A Medida Provisória nº 946/2020, que teve sua vigência encerrada no dia 04 de agosto de 2020 (por não ter sido convertida em lei no prazo constitucional, nos termos do Ato Declaratório nº 101/2020 do Presidente da Mesa do Congresso Nacional), continha dois objetos principais:
(a) a autorização para saque de até R$ 1.045,00 da conta vinculada do FGTS, por trabalhador;
(b) e a extinção do Fundo PIS-PASEP, com a transferência dos ativos e passivos do fundo para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
Em primeiro lugar, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) é um fundo criado pela Lei nº 5.107/66, atualmente gerido por um Conselho Curador (formado por entidades representativas do governo federal, dos trabalhadores e dos empregadores) e operado pela Caixa Econômica Federal, formado por todas as contas vinculadas dos trabalhadores, que são atualizadas mensalmente, por meio de correção monetária e juros.
Atualmente, as suas regras estão previstas na Lei nº 8.036/90 e no Decreto nº 99.684/90.
A partir de sua criação, o empregador tem o dever de depositar, na conta do FGTS de cada empregado, um percentual apurado sobre o salário, que atualmente é de 8%.
O principal objetivo do FGTS é o de proteger o trabalhador em situações de risco social, por meio do levantamento dos valores depositados em uma conta em seu nome, vinculada ao contrato de trabalho.
A principal hipótese de saque (total ou parcial) dos valores existentes na conta do trabalhador é a despedida sem justa causa. Porém, existem diversas outras situações previstas em lei, como a aposentadoria, a extinção da empresa empregadora, o pagamento de prestações de contrato de financiamento do Sistema Financeiro da Habitação (observados determinados requisitos), a idade mínima de 70 anos, determinadas doenças graves ou necessidades especiais etc (art. 20 da Lei nº 8.036/90).
A Medida Provisória nº 946/2020 criou uma nova espécie de movimentação e saque da conta vinculada do FGTS, ao permitir a cada trabalhador um saque do valor máximo de R$ 1.045,00 de sua conta, no período de 15 de junho a 31 de dezembro de 2020 (art. 6º).
Os fundamentos para esse saque são o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6/2020 e a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia de coronavírus (COVID-19), de acordo com as medidas previstas na Lei nº 13.979/2020.
Relembra-se que, entre as hipóteses de saque previstas na Lei nº 8.036/90, está a necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural (art. 20, XVI).
Em segundo lugar, a Medida Provisória nº 946/2020 justifica a extinção do Fundo PIS-PASEP e a sua incorporação pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) com fundamento no princípio constitucional da eficiência da Administração Pública (art. 37 da Constituição).
O art. 239 da Constituição contém regras de custeio do programa de seguro-desemprego e do abono salarial pago pelo Programa de Integração Social (PIS) e pelo Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP) (abono pago para os empregados e servidores públicos que contribuem para o respectivo programa e recebem até dois salários mínimos de remuneração mensal). Esse dispositivo foi alterado pela Emenda Constitucional nº 103/2019, que acrescentou a possibilidade dessas contribuições serem destinadas para outras ações da Previdência Social.
A principal fonte do financiamento do seguro-desemprego e do abono salarial é a das contribuições recolhidas para o PIS (criado pela Lei Complementar nº 7/70) e para o PASEP (criado pela Lei Complementar nº 8/70). Além disso, as contribuições desse fundo também se destinam ao financiamento de programas de desenvolvimento econômico pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Em seguida, o Fundo PIS-PASEP foi criado pela Lei Complementar nº 26/75, que unificou os dois fundos a partir de 1º de julho de 1976, respeitados os saldos das contas individuais existentes em 30 de junho de 1976. Atualmente, essa lei é regulamentada pelo Decreto nº 9.978/2019.
Os agentes administradores das contas individuais existentes no Fundo PIS-PASEP eram a Caixa Econômica Federal (PIS) e o Banco do Brasil (PASEP), que também contava com o BNDES como agente responsável pela aplicação dos recursos.
Tendo em vista que, desde a Constituição de 1988, os valores arrecadados com as contribuições pagas ao PIS e ao PASEP não se destinam a contas individuais, mas se destinam ao fundo, para o custeio acima referido, e diante da necessidade da manutenção de estruturas diversas para a gestão e operação dos fundos (FGTS, PIS e PASEP), a Medida Provisória nº 946/2020 buscou a sua unificação.
Com isso, as contas individuais (anteriores a 1988) PIS e do PASEP seriam transferidas para as contas individuais do FGTS, com a operação realizada apenas pela Caixa Econômica Federal e a correção pelos mesmos critérios, com atualização monetária mensal e juros de 3% ao ano (arts. 2º e 3º da Medida Provisória nº 946/2020).
Contudo, com o fim de sua vigência sem a conversão em lei, existem duas questões práticas a ser resolvidas: a extinção do Fundo PIS-PASEP, que se concretizou em 29 de maio de 2020, com a transferência de valores do BNDES e do Banco do Brasil para a CEF (especialmente para o custeio dos saques emergenciais do FGTS).
Além disso, quanto aos saques nas contas do FGTS de até R$ 1.045,00 (ou seja, de até um salário mínimo em 2020) iniciados no dia 15 de junho, em tese seriam encerrados no dia 4 de agosto de 2020.
Porém, a fim de não tratar desigualmente as pessoas que puderam sacar a quantia da conta vinculada do FGTS e aquelas que ainda não realizaram o saque (ou não tiveram o valor depositado em sua conta poupança social digital), não houve a interrupção dos pagamentos.
Os valores serão pagos de acordo com o calendário definido pela CEF, mas a regularização desse pagamento e da extinção do Fundo PIS-PASEP (e a sua incorporação pelo FGTS) dependerá de: (a) edição de decreto legislativo que discipline a produção de efeitos da MP nº 946/2020; (b) ou da aprovação de lei específica (iniciada no Congresso Nacional ou derivada da conversão de nova MP) que reproduza o conteúdo da Medida Provisória nº 946/2020; (c) ou, especificamente para o FGTS, do entendimento administrativo de que o prosseguimento desse saque é possível com base no art. 20, XVI, da Lei nº 8.036/90, que o autoriza em virtude de necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural.