DIA DO ADVOGADO E OS MANDAMENTOS
Hoje, 11 de agosto, é comemorado o dia do Advogado, data escolhida em homenagem à criação dos dois primeiros cursos de Direito no Brasil.
Ao pensar em advogado, e seu dia, imediatamente me vem à memória o grande jurista uruguaio Eduardo Couture, que escreveu os mandamentos do advogado. Tomo a liberdade de relembrar cada um deles[1] e apresentar brevíssimos comentários.
1º. Estuda
O Direito se transforma constantemente. Se não seguires seus passos, serás a cada dia um pouco menos advogado.
O estudo diário enriquece não apenas o advogado. Sem abrir livros, dificilmente o profissional estará apto a atuar em casos concretos. Mais que isso, o advogado se deve atualizar, ler muito, ao menos obras relacionadas à sua área de atuação. Há de estar sintonizado com os acórdãos do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça (dentre outros tribunais) e os proferidos pelo Tribunal de seu Estado, quanto aos temas relevantes, que lhe dizem de perto; a jurisprudência é importante, assim como a leitura da doutrina de ponta; cabe a leitura dos clássicos. Há de se atualizar quanto as leis regentes da matéria e não perder de vista que o estudo é hábito.
2º. Pensa.
O Direito se aprende estudando, mas se exerce pensando.
O Direito exige interpretação de textos legais e a hermenêutica jurídica se deve fazer presente no dia a dia do advogado. Pensar se traduz em verdadeira arte. Interpretar o texto legal em harmonia com a Constituição Federal e o sistema jurídico é deveras importante. Pensar, refletir acerca do que se lê é passo primeiro para boa e sólida argumentação jurídica. Pensar a respeito do que os clássicos da área escreveram é outro caminho a ser trilhado. Não esquecer os clássicos, jamais.
3º. Trabalha.
O Direito é uma árdua fadiga posta a serviço da justiça.
O trabalho do advogado deve se diário, metódico, amparado em agenda, anotações. Vive-se com agenda, não há outro jeito. Esse trabalho não é apenas e tão somente a redação de textos direcionados ao juiz da causa. Ele é bem mais abrangente e tem a ver com o estudo. Exige preparação, exame de documentos, reflexão sobre o rumo a tomar e quais efetivas medidas, a bem do cliente. Por outro lado, o trabalho, por vezes, está em apenas orientar clientes (ou não) acerca de questão singela ou mais complexa. Não raro, o consulente nem se torna cliente. A arte de rever este ou aquele autor mais utilizado cotidianamente também é salutar. Assim, possível até memorizar a página onde escreve acerca de determinado tema. É muito corriqueiro ocorrer.
4º. Luta.
Teu dever é lutar pelo Direito, mas no dia em que encontrares em conflito com direito e a justiça, luta pela justiça.
Lutar pelo Direito é algo imposto a todos os advogados, mas não se crê firmemente que, em havendo conflito com a justiça, há de preponderar esta. O juiz aplica o Direito ao caso concreto e ponto final. Não faz, nunca fez justiça. A justiça absoluta seria um ideal irracional, consoante Kelsen, citado por Eros R. Grau. Comungo de tal pensamento, sem dúvida alguma. E como bem assenta Grau, justiça é com a religião, a filosofia, a história[2]. Tenho para mim que o advogado deve lutar pela defesa de seu cliente, mas não pode lutar por justiça, porquanto, distante do mundo dos homens.
5º. Sê leal.
Leal para com o teu cliente, a quem não deves abandonar até que compreendas que é indigno de ti. Leal para com o adversário, ainda que ele seja desleal contigo. Leal para com o juiz, que ignora os fatos e deve confiar no que tu lhes dizes; e que quanto ao direito, alguma outra vez, deve confiar no que tu lhe invocas.
A lealdade deve ser algo imperativo, não somente em relação ao cliente, mas também a todos os agentes que atuam no processo. Mesmo que nem sempre o advogado da parte adversa seja leal em suas manifestações judiciais, com escritos pouco recomendáveis, há de se manter a postura e responder a tudo de forma jurídica. Deixar que o tempo se encarregue de dar as respostas a atos incorretos. A lealdade para com o magistrado condutor do processo e representante do Ministério Público é outro fator que impera. É de rigor apresentar as questões de forma transparente, clara, concisa, elegante e com boa-fé objetiva. É o caminho mais natural a quem exerce a profissão com dignidade e ética. Bem diz Pontes de Miranda: nada que melhor impressione aos juízes que a elegância discreta das petições, sem encômios, que vexam, e asperezas, que desagradam e às vezes pode ser interpretadas como exuberância advocatícia para avivar as cores de direito duvidoso[3].
