O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E NÃO CULPABILIDADE FRENTE A RECENTE ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO DA PRISÃO APÓS CONDENAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

11/08/2020 às 21:14
Leia nesta página:

Este trabalho analisará a discussão acerca da constitucionalidade do cumprimento da sentença penal condenatória após o julgamento em segunda instância, partindo da análise dos julgados do Supremo Tribunal Federal em 2009 e 2016 e 2019.

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O presente trabalho visa apresentar as divergências acerca da execução provisória da pena, mediante a análise do princípio constitucional da presunção de inocência insculpido no art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal, frente aos entendimentos jurisprudenciais sobre a possibilidade do cumprimento da pena após decisão em segunda instância.

Este tema vem sendo discutido na Suprema Corte Constitucional, tendo se evidenciado nos anos 2009, 2016 e recentemente em 2019, sendo que neste interstício, o judiciário oscilou em dois posicionamentos em permitir ou não o cumprimento da pena antes do trânsito em julgado.

A primeira provocação ao tema ocorreu por ocasião do Habeas Corpus nº 84.0787/09 – STF, que entendeu que que a prisão sem sentença penal transitada em julgado, não se tratando de prisão cautelar, seria inconstitucional.

Passados os anos, já em 2016, o tema voltou a ser discutido no STF no Habeas Corpus nº 126.292/2016, onde a Corte Suprema inovou no entendimento, contrariando o primeiro de 2009, e passou a entender que a execução provisória do acórdão penal condenatória em segundo grau não comprometeria o princípio da presunção de inocência, ainda que a decisão esteja sujeita aos recursos ordinário ou extraordinário.

            Ocorre que em 2019, por ocasião das ACS 43 e 44, que julgou pela constitucionalidade do art. 283 do CPP, que prevê a prisão após o trânsito em julgado do processo, ou seja, quando não couber mais recurso.

            Este artigo não tem a pretensão de esgotar o tema aqui proposto, mas tão somente de contribuir com a sociedade acadêmica acerca do entendimento entabulado pela Suprema Corte.

 

DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA OU DA NÃO CULPABILIDADE

 

Visando a compreensão do tema objeto central deste trabalho sobre a prisão decretada em segunda instância, é necessário, primeiramente, analisar a correlação dos princípios e garantias constitucionais com o Direito Processual Penal. Para o Direito, um princípio é vetor, pois direciona como a ação do agente público deverá ser realizada. Nesse sentido, (BULOS, 2015, p. 714) leciona que somente após uma situação processual originária ser definitivamente resolvida, é que o nome do réu poderá ser lançado no rol dos culpados, pois antes disso a presunção é iuris tantum, vale dizer, presunção relativa da inocência.

O princípio da presunção de inocência foi previsto inicialmente na França, no ano 1789, no art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, sendo, posterioremente, positivada pela Declaração Universal de Direitos Humanos em 1948, e em seguida pela Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Jomem e das Liberdades Fundamentais em 1950 e, ao final, pelo Pacto de San Jose da Costa Rica em 1969.

O termo inocência tem origem no latim, inocentia, seu significado advém de práticas religiosas, contudo, com o racionalismo iluminista, o termo ganhou novos significados e foi inserido na concepção filosófica de um estado justo a ser dado ao cidadão. Na Constituição Federal de 1988, a presunção de inocência está fincada no art. 5º, LVII, assim dispondo: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Entretanto, (JUNIOR, 1990, p. 537) leciona que o termo trânsito em julgado pode assim ser interpretado na prática. Note bem:

 

Somente a sentença penal condenatória, ou seja, a decisão de que não mais cabe recurso, é a razão jurídica suficiente para que alguém seja considerado culpado. (...). Não mais sujeita a recurso, a sentença penal condenatória tem força de lei e, assim, o acusado passa ao status de culpado, até que cumpra a pena, a não ser que revisão criminal nulifique o processo, fundamento da condenação.

