Cancelamento de atos nas Juntas Comerciais por falsidade em assinatura à luz do Decreto Federal 10.173/2019

As inovações trazidas pelo Decreto Federal 10.173/2019 quanto ao cancelamento por fraude em assinatura em atos registrados nas Juntas Comerciais

05/08/2020 às 00:42

Resumo:


  • O artigo propõe um debate sobre a atualização trazida pelo Decreto Federal 10.173/2019, que alterou os parágrafos 1º e 2º do artigo 40 do Decreto nº 1.800/1996.

  • O novo texto do Decreto concedeu mais poder decisório aos Presidentes das Juntas Comerciais ao determinar a suspensão dos efeitos do ato em caso de indícios substanciais de falsificação.

  • A nova redação do Decreto dispensou a necessidade de decisão judicial para o reconhecimento da falsidade da assinatura, promovendo a desburocratização do serviço público.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Decreto Federal 10.173/2019 - Cancelamento de assinatura por fraude - Novos procedimentos - Ato vinculado dos Presidentes das Juntas Comerciais - Ilegalidade do Decreto - Lei Federal 8.934/94 - Decreto Federal 1.800/96

O objetivo deste artigo é propor debate sobre a atualização trazida pelo Decreto Federal 10.173/2019, que alterou aos parágrafos 1º e 2º do artigo 40 do Decreto nº 1.800/1996, que regulamenta a Lei 8.934/94.

 

O Decreto em questão deu nova redação aos parágrafos, os quais iremos comparar à frente com a redação antiga apontando as principais diferenças.

 

Preliminarmente, contudo, vale trazer à baila, de forma resumida, os conceitos dos seguintes institutos jurídicos: sustação, cancelamento e desarquivamento.

 

Os três institutos geram consequências bastante diferentes no mundo jurídico. A sustação enseja a suspensão dos efeitos do ato desde o momento da sua decretação até decisão em definitivo sobre a matéria. A sustação é, portanto, precária.

 

Importante destacar que a sustação opera efeitos ex nunc, ou seja, conserva todos os efeitos passados.

 

Já o cancelamento, que somente podia ser decretado após decisão judicial, é ato mais gravoso e pode operar efeitos ex tunc, ou seja, anula todos os efeitos do ato desde o seu nascimento.

 

É verdade que a doutrina comercialista, em função da segurança jurídica dos atos societários, tem posições específicas sobre os efeitos ex tunc do cancelamento, no entanto, essa é uma discussão que me parece ultrapassada diante da nova redação do dispositivo.

 

Por fim, o desarquivamento enseja o desentranhamento do ato do prontuário físico da empresa. Mais do que o cancelamento, o desarquivamento faz com que o ato passe a não mais existir no mundo jurídico, implicando, por exemplo, para efeitos operacionais, a impossibilidade de expedição de certidão daquele ato.

 

Estabelecidas essas diferenças passamos à análise dos textos do Decreto.

 

Redação antiga:

 

§ 1º Verificada, a qualquer tempo, a falsificação em instrumento ou documento público ou particular, o órgão do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins dará conhecimento do fato à autoridade competente, para as providências legais cabíveis, sustando-se os efeitos do ato na esfera administrativa, até que seja resolvido o incidente de falsidade documental.

 

§ 2º Comprovada, a qualquer tempo, falsificação em instrumento ou documento arquivado na Junta Comercial, por iniciativa de parte ou de terceiro interessado, em petição instruída com a decisão judicial pertinente, o arquivamento do ato será cancelado administrativamente.

 

Do texto antigo podemos extrair que verificada a falsificação em ato arquivado a Junta Comercial sustará os seus efeitos até solução do incidente, ou seja, até a decretação em definitivo da falsidade; que, pelo parágrafo 2º, somente pode ser decretada pelo Poder Judiciário. Nesse caso teríamos a comprovação da falsidade.

 

Portanto, decretada em definitivo a falsidade e, trazida a sentença à Junta Comercial, será tomada nova providência administrativa, chamada de cancelamento.

 

Dos termos utilizados nos parágrafos do artigo 40 do Decreto a palavra “Verificada” poderia trazer dúvidas quanto à sua interpretação.