6º. Tolera.
Tolera a verdade alheia na mesma medida em que queres que seja tolerada a tua.
Tolerar é uma virtude. Virtude que nem todos exercem. Tolerar os paralogismos e até os sofismas, colocando em prática a boa retórica, a indispensável argumentação jurídica. Observar a dialética no âmbito do processo talvez seja outro caminho salutar. Ouvir e falar, debater com propriedade técnica e respeito, buscar o convencimento do julgador, tolerando a argumentação da parte contrária. Refutar as alegações com classe e estilo. A contradição de ideias faz parte do processo. Colocar em relevo a argumentação jurídica, com base nos clássicos, no referencial teórico adquirido no decorrer da atividade profissional, é o melhor caminho.
Afinal, o Direito é argumentação.
7º. Tem paciência.
O tempo se vinga das coisas que se fazem sem sua colaboração.
Outra virtude a ser exercida diariamente pelo profissional. Como dito, o tempo se encarrega de dar as respostas. O tempo do processo não é o nosso tempo. Com sabedoria, diz Plutarco que o tempo é o mais sábio dos conselheiros. A seu turno, Sófocles assenta que não se deve esconder nada; o tempo vê, escuta e revela tudo. A verdade processual sempre vem à tona e, às vezes, máscaras caem; falsas alegações são afastadas. Basta aguardar, com paciência. Os estóicos hão de ser lidos para que se possa exercitar a paciência. Persevera, sempre.
8º. Tem fé.
Tem fé no Direito, como o melhor instrumento para a convivência humana, na Justiça, como destino normal do Direito; na Paz, como substituto bondoso da Justiça; e, sobretudo, tem fé na Liberdade, sem a qual não há Direito, nem Justiça, nem Paz.
Conforme Miguel Reale, o Direito corresponde à exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de direção e solidariedade[4]. O advogado deve contribuir, na justa medida do possível, para que ocorra a paz na sociedade, praticando os atos necessários à boa e correta resolução do processo, por exemplo. Há de fazer com que o devido processo legal substantivo seja colocado em prática, a bem do esclarecimento da verdade, concedendo-se, ao final, a cada um o que realmente é seu.
9º. Esqueça
A advocacia é uma luta de paixões. Se em cada batalha fores carregando tua alma de rancor, sobrevirá o dia em que a vida será impossível para ti. Concluído o combate, olvida tão prontamente tua vitória como tua derrota.
Há anos, ouvi algo que nunca mais esqueci: os clientes passam, os colegas advogados ficam. Pura verdade. Nenhum cliente é eterno. Nada o é. Não se apaixonar pela causa, afinal, é apenas uma causa e um dia será julgada. Manter as portas abertas é algo importante, mas na medida do possível. O dever é tratar a todos com lealdade e urbanidade. Este mandamento tem estreita ligação com o pensamento estóico, ou seja, as posições adotadas por Marco Aurélio, Sêneca e tantos outros
10º. Ama a tua profissão
Trata de conceber a advocacia de tal maneira que no dia em que teu filho te pedir conselhos sobre seu destino ou futuro, consideres um honra para ti propor-lhe que se faça advogado.
Amar o Direito, em primeiro lugar. Amar o trabalho como advogado e a ele se dedicar, diuturnamente. Amar a profissão. Viver o Direito, aprender com os erros e buscar ampliação do seu universo jurídico. Advogar é correr riscos diários; é não ter a certeza de mantença do cliente, é lutar diariamente para que as causas sejam decididas a bem dos interesses/direitos do cliente. É cuidar dos processos todos os dias e zelar para que tramitem de forma rápida e com segurança jurídica. Advogar é agir com ética, lealdade, prudência, honra e bom senso. Nunca, jamais esquecer que o advogado, por força da Constituição Federal, é indispensável à administração da justiça. Tem, por fim, evidente, insofismável função social.
[1] COUTURE, Eduardo. Os mandamentos do Advogado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. Tradução: Ovídio A. B. da Silva e Carlos O. Athayde.
[2] GRAU, Eros. R. Por que tenho medo dos juízes: (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 7ª edição. São Paulo: Malheiros, 2016.
[3] Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IV. Arts. 282 a 443. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 10.. Atualização legislativa de Sergio Bermudes.
[4] Lições Preliminares de Direito. 27ª edição. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 2.