Filiação Socioafetiva: a relevância do aspecto afetivo dentro da formação familiar

08/08/2020 às 01:25
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De um modo breve, busca-se avaliar de que forma a socioafetividade vem ganhando espaço dentro das relações jurídicas dentro do Brasil e como isso é tratado após a constitucionalização do Direito Civil.

É notório que a socioafetividade encontra-se em posição de destaque dentro do ordenamento jurídico brasileiro como uma tendência nascida após uma série de mudanças culturais dentro da sociedade em geral. Isso se deu por conta de um fenômeno conhecido como constitucionalização do Direito Civil.

A filiação socioafetiva é, na verdade, uma forma do direito à filiação. Nesse ponto, o filho é o titular do estado de filiação que se origina e se consolida do direito à filiação. Além disso, o artigo 1.593 demonstra a possibilidade de tipos variados de filiação tais como o laço de sangue, a adoção e por outras origens, dando aos operadores do direito a possibilidade de uma amplitude normativa promovida pelo Código Civil de 2002 (DIAS, p. 334).

Nesse aspecto, há de se falar na posse do estado de filiação o qual o filho, titular do direito, adquire com aquele casal ou pessoa a qual o cria e o educa com os mesmos aspectos familiares. Essa posse de estado de filho é manifestada por um conjunto de relações que demonstram e exteriorizam a condição de filho legítimo daquele que se busca o reconhecimento de filiação.

Levando em conta a convivência e a história cultural da sociedade brasileira durante os séculos, verificou-se que o afeto foi capaz de superar a consanguinidade e, diante da proteção integral que a Constituição debruça sobre a família, viu-se o laço baseado na socioafetividade encontrar força jurídica tão concreta quanto a própria consanguinidade. A relação de filiação socioafetiva não pode ser desfeita, violada, ameaçada ou abalada constituindo direito com direta ligação ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

De uma forma cultural, sempre se ouviu o ditado de que “pai é aquele quem cria”, ou já se viu alguém referindo a determinada pessoa como “filho de criação”. Tais termos sempre foram fundados em extrema afetividade para com o sujeito dessa relação, ou seja, o filho. Isso contradizia a legislação civil na qual sempre beneficiou a questão biológica em detrimento da afetiva.

No entanto, o afeto passou a ter, cada vez mais, um valor jurídico relevante, vindo a ultrapassar a positivação fria da lei. Por conta da consagração dos princípios constitucionais no ordenamento jurídico brasileiro nas últimas décadas, a filiação passou a ser vista por seus valores cotidianos, culturais, morais e sociais. É nesse momento que a filiação biológica, baseada na consanguinidade, passa a ter uma importância secundária dentro das relações entre pais e filhos. Nesse contexto, a convivência afetiva começou a adaptar a norma, antes rígida, a uma relatividade moldada no contexto social brasileiro.

Visando se adequar, o então código civil aboliu qualquer discriminação entre os filhos, havidos ou não na constância do casamento, fazendo com que todos estes fossem sujeitos de direitos e deveres para com direito familiar.

Com o mínimo de proteção dada pela legislação civil e constitucional em conjunto com a já existência volatilidade cultural, as novas relações familiares sofreram grandes transformações em curtos espaços de tempo, contribuindo com a evolução do Direito de Família em si e consequentemente a valoração do reconhecimento da importância das relações socioafetivas.

Essa nova face encaixa-se com a atual concepção da instituição familiar, visando o bem estar individual e coletivo dos entes que compõe o seu núcleo, bem como a satisfação dos seus interesses perante a sociedade e o Estado.

Dessa forma, o preenchimento de requisitos como o nome, o trato afetivo aplicado na relação com o filho e a exposição de tal condição à sociedade, dão razão ao reconhecimento da paternidade socioafetiva sendo efetivada com a convivência familiar assim como demonstrada a vontade inequívoca do pai em tomar para si a figura familiar de garante.

A formação da família, na atualidade, não necessita ser necessariamente uma formação tradicional, com a existência da figura paterna, materna do modo em que sempre se teve como padrão. A família de hoje é constituída por fatores diversos que vão desde o aspecto biológico, passando pelo ambiente afetivo, moral, psicológico e sociológico sendo, portanto, regulado pelo Direito baseando-se nos morais e culturais dinâmicos e maleáveis.

A doutrina de Adriana Karlla de Lima (2011), a qual se fundamenta grande parte desse trabalho, informa que existe uma prevalência do entendimento de que o afeto presente nas relações encontra-se cada vez mais espaço nas relações de paternidade, demonstrando que tal afeto começa a ter um valor jurídico dentro das relações familiares ao unir pai e filho, independemente da existência ou não de vínculo biológico.

Nesse contexto, mediante o reconhecimento judicial da paternidade socioafetiva, através da posse do estado de filiação já comentado, gera-se os efeitos jurídicos decorrente de tal ato, prevalecendo o poder do pai bem como os seus deveres decorrentes da legislação. Esses direitos, via de regra, são os mesmos aos efeitos oriundos da adoção, elencados no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nesse ponto, o Direito foi capaz de converter a afetividade em um princípio jurídico capaz de exercer força normativa para com a família em si. Portanto, a nova face do Direito de Família é a socioafetividade, tendo como pedra basilar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Tal carga principiológica induziu o legislador, então, a prezar pela socioafetividade conforme se verifica nas legislações especiais voltadas ao tema, assim como no código civil, em especial relação aos artigos 1.593 e 1.596.

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Ainda sim, o Direito de Família baseado nos laços afetivos encontra-se em uma relação gestacional, havendo ainda muito que evoluir. Para tanto, é necessário que o Poder Judiciário continue a efetivar interpretações favoráveis ao tema, de modo que o legislador também efetive normas baseadas nessa mesma afetividade, elevando a paternidade socioafetiva como uma forma de filiação expressamente relevante dentro do Direito Constitucional.

 

 

 

 

FONTES BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.

______. Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 jul. 1990

______. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

LIMA, Adriana Karlla de Lima. Reconhecimento da paternidade socioafetiva e suas consequências no mundo jurídico. Revista Âmbito Jurídico, 2011.

Sobre o autor
Leandro Ferreira da Mata

Cientista Jurídico; bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio Brasília; Especialista em Direito da Criança, Juventude e dos Idosos e em Segurança Pública e Organismo Policial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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