Quem trai deve indenizar?

06/08/2020 às 19:22
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O descumprimento do dever de fidelidade conjugal enseja indenização por dano moral?

Em recente decisão, o Tribunal de Justiça do Paraná excluiu a condenação por dano moral decorrente de infidelidade virtual, nos autos de uma ação de divórcio, por entender que “muito embora cause um enorme sofrimento ao outro, nem sempre importará a consumação de dano moral indenizável”.

Nesta ação, a ex-esposa havia sido condenada, em primeira instância, ao pagamento de uma indenização por danos morais, por haver descumprido o seu dever conjugal de fidelidade. O magistrado, naquela ocasião, havia considerado que o “dano é presumível, pois o desconforto da traição não é causa banal”.

Segundo o entendimento desta Corte, a traição por si só não constitui dano moral indenizável. Como argumento, defende que, muito embora o dever de fidelidade no casamento seja previsto em nosso ordenamento civil, não há nenhuma menção, expressa, sobre o dever de indenizar no caso de seu descumprimento.

Ainda nesta linha argumentativa, na hipótese de não ser demonstrada e comprovada a exposição, de forma vexatória, bem como a violação aos direitos de personalidade do traído, não haverá meios de pleitear um eventual direito à indenização, decorrente da traição conjugal, por qualquer forma, seja física ou virtual.

Em um tempo não muito distante, a comprovação da existência de traição definia a culpa na dissolução do vínculo conjugal, com consequências jurídicas muito relevantes para a estrutura familiar, podendo, até, resultar na perda da guarda dos filhos pelo ex-cônjuge infiel.

Por sua característica dinâmica e, estando em constante evolução, o Direito de Família vem sofrendo alterações quanto a diversos de seus elementos fundamentais, como por exemplo, no caso em tela, a desconsideração da culpa dos cônjuges, em suas relações matrimoniais, para as decisões proferidas em ações sobre questões familiares, por força do disposto na Emenda Constitucional 66/2010.

Desta forma, qualquer discussão sobre uma eventual infidelidade conjugal, para fins de dano moral, deverá ser discutida na esfera comum.

 

O término de uma relação marital, quer seja casamento ou união estável, provoca um enorme desgaste emocional e psicológico, principalmente se houver litígio na partilha de bens.  E tal desgaste pode ter proporções ainda mais desastrosas se o motivo da separação envolver a infidelidade de uma das partes.

Boa parte da doutrina e da jurisprudência, considera que a pessoa traída possui o direito de pleitear indenização por danos morais, baseados na aplicação do Artigo 1.566 do Código Civil, o qual considera a fidelidade conjugal como um dos deveres de ambos os cônjuges.

Dessa forma, ao entender que o dano moral pode ser aplicado em caso de infidelidade, considera-se que o dever de um dos cônjuges é direito do outro, e que o descumprimento de tais deveres podem gerar danos, segundo o que preconiza o Artigo 186 do Código Civil, verbis: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência comete ato ilícito, viola direito e causa dano a outrem”.

Neste diapasão, temos a aplicação concomitante do Artigo 927 do mesmo Diploma, o qual determina que aquele que “por ato ilícito, causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo”, aplicando-se, assim, para estes casos, a tese da responsabilidade civil.

Para os defensores do dever de indenizar advindo da traição, este se basearia no desrespeito ao outro cônjuge mediante conduta manifestamente ofensiva, que ensejaria a indenização, e não a traição per se.

Vale lembrar que a mera suspeita de traição não provoca abalo moral suficiente para indenizar.

O direito de ingressar com ação indenizatória, a fim de reparar a honra violada, é assegurado pela nossa Constituição. Por sua vez, o Código Civil estabelece a infidelidade conjugal como uma violação de um dos deveres matrimoniais.

A cada dia, mais decisões judiciais vem confirmando que o traído sofre graves prejuízos psicológicos e morais, principalmente quando a infidelidade cometida vem a público, levando o traído a uma exposição vexatória.

Vale lembrar, que a indenização não tem caráter de ressarcimento pela humilhação ou pelo sofrimento, haja vista ser impossível mensurar patrimonialmente tal dano. Tão pouco, visa conferir um caráter de vingança, mas sim resguardar o direito constitucional de reparação do dano sofrido.

O adultério não é mais tipificado como crime desde 2005, contudo isso não significa que nossa legislação ampare a traição conjugal. A infidelidade permanece como ilícito civil, podendo ser passível de reprimenda judicial, na esfera cível.

O assunto ainda gera muita discussão e é bastante polêmico. Nos dias atuais, a traição virtual, facilitada pelo uso contínuo e individual da internet, tem sido a maior causa de divórcios no Brasil. As redes sociais e aplicativos de conversa online têm facilitado tanto a infidelidade online, quanto presencial.

Sobre a autora
Claudia Neves

Advogada. Pós-graduada em Direito das Mulheres e em Direito de Família e Sucessões, com atuação na área cível com ênfase na área de família, com seus reflexos patrimoniais e assessoria em contratos civis e comerciais, seja na celebração de negócios seja na defesa de interesses. Coordenadora Adjunta da Comissão da Mulher Advogada e membro da Comissão de Prerrogativas da OAB Santo Amaro (2019-2021). Instagram: @claudianeves.adv

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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