1 INTRODUÇÃO
A abordagem temática em que este trabalho se fundamenta corresponde ao olhar acerca da existência de políticas públicas para os moradores de rua, como uma forma de assegurar a concretização dos direitos dessas pessoas, as quais por muitos anos já vêm sofrem com a marginalização social, sendo tratados como um problema de saúde pública, ou seja, de higienização urbana.
Nesse enfoque, vislumbra-se a necessidade em se fomentar políticas públicas que voltem o olhar para essas pessoas, buscando concretizar direitos fundamentais que garantem a efetividade da aplicação dos mesmos e a dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, se verifica que a relevância desta temática se justificou em razão do aumento do número de pessoas que vivem em situação de rua nessa região, o que pode influenciar em vários aspectos da vida social, sendo necessário que o Estado promova políticas públicas para o atendimento desses indivíduos, portanto, se faz necessário realizar um mapeamento dos artigos publicados nessa área, entre 2014 a 2017 na plataforma Scielo.
Ademais, será voltado o olhar para algumas políticas públicas aplicadas em outros estados destinados a essas pessoas, como é o caso dos Consultórios de Rua e as Cooperativas para Catadores de Materiais Recicláveis, atuando como forma de inclusão social e não apenas como meio de “limpar a cidade”, mas como ferramenta inclusiva.
2 MÉTODOS
A metodologia de pesquisa escolhida consistiu em um trabalho de revisão crítica da literatura, em que foram realizadas buscas na base de dados da Scielo, utilizando como filtro os termos: “Políticas Públicas para Pessoas em Situação de Rua”, “Moradores de Rua” e “sem-teto”, sendo dado enfoque aos materiais publicados entre 2014 a 2017.
Quanto a metodologia, a pesquisa seguirá uma abordagem qualitativa, pois segundo Deslandes (1994), esse tipo de pesquisa se configura como aquela em que os dados não são passíveis de serem matematizados. O método adotado é o analítico, em que o pesquisador parte do todo em direção às partes, buscando compreender como as partes se articulam entre si.
Além disso, no que se refere ao tipo de pesquisa, quanto aos objetivos, este estudo se caracterizará como de análise de conteúdo, pois conforme destaca Marques et al (2017), é a pesquisa bibliográfica em si, consistindo em analisar e interpretar de forma contextual os escritos presentes em diversos meios como livros, jornais, revistas, monografias, dissertações, teses e outros. De igual forma, esse tipo de pesquisa contribui para a análise e interpretação dos dados.
No que se refere à participação do pesquisador, esta se demonstra como empírico-analítica, pois é uma forma de pesquisa em que o pesquisador mantém uma distância estratégica do objeto da pesquisa, objetivando não se envolver com a pesquisa. E, no que se refere à coleta de dados, se demonstra como uma revisão bibliográfica, obtidas por intermédio de dados secundários e em consulta a livros, revistas, artigos científicos, dissertações e teses (MARQUES et al, 2017).
Nesse sentido, foi importante estabelecer o uso de preposições como conectivos a fim de que fosse possível encontrar os materiais publicados nessa temática, tendo em vista que o termo “Políticas Públicas” é muito amplo e tornaria inviável trabalhar apenas isso, sendo incluído o uso dessas preposições, tornando viável a realização da pesquisa.
Além disso, desta pesquisa foram excluídos da análise, os trabalhos publicados em idiomas estrangeiros, optando em enfatizar os publicados em língua portuguesa, publicados em revistas científicas brasileiras.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
O número de pessoas vivendo em situação de rua vem crescendo ao longo dos anos, sendo cada vez mais frequentes moradores de rua pelos centros urbanos e até mesmo nos bairros periféricos, o que antes poderia ser apenas um problema de ordem social, também atinge níveis da saúde pública, tendo em vista que esses indivíduos estão expostos a diversos riscos.
