A IMPORTÂNCIA DO HABEAS DATA
Rogério Tadeu Romano
O presidente Jair Bolsonaro promoveu uma reformulação no quadro de cargos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e criou uma nova unidade no órgão, batizada de Centro de Inteligência Nacional. O ato consta em decreto publicado no dia 31 de julho do corrente ano.
A estrutura, criada por decreto publicado naquela data, no Diário Oficial da União, terá entre suas missões assessorar outros órgãos do governo no “enfrentamento de ameaças à segurança e à estabilidade do Estado e da sociedade”. Conforme o Estadão apurou, o Centro Nacional de Inteligência assumiu atribuições dos extintos Departamento de Inteligência Estratégica e Assessoria Executiva do Sistema Brasileiro de Inteligência.
Noticiou, outrossim, o Estadão, em seu site no dia 5 de agosto de 2010, que o novo centro, porém, pode ter atribuições mais amplas. Na comparação com o departamento anterior, havia uma função de processar dados “fornecidos pelos adidos civis brasileiros no exterior, representantes estrangeiros acreditados junto ao governo brasileiro e pelos serviços estrangeiros congêneres”. Agora, a função passou a ser planejar, coordenar e implementar a “coleta estruturada de dados”, sem a restrição aos temas antes listados. Questionada, a Abin não informou como e quais tipos de dados deve coletar para alimentar seu sistema de informações.
A unidade será a interface da Abin com os demais órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), comporto por 39 órgãos, incluindo o Ministério da Defesa, a Advocacia-Geral da União e a Polícia Federal.
Para a matéria na medida em que alguém tenha informações de que estava sendo investigado cabe estudar o ajuizamento de habeas data.
O remédio constitucional é previsto no artigo 5º, LXXII, da CF.
Dita essa norma constitucional:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXII - conceder-se-á habeas data:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
.......
Como disse Celso Ribeiro Bastos(Comentários à Constituição do Brasil, 2º volume, 1989, pág. 361), a obtenção, o armazenamento e a manipulação de dados sobre o indivíduo constituem a mais moderna ameaça à liberdade individual.
Por certo esse direito à intimidade pessoal não estaria devidamente resguardado se não houvesse a criação de instrumentos jurisdicionais devidamente adaptados a darem efetividade aos direitos materialmente assegurados.
Para José Afonso da Silva(Curso de Direito Constitucional Positivo, 5ª edição, pág. 390), o habeas data é um remédio constitucional que tem por objeto proteger a esfera íntima dos indivíduos contra: a) usos abusivos de registros de dados pessoais coletados por meios fraudulentos, desleais ou ilícitos; b) introdução nesses registros de dados sensíveis(assim chamados os de origem racial, opinião política, filosófica ou religiosa, filiação partidária, sindical, orientação sexual); c) conservação de dados falsos ou com fins dos autorizados em lei, como ainda afirmou Fundo Morales Prats(La Tutela Penal de La Intimidad: Privacy y Informática, Barcelona, 1984, pág. 329).
Trata-se de instrumento do processo constitucional voltado a jurisdição constitucional das liberdades.
Disse Alfredo Baracho:
“A jurisdição constitucional da liberdade é o instrumento para resguardar o cumprimento e a superioridade de certos direitos fundamentais inderrogáveis(Processo Constitucional, 1984, pág. 114).
Por sua vez, J.J. Gomes Canotilho traz uma tríplice proteção necessária:
- Direito de acesso das pessoas aos registros informáticos para conhecimento dos seusw dados pessoais dele constantes;
- Direito do sigilo em relação a terceiros dos dados pessoais informatizados e direito a sua não-interconexão;
- Direito à proibição de tratamento informático de certos tipos de dados pessoais.
No direito constitucional português tem-se o artigo 35, I.
O objeto do habeas data é o asseguramento do acesso às informações pessoais do impetrante constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público com o fim de retificação.
O habeas data, portanto, só pode objetivar o conhecimento de informações; não é adequado, portanto, para desvendar-se as razões ou os motivos da atuação administração, mas não é meio adequado para reabrir processos já arquivados.
Ensinou ainda Celso Ribeiro Bastos(obra citada, pág. 362) que “não há que se confundir o instituto com o previsto no inciso XXXIII, em que a Constituição assegura a todos o direito de receber informações dos órgãos públicos. Aqui trata-se de o indivíduo ter acesso àquelas informações que dizem respeito à atuação administrativa. São múltiplas as situações em que o cidadão tem interesse em saber das intenções, dos propósitos, dos planos, das metas de um administrador. Esses são assuntos contemplados pelo inciso XXXIII”.