 

Nota-se, portanto, da explicação do autor, que o trânsito em julgado seria a causa impeditiva de novos recurso de uma decisão, seja por ter se transcorrido o prazo para recorrer, ou pelo esgotamento dos recursos admitidos em direito. Assim, conclui-se que enquanto for cabível qualquer recurso, não há que se falar em cumprimento da sentença penal condenatória. Superado esse conceito introdutório, será explicado adiante acerca das prisões no Direito Penal Brasileiro.

 

DAS PRISÕES CAUTELARES NO DIREITO PROCESSUAL PENAL

 

 

Para o doutrinador (NUCCI, 2014, p. 519), a prisão é a limitação do cidadão que incorre no tipo penal incriminador. É medida excepcional regulamentada no Código de Processo Penal, a depender do tipo de prisão que será imposta ao agente.

Discorre o Código de Processo Penal acerca da possibilidade de aplicação das prisões cautelares. Entretanto, apesar de preceituar a Carta Maior que a liberdade do indivíduo ser regra, há situações que permitem o recolhimento provisório daqueles que infringirem a lei penal, antes mesmo da condenação final, através de prisões cautelares, as quais derivam do regramento processual penal, e tendem a resguardar a persecução penal.

As prisões poderão ocorrer em três modalidades, a saber: em flagrante delito, conforme previsto no art. 302 ou prisão preventiva, prevista no art. 313, todos do Código Processual Penal - CPP, e também através da prisão temporária, esta prevista na Lei nº 7.960/89. Em qualquer dos casos, será observado a urgência da constrição cautelar ou ainda se outra medida diversa da prisão poderá ser decretada, tais quais as previstas no art. 319 do CPP, note bem:

Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão:             

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;    

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;        

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;           

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;         

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;         

 VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;            

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;           

IX - monitoração eletrônica.      

Acerca da prisão, há de se destacar, em linhas gerais, que há dois tipos de prisão, a saber: a prisão sem pena fixada, aquelas fixadas decorrentes de prisão cautelar como citado alhures (prisão em flagrante, provisória ou temporária) e a prisão pena. A classificação doutrinária divide a prisão pena como sendo a constrição da liberdade que satisfaz o jus puniendi (CAPEZ, 2012, p. 45), pois somente o Estado é a entidade dotada de poder soberano e titular exclusivo do poder e dever de punir a prisão pena - aquela decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado.

 

OS POSICIONAMENTOS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A PRISÃO APÓS A CONDENAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA NOS ANOS 2009 E 2016

 

Conforme explanado no decorrer deste artigo científico, a presunção de inocência ou não culpabilidade prevista na Carta Constitucional, assegura que ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, salvo nos casos de cumprimento de prisão cautelar. Ocorre que no ano 2009, o Supremo Tribunal Federal – (STF), foi instado a se  manifestar e dirimir o entendimento acerca da possibilidade do acórdão condenatório (decisão colegiada de segundo grau) ser o marco inicial para que o agente inicie o cumprimento de pena.

A discussão se originou em Passos/MG, em que o réu, condenado em segunda instância pelo crime de tentativa de homicídio qualificado com pena de 7 anos e 6 meses de reclusão, tendo impetrado com Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça – (STJ). Entretanto, o Ministério Público requereu a prisão após a condenação em segundo grau ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais-TJ/MG, e o pleito foi deferido.

Assim sendo, decretada a prisão uma antes do STJ analisar o Recurso Especial, a defesa do réu impetrou habeas corpus – (HC) no Supremo Tribunal Federal com pedido de suspensão da execução da pena, requerendo a desconsideração do art. 637 do CPP que assim dispõe: “O recurso Extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoado pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. O HC nº 84078/09 foi distribuído à relatoria do Ministro Eros Grau.

O citado HC gerou grandes discussões com posicionamentos tanto contrários quanto favoráveis ao início do cumprimento da pena com condenação do TJ/MG, entretanto, por sete votos a quatro, a ordem de habeas corpus foi concedida com base na presunção de inocência, conforme denota o excerto abaixo:

 

HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA"EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA". ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que "[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença". A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente ,sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. [...] 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leiase STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subsequentes agravos e embargos, além do que "ninguém mais será preso". Eis o que poderia ser apontado como incitação à "jurisprudência defensiva", que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. [...]8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade. (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida. (STF, 2009). (Grifei).

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Conforme se pode observar, entendeu-se que além do princípio da presunção de inocência, os julgadores homenagearam ainda o princípio da ampla defesa e contraditório, por entenderem que iniciar o cumprimento da pena antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória cercearia o direito de defesa do réu, mitigando, assim, direitos fundamentais.

Ao votar pela concessão do writ, o Ministro Gilmar Mendes mostrou outra ótica, a dos encarceramentos exacerbados que ocorrem no país e quem seria beneficiado com a prisão em segunda instância, bem como qual seria o grupo atingido com a limitação da garantia fundamental, note bem:

 

Eu tenho dados, decorrentes da atividade no Conselho Nacional de Justiça, que são impressionantes. Apesar dessa inefetividade, o Brasil tem um índice bastante alto de presos. São quatrocentos e quarenta mil presos (dados de 2008), dos quais cento e oitenta e nove mil presos provisórios. Muitos deles há mais de dois, há mais de três anos, conforme se tem encontrado nesses mutirões do Conselho Nacional de Justiça. Portanto, se nós formos olhar por Estados, a situação é ainda mais grave. Nós vamos encontrar alguns Estados com oitenta por cento dos presos nesse estágio provisório. Nos mutirões realizados pelo Conselho Nacional de Justiça, encontraram-se presos, por exemplo, no Estado do Piauí, que estavam - em números muito expressivos - há mais de três anos presos, provisoriamente, sem denúncia apresentada. No Estado do Piauí, há até uma singularidade. O Secretário de Segurança ou a Secretaria de Segurança do Estado do Piauí concebeu um "inquérito de capa preta", significando que a Polícia diz para a Justiça que não deve soltar aquela pessoa. É um mundo de horrores a Justiça criminal brasileira, muitas vezes com a conivência da Justiça e do Ministério Público. [...] Penso que há proposta nesse sentido, no sentido de redimensionar a ideia da prisão preventiva, inclusive para torná-la mais precisa, porque, obviamente, vê-se que há um abuso da prisão preventiva. O Ministro Celso tem liderado, na Turma, nesse sentido. Lembro-me de lições quanto, por exemplo, aos crimes de bagatela- em geral se encontram pessoas presas no Brasil porque furtaram uma escova de dente, um chinelo, coisas assim. Portanto, não se cumpre minimamente aquilo que foi citado pela Ministra Ellen Gracie, aquela comunicação feita ao juiz para que ele atenda ou observe os pressupostos da prisão preventiva. A prisão em flagrante só deve ser mantida se de fato estiverem presentes os pressupostos da prisão preventiva, do contrário o juiz está obrigado, por força constitucional, a relaxar. Estou absolutamente certo de que esta é uma decisão histórica e importante do Tribunal. Por outro lado, eu tenho a impressão - e faço aqui algumas considerações, conforme já fiz em outro momento - de que nós estamos nesse processo permanente de transição, especialmente no Direito Constitucional. (STF, 2009). (Grifei).

 

               Entendeu-se, portanto, estar-se-ia criando uma nova modalidade de prisão ao antecipar o cumprimento da pena, pois como bem apontou o Ministro Gilmar Mendes, o sistema carcerário pátrio está superlotado, e com presos que sequer detém o julgamento do processo iniciado, mas que ficam com a liberdade restrita, os quais, em sua maioria, são egressos da classe mais desfavorecida economicamente.

