Carta para "Migalhas" sobre uma questiúncula gramatical: "subsume" ou "subsome"?

08/08/2020 às 12:38
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"Subsumir", termo de uso forense com a acepção de "enquadrar o fato no preceito legal", pode ensejar dúvida quanto à flexão verbal da 3a. pes. do presente do indicativo: "subsume" ou "subsome"? Este artigo traz a lição da doutrina a respeito do assunto.

Carta para Migalhas

 

São Paulo, 24 de fevereiro de 2017

 

Senhor Diretor:

I.    Atraído pela excelência do debate suscitado por dúvida de um leitor de Migalhas — a forma correta qual seria: “Subsume ou Subsome?” —, cuja resposta saiu à luz em 2.2.2017, na página virtual Gramaticalhas, sob os auspícios de José Maria da Costa, insigne jurista e mestre em linguagem, peço vênia para, terceiro de boa-fé e interessado, aduzir breves razões acerca do ponto controverso.

    Faço-o também num como preito de gratidão e homenagem àquele benemérito cultor e paladino das boas letras, com quem contraímos (os que lidamos na esfera judicial) dívida insolúvel, bem que imprescritível.

    A substância da questão que pareceu inquietar o espírito do aplicado consulente era se, de par com subsume, tinha foros de cidade na língua portuguesa o emprego de “subsome”, como forma verbal de subsumir, na terceira pessoa do singular do presente do indicativo.

    A lição do abalizado Professor — que se ocupara já do tema em sua prestantíssima obra Manual de Redação Profissional (3a. ed., p. 1151; Millennium Editora) — desatou pontualmente a dúvida. Advertiu, contudo, que, no tocante à conjugação do verbo subsumir, não se encontravam “grandes subsídios”.

    Não há que dizer contra a exação deste asserto: com efeito, salvo engano (de que me dou pressa a pedir escusas), nenhum gramático, lexicógrafo ou filólogo de inconcussa nomeada ainda tratara “ex professo”, entre nós, a flexão do aludido verbo.

    A tese, que pretende justificar a forma “subsome” por semelhança com o verbo sumir (que faz some na 3a. pessoa do singular do presente do indicativo), carece, ao parecer, de bom fundamento nos padrões da vernaculidade.

    Deveras, dificilmente alguém, mesmo após ter percorrido de espaço a literatura jurídica, terá acertado com um só lugar onde a forma vicária “subsome” aparecesse na acepção em que o estilo do foro emprega o verbo subsumir: “enquadrar um fato na lei, gênero ou espécie” (cf. Leib Soibelman, A Enciclopédia do Advogado, 3a. ed., p. 337). É a forma subsume a que tem aí voga desembaraçada e prevalente. Haja vista os exemplos seguintes:

1.    “Por ser típico é que o fato pode produzir efeitos jurídico-penais. Pois não há pena sem o antecedente da descrição legal em que se subsume a conduta humana” (José Frederico Marques, Curso de Direito Penal, 1956, vol. II, p. 47; Edição Saraiva; São Paulo).

2.    “Portanto, por exemplo, a subtração de coisa com a simples intenção de usá-la (furto de uso) é fato irrelevante para a nossa legislação penal, pois não se subsume à norma penal incrimindora do art. 155” (Damásio E. de Jesus, Codigo Penal Anotado, 18a. ed., p. 33; Editora Saraiva; São Paulo).

3.    “A adequação típica imediata ocorre quando o fato se subsume imediatamente no modelo legal, sem a necessidade da concorrência de qualquer outra norma (…)” (Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de Direito Penal, 10a. ed., vol. I, p. 324; Editora Saraiva; São Paulo).

 

II.    O argumento, impressionável ao primeiro aspecto, de que subsumir devia conjugar-se pelo paradigma sumir (de que é composto) não se mostra atendível, “data venia”. É que nem todas as formas cognatas seguem à risca seu modelo de conjugação. Algumas caem sob a regra geral: consumir é composto de sumir, que lhe serve de modelo; o que também ocorre com os verbos construir e instruir, que derivam do mesmo radical latino (“struere”); têm, por isso, idêntica desinência nos tempos e modos verbais: constrói, constroem; destrói, destroem. Outras, no entanto, constituem exceção: instrui (que provém da mesma raiz latina (“in + struere”) discrepa daqueles cognatos na forma verbal da 3a. pessoa (instrui e não “instrói”). Subsumir está nesse caso: embora derivado de sumir, dele se afasta na conjugação das terceiras pessoas do presente: subsume(m).

    É no falar comum que está a gênese desse fenômeno linguístico; ou, por melhor dizer, no uso, “que é o árbitro, o senhor e o regulador único do falar” (José de Sá Nunes, Aprendei a Língua Nacional, vol. II, p. 124).

    Eis por que a ninguém lembra dizer “presome” (em vez de presume), ou “assome” (por assume), ao empregar a 3a. pessoa dos verbos presumir e assumir, conquanto fale e escreva consome (3a. pessoa do presente de consumir) e tenham esses verbos uma só e a mesma origem: “con + sumere”, “prae + sumere” e “ad + sumere”).

 

III.    À luz da tradicional fraseologia jurídica, da prática reiterada do foro e da lição de acatados modelos do bom dizer, é preferível pois a forma verbal subsume — que é moeda boa e corrente — à outra (“subsome”), inusitada, desnecessária e de ressaibo clandestino.

    Em suma, para exprimir a ideia de adequação do fato concreto ao paradigma legal, não andará mal-avisado aquele que falar e escrever: que se subsume ao tipo legal.

    Para aferir a tipicidade da imputação, recorrem os mais dos penalistas à vasta sinonímia de verbos: Subsumir-se a (ou em), aceder a, adaptar-se a, adequar-se a(*), afeiçoar-se a, amoldar-se a, coadunar-se com, conformar-se a (ou com), compadecer-se com, corresponder a, frisar com, enquadrar-se em, responder a, etc.

    Por não dilatar sobremodo este artiguelho, aqui faço ponto, prezado e ilustre Diretor de Migalhas. Saúdo-o com todas as veras e agradeço-lhe a generosa acolhida em seu portal de informação e cultura. Congratulo-me também com os milhares de leitores que se honram de frequentar essa prestigiosa fonte de saber e comunicação.

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    Cordialmente,

Carlos Biasotti

 


(*)    Sobre a exão do verbo adequar vem a propósito o magistério de Arnaldo Niskier: “O verbo adequar é defectivo, só possui as formas arrizotônicas, isto é, aquelas cujo acento tônico não recai sobre a raiz do verbo. Portanto, não existe adequo, adequas, etc.; utilize nesses casos o verbo adaptar ou ajustar” (Questões Práticas da Língua Portuguesa, 1992, p. 75; Consultor; Rio de Janeiro).

 

Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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