupção podem ser usados ​​eficientemente para coletar evidências e o trabalho da polícia irá prender muitos dos infratores, o que servirá como exemplo às demais pessoas e as convencerá a se comportar honestamente (remete-nos à ideia de prevenção geral do Direito Penal). Por outro lado, se houver prevaricação generalizada, apenas poucas pessoas serão presas, o que servirá como estímulo ainda maior a se infringir a lei à medida que a probabilidade de ser preso diminuirá consideravelmente, numa espiral deteriorante.

            Em um ambiente corrupto, os funcionários honestos deletam os corruptos enquanto que os cidadãos honestos entregam as extorsões dos funcionários corruptos, o que torna arriscado o oferecimento de propina. Assim, quanto maior for a proporção de corruptos, menor o risco de oferecer propina.

            A dinâmica é simples: seria de se esperar que, à medida que os preços do suborno aumentassem, menos pessoas estariam dispostos a pagá-los. No entanto, neste caso, se a proporção de funcionários corruptos aumenta com o nível de subornos, um aumento no nível de suborno poderia aumentar a quantidade de pessoas que estão dispostas a pagar propinas, sinalizando o alto nível de impunidade. Assim, subornos altos indicam uma baixa probabilidade de serem pegos.

            Em todos esses modelos, sob hipóteses plausíveis acerca da distribuição dos custos de corrupção entre os funcionários, existem altos e baixos equilíbrios de corrupção. Mudanças temporárias e grandes são imprescindíveis para produzir mudanças de longo prazo, movendo o sistema do equilíbrio de alta para baixa corrupção.

A reforma demanda mudanças sistêmicas nas expectativas e no comportamento do governo para mover o Estado de um alto nível de corrupção para um equilíbrio de baixa corrupção. No entanto, grande parte dos Estados que se enquadram nessa categoria são aqueles que não possuem a autoridade centralizada necessária para implementar todas elas, pois o sistema corrupto descentralizado e competitivo está bem difundido e ninguém tem o poder necessário e a vontade política exigida para o choque de gestão imprescindível à reforma.

Os autores abordam também as síndromes de corrupção de Johnston, que também apresenta quatro tipos de relação entre corruptores ativos e passivos. Neste modelo, o tipo de corrupção que prevalece em determinada sociedade é determinado pelo desenvolvimento de instituições econômicas em relação às instituições estatais. Para ele, a corrupção existe em todas as sociedades, como grupos de poder econômico-político em economias estatais desenvolvidas, e como cleptocracia ou estados com poder político e econômico definidos ao longo de linhas étnicas ou de lealdade onde instituições estatais e econômicas são pouco desenvolvidas, como por exemplo em não-democracias e estados em conflito ou logo após conflito.

Todas as hipóteses estão na mesma linha, onde instituições econômicas fracas e fortes acompanham as instituições estatais correspondentes. Johnston, porém, não considera casos com instituições econômicas fortes e Estados fracos, economias fracas e estados fortes, ou estados nos quais as instituições econômicas avançam mais rápido que as instituições políticas, ou vice-versa, isto é, não analisa uma combinação de moderado com fraco ou forte.

A cleptocracia na visão de Jonhston engloba os funcionários do governo, enquanto que na perspectiva do monopólio bilateral é semelhante aos casos de cartéis, oligarcas e clãs de elite. Johnston também não aborda a hipótese de suborno competitivo: está mais focado nas várias formas de influência do ator privado. Uma diferença importante entre as síndromes de Johnston e a dos autores é que para o primeiro, estrutura é explicitamente normativa, enquanto a dos autores nossa é baseada na ideia do poder e capacidade de influência.

Em síntese, todas as quatro hipóteses de relacionamentos espúrios entre corruptores ativos e passivos indicam falhas sistêmicas no regime do Estado, mas são distintas em relação aos mecanismos de incentivos à corrupção. A cleptocracia raramente será equivalente ao monopólio privado, pois não há correspondência simples entre o nível e as consequências da corrupção e a organização do governo. Não é possível afirmar que a corrupção depende da força e da falta de escrúpulos dos atores privados e particulares que pagam subornos. Na perspectiva do monopólio bilateral, poderosos atores públicos e privados dividem os ganhos econômicos.

O cleptocrata poderoso diante de atores privados fracos não apenas extrai rendas, mas também organiza o estado para cria-las. Por outro lado, grandes empresas privadas corruptas que enfrentam um estado fraco podem extrair altos níveis de benefícios sem pagar elevados subornos. A quantidade de propina é alta, mas seus valores são baixos. O custo desse sistema de “aceitar” propinas é muito alto, pois a concessão de benefícios a poucos prejudica as “pessoas comuns”.

Com grande quantidade corruptos e corruptores, mercados complexos podem surgir. Não raro, em um ambiente competitivo, o suborno gera cada vez mais suborno até que o sistema seja permeado por corrupção. Sob outras condições, no entanto, a honestidade gera honestidade. Os que querem mudar o sistema, quando em ambientes competitivos têm a difícil tarefa de incentivar espirais benéficas, evitando as destrutivas e maléficas à sociedade.

A análise feita pelos autores nos permite concluir, sem grandes esforços, que o estudo é inconclusivo: a adoção do regime democrático, por si só, não é garante qualquer estratégia anticorrupção, eis que a corrupção estudada diante de casos concretos e em diversos segmentos estatais materializa clara e patente disfunção sistêmica.

Assim, o que se deve buscar é uma análise das especificidades e características do regime democrático que servem de instrumentos e mecanismos, estatais ou não, incentivadores de atos corruptivos. Neste cenário, outro fator indispensável no estudo da corrupção é a capacidade de influência tanto dos agentes públicos como dos agentes privados que impactam diretamente na relação de barganha entre Estado e ente particular. Na visão de de Susan Rose-Ackerman e de Bonnie J. Palifka, estas relações podem se mostrar promíscuas diante de cleptocratas, monopólios bilaterais, estados dominados pela máfia e pelo suborno competitivo.

Por outro lado, o que se pode afirmar, porém, é que independente das lentes do estudo, a análise é inconclusiva de forma genérica, pois depende do conhecimento específico da forma de atuação de cada exemplo concreto, razão pela qual deve permanecer sempre em constante evolução e aperfeiçoamento toda e qualquer estrutura de fiscalização de forma a se combater e diminuir os mecanismos de incentivo aos atos de corrupção.


[3] Grupo de crime organizado que oferece serviços de proteção em substituição ao Estado e sua estrutura administrativa.

Sobre o autor
Fernando Pessôa da Silveira Mello

Mestre em Direito Constitucional pela Escola de Direito de Brasília – EDB/IDP. Especialista em Direito Público. Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça. Ex-Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral. Juiz Ouvidor do TSE nas Eleições Presidenciais de 2018. Juiz Federal da Justiça Militar. Ex-Procurador de Estado (Procurador-Chefe junto ao Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça). Ex-servidor do Supremo Tribunal Federal (assistente jurídico de Ministro – STF) e do Ministério Público Federal (assessor de Subprocurador-Geral da República – PGR). Professor universitário e de cursos de pós-graduação.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O texto foi elaborado em disciplina cursada no programa de Mestrado em Direito Constitucional.

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