AUTOFALÊNCIA OU FALÊNCIA REQUERIDA POR LEGITIMADOS?
O empresário ou sociedade empresária que não atender aos requisitos para pleitear a recuperação, numa de suas formas, deverá(ria) pedir a abertura de sua falência (ou que se denomina de “autofalência”). É o que diz a Lei 11.101/05. Por outro lado, o próprio texto confere legitimidade a algumas pessoas para que formulem o pedido de retirada do devedor do mercado. Por exemplo, o cônjuge sobrevivente, herdeiros ou o inventariante (no caso de empresário individual - falência póstuma); o cotista ou acionista de pessoas jurídicas e, por fim, qualquer credor[1]. Desde logo é importante destacar que o pedido de falência, formulado por credor, por exemplo, não pode ter característica, espírito de cobrança de dívida. O propósito é retirar o devedor do mercado. Para cobrança, há outros meios legais.
A lei atual simplificou alguns requisitos constantes do texto de 1945, como, por exemplo, quando o devedor não paga no vencimento obrigação líquida, deveria, em tese, dentro dos 30 (trinta) dias, requerer a abertura de sua autofalência[2] [3]. Portanto, pela atual lei, não é fixado prazo para formalizar tal pleito judicial. Ainda, não importa se há um ou vários credores para fins de formalizar o pedido. Outra questão relevante: pode o devedor, não impontual e insolvente, requerer a autofalência? Dito de outro modo, no caso de ainda não ter deixado de pagar determinada dívida, no vencimento, poderia se antecipar e requerer a autofalência? Crê-se que sim, sem dúvida. O devedor poder ser insolvente e pontual. Não se acredita que, no caso concreto, o magistrado determinaria que se aguardasse o vencimento da obrigação, o não pagamento e só depois abrir a falência. Basta a confissão do devedor de que não se pode reorganizar. O texto da lei é no sentido de que, todo aquele que estiver em crise e não se possa valer da reestruturação, deve pedir autofalência.
A grande dúvida era (talvez seja): o devedor se deve antecipar e pedir a sua retirada do mercado ou era melhor que se aguardasse a iniciativa do credor? Em casos específicos, ao ser consultado acerca do tema, sempre mantive a mesma posição: o devedor deve pedir a autofalência e não aguardar iniciativa de credor ou outro legitimado.
Com efeito, a Constituição Federal concede a todos a possibilidade de empreender (livre iniciativa, exercício pleno de atividade econômica - CF, art. 170, parágrafo único), de ingressar no mercado competitivo, empreender, buscar o lucro (consequência lógica) e correr os riscos inerentes (livre concorrência)[4]. O outro lado da moeda é válido: mergulhado em crise, especialmente patrimonial, cabe ao empresário requerer a autofalência; não deve(ria) postergar tal pleito ou mesmo aguarda iniciativa de outrem. A recomendação sempre foi esta, salvo engano. Colocar em relevo a boa-fé objetiva é importante. Nem sempre a crise é gerada por atos corriqueiros praticados pelo empresário. Lembre-se que não raro questões externas, de mercado logo ou internacional, podem levar à crise irreversível e, em tempos de crise sanitária mundial, facilmente percebível, que muitos não conseguem manter hígida a atividade econômica. Acontece o imponderável. Conforme Waldemar Ferreira, acumulam-se os azares[5]. Portanto, a crise pode ter múltiplas causas, não raro externas (e agora de caráter sanitário), nem sempre imputáveis aos empresários.
O entendimento é mantido, ou seja, ligado o sinal de alerta, cabe ao empresário requerer a abertura da falência, sem aguardar requerimento do credor ou outro legitimado. É de agir com boa-fé e lisura em juízo, expondo as causas da crise irreversível e motivos que o impossibilitam de prosseguir na atividade econômica. É o melhor caminho.
[1] O credor tributário pode requerer a falência do devedor?
[2] Não se confunda cessação de pagamento com insolvência. Aquela é fato (mais passivo que ativo); esta é inadimplência, impontualidade no pagamento a tempo e modo avençados.
[3] Na vigência do Dec.-Lei 7.661/45 era importante saber se o devedor pediu a autofalência dentro do prazo porque, se não o fez, haveria impeditivo a pedir a concordata (preventiva ou suspensiva, art. 140, inc. II).
[4] Muitas pequenas e micro empresas fecham em curto espaço de tempo. https://oglobo.globo.com/economia/emprego/empreendedorismo-quase-60-das-empresas-fecham-as-portas-em-cinco-anos-24045448. Acesso: 06/08/2020; https://veja.abril.com.br/economia/seis-em-cada-dez-empresas-fecham-em-cinco-anos-de-atividade-aponta-ibge/. Acesso: 06/08/2020. Em tempos de crise sanitária, muitos resolvem empreender sem possuir as mínimas condições para ingressar no mercado e o resultado é desastroso.
[5] Instituições de direito privado. Quinto Volume. A falência. São Paulo: Max Limonad, 1955, p. 9.