Saque do FGTS e Extinção do Fundo PIS-PASEP na Medida Provisória nº 946/2020

06/08/2020 às 17:27
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O artigo analisa o conteúdo e os efeitos da Medida Provisória nº 946/2020, que teve a vigência encerrada no dia 4 de agosto de 2020, sem ter sido convertida em lei.

A Medida Provisória nº 946/2020, que teve sua vigência encerrada no dia 04 de agosto de 2020 (por não ter sido convertida em lei no prazo constitucional, nos termos do Ato Declaratório nº 101/2020 do Presidente da Mesa do Congresso Nacional), continha dois objetos principais:

(a) a autorização para saque de até R$ 1.045,00 da conta vinculada do FGTS, por trabalhador;

(b) e a extinção do Fundo PIS-PASEP, com a transferência dos ativos e passivos do fundo para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

Em primeiro lugar, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) é um fundo criado pela Lei nº 5.107/66, atualmente gerido por um Conselho Curador (formado por entidades representativas do governo federal, dos trabalhadores e dos empregadores) e operado pela Caixa Econômica Federal, formado por todas as contas vinculadas dos trabalhadores, que são atualizadas mensalmente, por meio de correção monetária e juros.

Atualmente, as suas regras estão previstas na Lei nº 8.036/90 e no Decreto nº 99.684/90.

A partir de sua criação, o empregador tem o dever de depositar, na conta do FGTS de cada empregado, um percentual apurado sobre o salário, que atualmente é de 8%.

O principal objetivo do FGTS é o de proteger o trabalhador em situações de risco social, por meio do levantamento dos valores depositados em uma conta em seu nome, vinculada ao contrato de trabalho.

A principal hipótese de saque (total ou parcial) dos valores existentes na conta do trabalhador é a despedida sem justa causa. Porém, existem diversas outras situações previstas em lei, como a aposentadoria, a extinção da empresa empregadora, o pagamento de prestações de contrato de financiamento do Sistema Financeiro da Habitação (observados determinados requisitos), a idade mínima de 70 anos, determinadas doenças graves ou necessidades especiais etc (art. 20 da Lei nº 8.036/90).

A Medida Provisória nº 946/2020 criou uma nova espécie de movimentação e saque da conta vinculada do FGTS, ao permitir a cada trabalhador um saque do valor máximo de R$ 1.045,00 de sua conta, no período de 15 de junho a 31 de dezembro de 2020 (art. 6º).

Os fundamentos para esse saque são o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6/2020 e a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia de coronavírus (COVID-19), de acordo com as medidas previstas na Lei nº 13.979/2020.

Relembra-se que, entre as hipóteses de saque previstas na Lei nº 8.036/90, está a necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural (art. 20, XVI).

Em segundo lugar, a Medida Provisória nº 946/2020 justifica a extinção do Fundo PIS-PASEP e a sua incorporação pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) com fundamento no princípio constitucional da eficiência da Administração Pública (art. 37 da Constituição).

O art. 239 da Constituição contém regras de custeio do programa de seguro-desemprego e do abono salarial pago pelo Programa de Integração Social (PIS) e pelo Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP) (abono pago para os empregados e servidores públicos que contribuem para o respectivo programa e recebem até dois salários mínimos de remuneração mensal). Esse dispositivo foi alterado pela Emenda Constitucional nº 103/2019, que acrescentou a possibilidade dessas contribuições serem destinadas para outras ações da Previdência Social.

A principal fonte do financiamento do seguro-desemprego e do abono salarial é a das contribuições recolhidas para o PIS (criado pela Lei Complementar nº 7/70) e para o PASEP (criado pela Lei Complementar nº 8/70). Além disso, as contribuições desse fundo também se destinam ao financiamento de programas de desenvolvimento econômico pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Em seguida, o Fundo PIS-PASEP foi criado pela Lei Complementar nº 26/75, que unificou os dois fundos a partir de 1º de julho de 1976, respeitados os saldos das contas individuais existentes em 30 de junho de 1976. Atualmente, essa lei é regulamentada pelo Decreto nº 9.978/2019.

Os agentes administradores das contas individuais existentes no Fundo PIS-PASEP eram a Caixa Econômica Federal (PIS) e o Banco do Brasil (PASEP), que também contava com o BNDES como agente responsável pela aplicação dos recursos.

Tendo em vista que, desde a Constituição de 1988, os valores arrecadados com as contribuições pagas ao PIS e ao PASEP não se destinam a contas individuais, mas se destinam ao fundo, para o custeio acima referido, e diante da necessidade da manutenção de estruturas diversas para a gestão e operação dos fundos (FGTS, PIS e PASEP), a Medida Provisória nº 946/2020 buscou a sua unificação.

Com isso, as contas individuais (anteriores a 1988) PIS e do PASEP seriam transferidas para as contas individuais do FGTS, com a operação realizada apenas pela Caixa Econômica Federal e a correção pelos mesmos critérios, com atualização monetária mensal e juros de 3% ao ano (arts. 2º e 3º da Medida Provisória nº 946/2020).

Contudo, com o fim de sua vigência sem a conversão em lei, existem duas questões práticas a ser resolvidas: a extinção do Fundo PIS-PASEP, que se concretizou em 29 de maio de 2020, com a transferência de valores do BNDES e do Banco do Brasil para a CEF (especialmente para o custeio dos saques emergenciais do FGTS).

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Além disso, quanto aos saques nas contas do FGTS de até R$ 1.045,00 (ou seja, de até um salário mínimo em 2020) iniciados no dia 15 de junho, em tese seriam encerrados no dia 4 de agosto de 2020.

Porém, a fim de não tratar desigualmente as pessoas que puderam sacar a quantia da conta vinculada do FGTS e aquelas que ainda não realizaram o saque (ou não tiveram o valor depositado em sua conta poupança social digital), não houve a interrupção dos pagamentos.

Os valores serão pagos de acordo com o calendário definido pela CEF, mas a regularização desse pagamento e da extinção do Fundo PIS-PASEP (e a sua incorporação pelo FGTS) dependerá de: (a) edição de decreto legislativo que discipline a produção de efeitos da MP nº 946/2020; (b) ou da aprovação de lei específica (iniciada no Congresso Nacional ou derivada da conversão de nova MP) que reproduza o conteúdo da Medida Provisória nº 946/2020; (c) ou, especificamente para o FGTS, do entendimento administrativo de que o prosseguimento desse saque é possível com base no art. 20, XVI, da Lei nº 8.036/90, que o autoriza em virtude de necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural.

Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

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