Os votos vencidos, no julgamento deste habeas corpus, capitaneados pelo Ministro Joaquim Barbosa, entenderam que a Corte deveria garantir a execução da pena em segunda instância, pois em muitos dos casos, os recursos à Suprema Corte eram meramente protelatórios da execução da pena, inclinados a forçar uma prescrição e fortalecimento da impunidade. A saber:

 

Adotar a tese de que somente com o trânsito em julgado da condenação causará verdadeiro estado de impunidade - considerando a sobrecarga já consolidada do Poder Judiciário, e em especial dessa Suprema corte -, especialmente para aquele sentenciado que disponha a seu favor de defensor cujo fim precípuo seja utilizar-se do maior número possível e imaginável de recursos (e nisto o nosso ordenamento é rico), de molde a estender eternamente o trânsito em julgado do provimento condenatório, situação que em não poucos casos acaba por impor o reconhecimento da prescrição da pretensão executória, frustrando o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, o respeito à vitima e também à própria atuação e trabalho do Poder Judiciário, que findaria por ser nula no fim das contas. Veja-se que não se trata de relegar à inoperância o princípio da presunção de inocência do acusado, mas se estará a velar pelo cumprimento provisório de provimento condenatório, já exaustivamente decidido nas instâncias ordinárias. Volto a frisar as instâncias competentes para exame dos fatos. Ora, o princípio do estado de inocência não é absoluto e incontrastável em nosso ordenamento jurídico; foi com base na sua ponderação que, por exemplo, esta Corte sempre entendeu e continua entendendo legítimos os institutos da prisão preventiva e da prisão temporária. Relativamente ao condenado, a execução provisória da pena também é de ser admitida, considerada não a culpa inconteste do réu, mas a existência de decisões judiciais condenatórias, calcadas nos exames dos fatos, que tornam legítima a privação da sua liberdade. (STF, 2009). (Grifos Acrescidos).

 

No ano 2016, o STF foi novamente provocado acerca da possibilidade de iniciar a execução da pena com sentença condenatória em segunda instância no caso ocorrido em São Paulo/SP, em que o réu foi condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão pelo crime de roubo qualificado. A defesa do réu apelou ao TJ/SP, mas foi negado provimento ao recurso, e a o mandado de prisão foi expedido para o início do cumprimento de pena.

Com a denegação do recurso, a defesa impetrou o HC nº 126.292 no STJ, mas o writ obteve resultado diverso ao do HC nº 840178, indo o Superior Tribunal de Justiça contra seu próprio entendimento firmado em 2009, pois entendeu que a manutenção do édito condenatório pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que firmaram a culpa do condenado, autorizando-se, assim, o início da execução da pena.        

O Supremo Tribunal Federal, neste segundo recurso decidiu, por 7 votos a 4, a possibilidade do cumprimento de pena após a manutenção da condenação em segunda instância, sem prejuízo ao direito fundamental da presunção de inocência, uma vez que as instâncias inferiores já analisaram o fato e prova, pois os recursos ordinários e extraordinários julgam apenas matéria de direito e não possuem caráter suspensivo, logo, o réu teve o direito à ampla defesa e contraditório atingidos. Note-se:

 

EMENTA: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado. Habeas Corpus 126.292/2016 São Paulo.

 

               Observa-se que a interpretação do Supremo ainda é conflitante, e que por duas vezes alterou o entendimento jurisprudencial sobre a interpretação do princípio da presunção de inocência. Entretanto, recentemente, no ano 2019, vale dizer, três anos após a mudança de entendimento da e. Corte, o guardião da Constituição mais uma vez mudou seu entendimento majoritário, o qual será explanado no tópico a seguir.

Leciona PACELLI (2014, p. 706) que a é indispensável a atuação do réu no processo, pois não apenas lhe importa a ação penal como parte da lida,  mas também é um auxiliar no deslinde da ação penal, devendo, portanto, participar de todos os atos. Nesse sentido, entende o doutrinador que a aplicação justa do contraditório e da ampla defesa no processo penal, ajudará o magistrado a decidir de uma forma mais próxima da verdade real dos fatos.

DA REDISCUSSÃO DO POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA EM 2019

             

Apesar do julgamento do Habeas Corpus 126.292/SP não possuir força vinculante, foi utilizado como fundamento para muitos julgamentos, trazendo, assim, questionamentos sobre a constitucionalidade do art. 283 do CPP:

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença 29 condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (BRASIL, 1941).

 

Ocorre que o Partido Ecológico Nacional e o Conselho Federal da OAB ajuizaram as Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43 e 44 no ano 2016, visando a constitucionalidade do art. 283 supra, para que o STF reconhecesse à afronta da execução provisória da pena do referido dispositivo.

Entretanto, em 7 de novembro de 2019, por 6 votos a 5, o STF decidiu alterar novamente o entendimento de 2016, para impedir a prisão de condenados em segunda instância. O voto do presidente da Suprema Corte, o Ministro Dias Toffoli foi voto minerva que derrubou a possibilidade da prisão em segunda instância, ressalvando o entendimento às decisões do Tribunal do Júri (COELHO, 2019).

A maioria do plenário acompanhou o voto do relator das ações, o Ministro Marco Aurélio, seguido pelos votos dos Ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Gilmar Mendes e Dias Toffoli para declarar a constitucionalidade do art. 283 do CPP. A difergência foi aberta com os Ministros Alexandre de Moraes, Luiz Edson Fachin, Luís Alberto Barroso, Luiz Fux e Cármem Lúcia, estes a favor da prisão em segunda instância.

            O fato é que a decisão beneficiou a muitos réus, dentre os quais, o que mais chamou atenção da mídia brasileira e internacional, foi a soltura do ex presidente Luís Inácio Lula da Silva, o qual através do Habeas Corpus 152.752/2018 havia trazido a discussão acerca da prisão em segunda instância.

            O doutrinador NUCCI (2019) trouxe ponderações acerca do atual posicionamento da Suprema Corte, frente a algumas fakes que surgiram acerca do julgamento. Aduz que com a decisão, os criminosos perigosos não seriam atingidos, pois estão presos preventivamente, sendo que, os que não apresentam periculosidade, aguardarão o início do cumprimento da pena após o trânsito em julgado, ressaltando que o entendimento de 2016 não se modificou, pois a prisão preventiva continua a valer em primeiro lugar, sendo que as prisões decretadas após a decisão em segundo grau são minoritárias.

Acerca de aguardar o trânsito em julgado para o início do cumprimento da pena, o doutrinador (NUCCI, 2019) apresentou ainda uma solução para os casos em que o direito de recorrer poderá ocasionar a prescrição. É fato que aguardar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória no Brasil, pode beneficiar o réu, pois enquanto este aguarda seu julgamento, o prazo prescricional continua correndo, podendo incidir a prescrição de sua pena antes do trânsito em julgado, note-se:

A minha posição é que o art. 5º, LVII, da CF, é cristalino. Após o trânsito em julgado, a pessoa é considerada culpada e deve cumprir a sua pena. Mas isto não impede a prisão cautelar, destinada a todos os criminosos perigosos. Então, é uma mentira que a decisão de hoje (7.11.2019) colocaria nas ruas uma imensidão de meliantes violentos. Tudo continua como antes. Quem tem que estar preso, por ser violento e ter antecedentes, está. Quem não precisa, responde o processo solto, aguardando o trânsito em julgado da decisão condenatória.

Resta um ponto: os inúmeros recursos, aptos a despertar a prescrição. Fácil de resolver: criem-se causas de interrupção da prescrição ou de suspensão. Por lei ordinária. O Parlamento é o senhor dessa decisão.      

O STF não pode ser um Tribunal acessível à opinião pública. Talvez, todos os demais magistrados possam ser influenciados, mas não o Pretório Excelso. A confiança na Justiça depende dele. Seja como for, fez-se Justiça hoje. Pessoas não podem cumprir pena (se estavam soltas) antes de transitar em julgado a decisão condenatória (quando não há mais recursos). Todos os acusados que perturbarem a sociedade, podem ser presos preventivamente e aguardarão segregados o término dos seus processos.