Nesse enfoque, para compreender os cuidados que deveriam ser realizados com essa população, é importante esclarecer como vem sendo entendido o conceito de pessoas em situação de rua, o qual de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2008), pode ser definido como:
Grupo populacional heterogêneo, caracterizado por sua condição de pobreza extrema, pela interrupção ou fragilidade dos vínculos familiares e pela falta de moradia convencional regular. São pessoas compelidas a habitar logradouros públicos (ruas, praças, cemitérios, etc.), áreas degradadas (galpões e prédios abandonados, ruínas, etc.) e, ocasionalmente, utilizar abrigos e albergues para pernoitar.[1]
Corrobora com essa visão Reis Júnior (2012), ao destacar que no Brasil esse termo não pode ser restrito àqueles que não têm casa, mas visualizado a partir de um viés de exclusão social, em que se entende como um processo de afastamento da personalidade humana do indivíduo, o qual passa a ser condicionado à figura de um animal laborans, que tem apenas uma atividade que é a preservação biológica e, em razão disso, se encontram impedidos de exercer na plenitude as potencialidades conferidas exclusivamente àqueles que se reconhecem como seres humanos.
Desta forma, as pessoas em situação de rua, estão muito além daquelas que não possuem uma casa para morar, mas envolvendo aqueles indivíduos que estão marginalizados da sociedade e que de certa forma se vêm excluídos, encarados como espécie de animais, abandonando a condição humana que lhe era devida.
Nesse sentido, as dificuldades concernentes aos aspectos clínicos estão no fato de que por acreditarem não ter mais a importância de um ser humano, essas pessoas se identificam como coisas e acabam deixando de procurar ajudar médica/clínica, fazendo com que tenham diversas doenças e mazelas que poderiam ser tratadas e que podem leva-los à óbito, necessitando que o cuidado seja realizado de modo preventivo e contínuo, não apenas em situações de urgência e emergência como é comum ocorrer com essas pessoas.
Sobre a atenção básica, a Política Nacional de Atenção Básica – PNAB, Portaria n. 2.488, de 2011, conceitua a atenção básica como sendo um conjunto de ações, desempenhadas de maneira individual ou coletiva, capaz de envolver a promoção da saúde, bem como tem caráter preventivo de agravos, diagnosticar, tratar, reabilitar e manter a saúde, de maneira integrada e integral, de forma a estimular a autonomia desses indivíduos e melhorar a saúde destes (BRASIL, 2011).
Considerando esses fatores, de acordo com Candiani (2012), os problemas clínicos mais comuns junto à população em situação de rua são: problemas nos pés, devido ao fato de que passam longas horas de pé ou caminhar vários quilômetros, bem como infestações, tubérculo, Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), HIV e AIDS, gravidez de alto risco, doenças crônicas, álcool e drogas e descuido da saúde bucal.
Em que se pese o fato de que poucos desses indivíduos em situação de rua procuram o serviço de saúde, muitos enfrentam um outro problema, que é se deparar com o preconceito e estigma que alguns profissionais os tratam, inclusive com desprezo e inabilidade para realizar a escuta qualificada, bem como para realizar o acolhimento das demandas e necessidades dessas pessoas (HINO; SANTOS; ROSA, 2018).
Considerando essa perspectiva, é importante destacar que o profissional da saúde precisa estar preparado para atuar com esse público, de modo que haja o devido respeito à dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais assegurados a todas as pessoas, independentemente de ser ou não moradores de rua.
Desta forma, a pessoa em situação de rua, assim como qualquer outro indivíduo pertencente à sociedade, precisa da devida atenção às suas necessidades, principalmente atreladas à sua saúde. Por isso, a importância em se garantir o direito à saúde e dignidade da pessoa humana a esses indivíduos, encarando-os como sujeitos de direito e não simplesmente como uma coisa ou objeto que deva ser marginalizado pela sociedade e pela administração pública.
A questão da marginalização social e o enfoque sobre moradores de rua é uma temática que já se arrasta por muitos anos, sendo frequente muitos estudos, mas ainda se evidencia que há uma considerável omissão estatal no que concerne a essas pessoas.
Sob esse prisma, essa situação é marcada por um olhar “higienista, medicalizante, reduzindo uma situação marcada por intensa complexidade a uma concepção meramente patológica” (MAGNI; GÜNTHER, 2014, p. 148), assim se verifica que o enfoque dado é de saúde pública, deixando de se estabelecer um viés voltado ao conceito social, assegurando direitos a esses indivíduos.
Nesse sentido, é possível observar que esse processo de exclusão não se restringe apenas ao fato de que esses moradores de rua não possuam uma residência ou disponham de bens materiais, mas sim como uma situação que fere os próprios direitos fundamentais inerentes à dignidade da pessoa humana, fazendo com que eles não se vejam como organismos dotados de uma identidade, os quais se tornam “coisas”, conforme isso destaca-se que a:
Exclusão social mais dramática não é só não dispor de bens essenciais. É sobretudo, não conseguir alçar-se à condição de sujeito capaz de comandar seu destino. Nega-se não só acesso material, mas principalmente a autonomia emancipatória (DEMO, 2003, p.36).
De acordo com o exposto, acerca dos resultados obtidos, foi possível realizar uma significativa observação sobre as principais publicações nessa área temática. Com relação aos materiais publicados sobre o filtro “Moradores de Rua”, totalizou 20 artigos, sendo que no ano de 2014 foram nove, em 2015 sete e em 2017 quatro. Os quais distribuídos pelos estados da federação se concentraram em: Brasília (1); Espírito Santo (1); Minas Gerais (3); Pará (1); Rio de Janeiro (3); Rio Grande do Sul (1); São Paulo (10). Tendo como principais interfaces temáticas saúde e inclusão social dessas pessoas.
Nesse segundo filtro, acerca das “políticas públicas para pessoas em situação de rua”, dentro do período escolhido, foi possível identificar dois artigos, sendo um de 2017 (Rio de Janeiro), versando sobre o atendimento psicossocial desses indivíduos e outro de 2014 (São Paulo) trazendo um olhar variado sobre o tema, ao buscar ações efetivas para contribuir com essa vulnerabilidade social.
No que concerne ao último descritor, referente ao termo “sem-teto”, em busca inicial foi possível obter um número de 25 artigos publicados entre os anos de 2014 a 2017. Contudo, em análise minuciosa, foi possível excluir alguns desses resultados, que não correspondiam ao objeto de estudo, obtendo como resultado 13 artigos publicados.
Com relação aos quais tiveram como maior período de publicação os anos de 2015 e 2014, com cinco materiais em cada um desses anos, seguindo o ano de 2017 com três publicações e o ano de 2016 com apenas.
Além disso, mais uma vez foi possível observar que o estado de São Paulo retém o maior número de publicações, com sete artigos, seguido do Rio de Janeiro (3); Minas Gerais (2) e Bahia (1).
Desta forma, foi possível perceber que nesse descritor, as principais interfaces temáticas que se destacaram foram correspondentes a inclusão social desses indivíduos considerados sem-teto, assim como o olhar acerca da criminalidade que rondam essas pessoas, como os casos de violência, inclusive contra mulheres nessa condição de vulnerabilidade, além do problema das drogas que afeta grande parte dessa população e questões relacionadas à saúde pública nesse contexto.
Diante do exposto, ao se analisar esses dados obtidos, é possível perceber que apesar de se falar em políticas públicas para as pessoas em situação de rua, ainda existem poucos estudos e discussões efetivas sobre a temática, inclusive no tocante às políticas públicas, tendo em vista que este problema social tem se multiplicado em muitos estados brasileiros.
Com relação às políticas públicas relacionadas a essas pessoas incrementadas em outros estados, foi possível destacar dois recursos que chamam a atenção devido a inovação e proposta, quais sejam os chamados Consultórios de Rua e as Cooperativas destinadas aos Catadores de Materiais Recicláveis.
Acerca dos Consultórios de Rua foi possível encontrar o artigo intitulado “Consultório na Rua: visibilidades, invisibilidades e hipervisibilidade”, de autoria de Janaína Alves da Silveira Hallais e Nelson Filice de Barros, os quais realizaram uma observação participante em conjunto com uma equipe de Consultório de Rua, o qual pode ser entendido como sendo:
o Consultório na Rua (CnaR) é um equipamento itinerante de saúde que integra a Rede de Atenção Básica e desenvolve ações de atenção psicossocial, devendo seguir os fundamentos e as diretrizes estabelecidas pela Política Nacional de Atenção Básica. Por isso, trabalha em parceria com as unidades básicas de saúde e com os Centros de Atenção Psicossocial, priorizando que a assistência e o cuidado sejam realizados no próprio território de rua. (HALLAIS; BARROS, 2015, p. 1498)
Nesse sentido, se verifica que esses consultórios surgem como mecanismos para promover o acesso à saúde dessas pessoas, que em decorrência da situação em que vivem pouco procuram hospitais ou postos de saúde, contraindo diversas doenças e não fazendo o tratamento adequado para as mesmas.