Porém, dizia Celso Ribeiro Bastos(obra citada, pág. 361) que essa medida não pode ser utilizada para desvendar o estado atual de diligências administrativas ou utilizada para desvendar o estado atual de diligências administrativas ou de investigações policiais. É necessário que as informações constem de registros ou bancos de dados. É, portanto, aquela informação armazenada, fechada, catalogada que não se confunde com aqueles conhecimentos que a Administração pode possuir sobre alguém como meio legítimo de levar adiante a atuação administrativa.
Colho a lição de José Afonso da Silva(obra citada, pág. 392):
“O objeto do habeas data consiste em assegurar: a) o direito de acesso e conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de entidades de caráter público; b) o direito à retificação desses dados, importando isso em atualização, correção e até a supressão, quando incorretos. Em relação ao direito de retificação, o dispositivo constitucional faculta ao impetrante o processo sigiloso, judicial ou administrativo, dando a entender que, se o processo for sigiloso, não será de habeas corpus, mas outra ação, o que não tem sentido algum.
Dita o artigo 7ª da Lei do Habeas Data:
Art. 7° Conceder-se-á habeas data:
I - para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
II - para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;
III - para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável.
Mas os dados, que são objeto da impetração do writ, hão de ser pessoais.
São dados que envolvam ideologia, profissionais e até hábitos sexuais que são objeto do habeas data.
O legitimado ativo do habeas data há de ser a pessoa física.
Aplica-se a Súmula 2 do STJ:
NÃO CABE O HABEAS DATA (CF, ART. 5, LXXII, LETRA "A") SE NÃO HOUVE RECUSA DE INFORMAÇÕES POR PARTE DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA.
Em sendo assim tem-se o artigo 8º da Lei do HD:
Art. 8° A petição inicial, que deverá preencher os requisitos dos arts. 282 a 285 do Código de Processo Civil, será apresentada em duas vias, e os documentos que instruírem a primeira serão reproduzidos por cópia na segunda.
Parágrafo único. A petição inicial deverá ser instruída com prova:
I - da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão;
II - da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze dias, sem decisão; ou
III - da recusa em fazer-se a anotação a que se refere o § 2° do art. 4° ou do decurso de mais de quinze dias sem decisão.
Seria uma condição de procedibilidade mostrar-se nos autos que houve recusa de informação por parte da autoridade administrativa, parte é, pois o sujeito passivo do HD é todo órgão ou entidade governamental, incluindo-se aí, portanto, a Administração descentralizada e os próprios entes privados, desde que, pelas dimensões da sua atuação, alcance uma ressonância pública. Essa autoridade presenta a instituição.
O objeto do habeas corpus é, portanto, a retificação de dados.
O habeas corpus é medida submetida ao benefício da gratuidade, nos termos do artigo 5º, LXXVII, da Constituição.
A Lei nº 9.507/97 regula o direito de acesso a informações e disciplina o rito processual do habeas data.
Aqui se trata de writ constitucional onde há cognição exauriente em procedimento sumário.
Sendo assim eventuais arbitrariedades que tenham sido, porventura, cometidas por esse órgão de informação, um sucessor do antigo Serviço Nacional de Informações(SNI), que serviu à ditadura militar, devem ser objeto da impetração dessa garantia constitucional que é o habeas data(HD).
Dita ainda a Lei nº 9.507/97:
Art. 13. Na decisão, se julgar procedente o pedido, o juiz marcará data e horário para que o coator:
I - apresente ao impetrante as informações a seu respeito, constantes de registros ou bancos de dadas; ou
II - apresente em juízo a prova da retificação ou da anotação feita nos assentamentos do impetrante.
Art. 14. A decisão será comunicada ao coator, por correio, com aviso de recebimento, ou por telegrama, radiograma ou telefonema, conforme o requerer o impetrante.
Parágrafo único. Os originais, no caso de transmissão telegráfica, radiofônica ou telefônica deverão ser apresentados à agência expedidora, com a firma do juiz devidamente reconhecida.
O artigo 20 da Lei nº 9.507/97 determina as hipóteses de competência para instruir e julgar o writ, na linha traçada pela Constituição Federal.