O pedido de falência formulado pelo credor e o espírito da Lei Falencial de 2005

07/08/2020 às 10:36
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o texto trata do pedido de falência formulado pelo credor

O PEDIDO DE FALÊNCIA FORMULADO PELO CREDOR E O ESPÍRITO DA LEI FALENCIAL DE 2005

 

 

Certa vez, caiu em minhas mãos um processo falimentar no qual existia uma petição inicial que buscava a decretação da falência do devedor, acompanhada de mais de 800 [oitocentos] documentos, entre duplicatas, notas fiscais, instrumentos de protesto etc., sendo que assustei-me, a princípio, quando percebi que a documentação era infindável e ocupou alguns volumes do processo, talvez de forma desnecessária. Passei a refletir a respeito do porquê da pletora de papéis a instruir a inicial de falência (a esse tempo os processos eram físicos).

Desde logo, nota-se que algumas questões relativas ao pedido de falência formulado pelos legitimados devem ser exorcizadas e definitivamente excluídas do pensamento do jurista do início do século XXI. Mais que isso, crê-se firmemente que cabe uma verdadeira sessão de descarrego para afastar a ideia de que a petição inicial deverá ser instruída com uma infinidade de documentos a fim de comprovar a impontualidade do devedor [caso a hipótese seja fulcrada no artigo no artigo 94, inciso I, da Lei 11.101/05]. Em tempos de crise sanitária mundial, é bastante comum a inadimplência e o fechamento de empresas, que podem estar inadimplentes. Mas isso não é o bastante para se adotar o pedido de abertura de falência como remédio. 

Primeiramente, o pedido de falência formulado em face do devedor não se presta - nunca se prestou -, para a cobrança de dívida[1]. Para tal fim existem outros mecanismos jurídicos apropriados, de modo que esta é uma primeira situação a ser considerada. Fiz constar, ainda ao tempo de vigência exclusiva do Decreto-Lei 7.661/45 que criou-se verdadeiro procedimento de cobrança, via processo falimentar, a pedido do credor, sendo que alguns tribunais pátrios afastavam os pedidos quando tinham tal conotação[2]. Por outro lado, entende-se que, analisada especialmente a Lei 11.101/05, que trata da falência e da reorganização da empresa e empresário em crise, que, escorada na principiologia da Constituição Federal, primeiramente emprestam-se mecanismos econômicos e jurídicos [a exemplo do artigo 50] para a tentativa de soerguimento e retorno efetivo ao mercado. Inexistindo condições mínimas para superação da crise do devedor, caso será de imediata decretação da abertura da falência, sem qualquer possibilidade de continuidade de negócio, tal com se vem propagando nos manuais de direito empresarial. Tanto a lei de 1945 quanto a de 2005 possuem único escopo, em relação ao devedor sem condições de manter-se competidor: tirá-lo imediatamente do mercado, a fim até mesmo de não criar prejuízo às demais empresas concorrentes e manter a justa e inquestionável preservação do crédito público.

 

É fato que nas hipóteses de impontualidade ou de execução frustrada [ausência de pagamento ou penhora de bens] poderá o devedor, dentre inúmeros rumos a seguir, e no prazo improrrogável de 10 [dez] dias depositar a quantia reclamada, com juros, correção monetária, despesas do processo e honorários de advogado. Em ocorrendo tal hipótese, estará elidido (afastado) o pedido de falência. É o que justamente se extrai da atenta leitura do artigo 98, parágrafo único da Lei 11.101/05.  Portanto, uma primeira conclusão poderia ser levada a efeito desde logo. Tendo em vista o fato de que a própria lei própria confere ao devedor o direito de pagar o valor da dívida, a fim de evitar a falência, por que então não instruir a inicial com a totalidade das cártulas e respectivos documentos, diante da expectativa do depósito? Entende-se que, caso o espírito do credor seja, efetivamente, de noticiar a impontualidade do devedor em juízo, e buscar a imediata retirada do devedor do mercado, pode [e deve] instruir minimamente sua inicial, e a juntada de pletora infindável de documentos deve ser recebida com reservas, na medida em que pode [em tese, apenas] ser reveladora da tentativa de cobrança mascarada de dívida. Basta a juntada de documentos mínimos tendentes à impontualidade do devedor, inclusive com a juntada do instrumento de protesto, tirado especialmente a tal fim, na hipótese do art. 94, inciso I, ou apresentando cópia da execução de título extrajudicial, comprovando a não indicação de bens à penhora; o não pagamento do valor pretendido ou o não depósito da coisa pretendida.

Portanto, uma vez mais repita-se, por importante. Caso o espírito do credor seja, efetivamente, o de retirar o devedor do mercado, não carece juntar infinidade de documentos, por mais que posa existir a expectativa de depósito na oportunidade correta, por parte deste.

Uma outra impropriedade técnica diz com o pedido para que ocorra a citação do devedor a fim de que pague no prazo de 10 [dez] dias a quantia reclamada, com os acréscimos previstos em lei. Em sendo a petição inicial redigida nestes exatos termos, caberá ao juiz condutor do processo determinar a intimação do autor a fim de que no prazo de 10 [dez] dias proceda à emenda à inicial. O pedido de falência, conforme exposto, não se presta para fins de cobrança de dívida, e completamente fora de técnica formular requerimento nestes termos, sendo que isso demonstra o desconhecimento [por parte do legitimado] de qual é o verdadeiro propósito da lei.

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A seu turno, o devedor deverá se acautelar quanto aos rumos que poderá adotar ao ser citado para se defender em  pedido de falência.  

 

 


[1]  A propósito, REsp. 136.565/RS – 4ª Turma, rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, julgamento: 23/02/1999.

[2] Revocatória Falimentar, 3ª edição. Curitiba: Juruá Editora, 2005, p. 205.

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

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