 

Nessa lacuna, algumas Juntas editaram ato normativo estabelecendo necessária a apresentação de Boletim de Ocorrência e Laudo Pericial.

 

Da nova redação extraímos diferenças que impactam diretamente no fluxo que se deve percorrer até a sustação dos efeitos do ato e, agora, o seu desarquivamento.

 

Redação Nova:

 

§ 2º Quando houver indícios substanciais da falsificação, o Presidente da Junta Comercial deverá suspender os efeitos do ato até a comprovação da veracidade da assinatura.     (Redação dada pelo Decreto nº 10.173, de 2019)

 

§ 1º  Sempre que for devidamente comprovada a falsificação da assinatura constante de ato arquivado, o Presidente da Junta Comercial deverá, após intimação dos interessados, garantidos a ampla defesa e o contraditório aos envolvidos, desarquivar o ato viciado e comunicar o fato à Polícia Civil, ao Ministério Público e às autoridades fazendárias, para que sejam tomadas as medidas cabíveis.    (Redação dada pelo Decreto nº 10.173, de 2019)

 

O parágrafo 2º determina que havendo indícios substanciais da falsificação o Presidente deverá suspender os efeitos do ato, até que seja comprovada a veracidade da assinatura.

 

Portanto, cotejando esse parágrafo com o 1º da redação antiga conseguimos perceber que o regulamento optou por conceder mais poder decisório aos Presidentes das Juntas Comerciais.

 

Agora, não é mais necessário que a falsidade seja verificada; mas sim, que sejam identificados indícios substanciais.

 

O termo “indícios substanciais” é subjetivo justamente para trazer maior poder de decisão ao agente público.

     

Todavia, considerados substanciais os indícios o texto impõe ao Presidente, a obrigação de sustar. Neste momento estamos diante de um ato vinculado, onde não cabe discricionariedade do agente público.

 

Outro ponto menos evidente é o fato de que a nova redação, ao mencionar que deverá ser comprovada veracidade da assinatura, traz novo efeito para a sustação do ato, pois o mesmo deixa de gozar de presunção de veracidade, na medida em que é o que agora se pretende provar.

 

É no parágrafo 1º que encontramos a maior diferença entre as redações, uma vez que além de trazer o instituto jurídico do desarquivamento, também desobriga a necessidade de decisão judicial para o reconhecimento em definitivo da falsidade da assinatura.

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O novo texto orienta que sempre que a falsidade for devidamente comprovada – inferindo-se que mesmo que não por decisão judicial – o Presidente deverá, desarquivar o ato viciado. Mais uma vez estamos diante de ato vinculado a ser perpetrado pelo Presidente, quando comprovada a falsidade.

 

Ao retirar a exigência de decisão do Poder Judiciário o texto vai ao encontro da atual gestão federal que tem visado a desburocratização do serviço público.

 

Vale ressaltar que a permissão legal para os Presidentes das Juntas desarquivarem o ato ex officio ou mesmo após provocação de interessados vem prestigiar o princípio da autotutela inerente à Administração Pública, o qual é conceituado pela doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro como:

 

Enquanto pela tutela a Administração exerce controle sobre outra pessoa jurídica por ela mesma instituída, pela autotutela o controle se exerce sobre os próprios atos, com a possibilidade de anular os ilegais e revogar os inconvenientes ou inoportunos, independentemente de recurso ao Poder Judiciário. É uma decorrência do princípio da legalidade; se a Administração Pública está sujeita à lei; cabe-lhe, evidentemente, o controle da legalidade.

 

Nesse mesmo sentido temos, por meio de súmulas, manifestação do Supremo Tribunal Federal.

 

Súmula 473

A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

 

Súmula 346

A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.

 

Finalmente, a nosso ver o entendimento da doutrinadora e as súmulas vem corroborar que a atualização legislativa implementada pelo Decreto 10.173/2019 quis que o desarquivamento de ato pelos Presidentes das Juntas Comerciais, após comprovada a falsidade, prescinda de decisão judicial nesse sentido. Ademais, diante das súmulas supra mencionadas, não vislumbramos qualquer ilegalidade na nova redação.

Sobre o autor
Tarso Mori

Servidor Público Estadual do Rio de Janeiro, Bacharel em Direito e Pós Graduado em Compliance

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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