Além disso, também é possível observar a experiência das cooperativas para catadores de materiais recicláveis, de autoria de Ana Amélia Calaça Magni e Wanda Maria Risso Günther, intitulado “Cooperativas de catadores de materiais recicláveis como alternativa à exclusão social e sua relação com a população de rua”.
Essa política atraiu o interesse, tendo em vista que a maior parte das pessoas que vivem em situação de rua não possuem trabalhos, sobrevivendo da reciclagem de materiais.
O modelo das atuais cooperativas de catadores de RSU que conhecemos, marcado pela parceria com as prefeituras municipais, característico da Região Metropolitana de São Paulo, disseminou-se pelo País a partir do início da década de 1990. Tal parceria se processa, essencialmente, pela cessão, por parte das prefeituras municipais, de galpões de triagem, equipamentos e veículos de coleta (Ribeiro e Besen, 2007) e, em contrapartida, os cooperados oferecem sua força de trabalho, organizados sob a forma de cooperativas. (MAGNI; GÜNTHER, 2014, p. 149)
Desta forma, é possível constatar que essa medida nada mais é do que uma parceria que se estabelece entre o poder público e esses catadores de materiais recicláveis, que muitos podem ser moradores de rua, como uma forma de garantir que haja a integração e inclusão social dessas pessoas, a fim de que elas possam se sentir parte da sociedade.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão da marginalização das pessoas em situação de rua é um ponto que já se arrasta por muitos anos, havendo localidades do Brasil que tal assunto tem desencadeado uma série de consequências que refletem na sociedade. Em decorrência disso, o interesse desta pesquisa consistiu em realizar um mapeamento de artigos publicados sobre esse tema entre 2014 a 2017, por meio da plataforma Scielo.
Dos resultados encontrados, os descritores utilizados compreenderam “moradores de rua”, “políticas públicas para pessoas em situação de rua” e “sem-teto”. Nesse primeiro, foram encontrados vinte artigos, sendo que o estado brasileiro que mais se destacou em publicações foi São Paulo, a qual teve como principais interfaces temáticas a saúde e a inclusão social.
Já nesse segundo descritor foi possível identificar dois artigos, sendo um de 2017 (Rio de Janeiro), versando sobre o atendimento psicossocial desses indivíduos e outro de 2014 (São Paulo) trazendo um olhar variado sobre o tema, ao buscar ações efetivas para contribuir com essa vulnerabilidade social.
Enquanto o terceiro descritor trouxe vinte de cinco artigos, com maior número de publicações em São Paulo, destacando as principais interfaces sobre a criminalidade, os casos de violência, condições de vulnerabilidade da mulher e da família nesses contextos e as drogas.
Sobre isso, é preciso que haja políticas públicas para a proteção dessas pessoas, assim como a inserção social das mesmas, não as vendo apenas como um problema de saúde ou de higiene urbana, mas como indivíduos que necessitam terem seus direitos fundamentais assegurados, dentre as quais destacou-se os Consultórios de Rua e as Cooperativas de Catadores de Materiais Recicláveis.
REFERÊNCIAS
DEMO, P. Pobreza da pobreza. Petrópolis: Vozes, 2003.
HALLAIS, J. A. S. ; BARROS, N. F. . Consultório na Rua: visibilidades, invisibilidades e hipervisibilidade. Cadernos de Saúde Pública, v. 31, p. 1497-1504, 2015.
MAGNI, A. A. C. ; Gunther, W M R . Cooperativas de catadores de materiais recicláveis como alternativa à exclusão social e sua relação com a população de rua. Saúde e Sociedade (Online), v. 23, p. 146-156, 2014.