Não se faça de um julgamento técnico do STF a celeuma para apontar a impunidade. Seria consagrar mais uma “fake News” e estamos fartos disso.

Como se pode notar das palavras do nobre jurista, o STF não deve se curvar a técnica jurídica aos clamores sociais, principalmente nos de grande repercussão, para que a confiança na justiça seja preservada. Com efeito, a recente decisão ainda trará muitas discussões na classe jurídica, tendo sido aventado ainda que só seria possível admitir a prisão em segunda instância mediante nova constituição, afirma (RODA, 2019).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Conforme apresentado no decorrer deste artigo, os princípios constitucionais analisados, bem como frente a recente decisão da Suprema Corte, entendeu-se que não é possível a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

 

Resta esclarecer mais uma vez, a fim de contribuir com o esclarecimento do tema, que a prisão aqui debatida não abrange os presos decorrentes de prisão em flagrante, preventiva ou temporária, bem como também não abarca os presos decorrente de crimes contra a vida – Tribunal do Júri.

Considerando que a decisão do Supremo Tribunal Federal ocorrera há poucos dias, tendo como beneficiado o ex presidente Luís Inácio Lula da Silva, muitas fakes news tem surgido, sobressaltando a sensação de impunidade, o que nada tem a ver com a recente decisão do Supremo.

Por fim, é necessário que a sociedade esteja preparada para a ocorrência da soltura de presos provisórios que aguardam o julgamento de seus recursos, tal qual ocorreu com o ex presidente Lula, condenado em 1ª e 2ª instâncias pela prática de crimes de corrupção (art. 317 e art. 333 do CP) e de lavagem de dinheiro (art. 1º, caput, inciso V, da Lei n.º 9.613/1998), julgado e condenado em primeira instância, no âmbito da operação Lava Jato, em julho de 2017, que respondeu o processo criminal em liberdade, e iniciado o cumprimento provisório da pena após a sentença do então juiz Sérgio Moro.

 

Assim, a decisão do Supremo não deve se confundir com a sensação de impunidade, mas apenas de uma decisão que cumpre o espírito da lei notadamente nos princípios constitucionais. Entretanto, apesar do recente julgado, não obsta que futuramente o tempo possa ser reanalisado.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em novembro de 2019.

 

 ______________. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm. Acesso em novembro de 2019.

 

______________. Dispõe sobre prisão temporária. Lei nº 7.960/89.Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7960.htm. Acesso em novembro de 2019.

 

BULOS, U. L. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2015

 

CAPEZ, Fernando. Curso de processo Penal. – 23. ed. – São Paulo: Saraiva, 2016.

 

JÚNIOR, José Cretella. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, V. I. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. v. I.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo penal e execução penal. 11 ed. Rio de Janeiro: 2014.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. O Julgamento do STF e as inverdades lançadas na mídia. 2019. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2019/11/08/julgamento-stf-prisao-segunda-instancia/. Acesso em novembro de 2019.

 

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 18 ed. São Paulo 2014.

 

RODA, Sérgio. Prisão após 2º Grau só poderia ser permitida com nova Constituição, dizem professores. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-nov-09/prisao-grau-permitida-constituicao/. Acesso em novembro de 2019.

 

VALENTE. Fernanda; COELHO, Gabriela. Voto de Toffoli faz supremo suspender a execução antecipada da pena. (2019). Diponível em: https://www.conjur.com.br/2019-nov-07/voto-toffoli-derruba-entendimento-prisao-instancia. Acesso em novembro de 2019.

 

 

Sobre a autora
Michelle dos Santos Souza

Michelle dos Santos Souza. Bacharel em Direito (2014). Advogada licenciada. Pós Graduanda em Gestão Publica pela Universidade Estadual do Estado de Roraima; e Direito Penal e Processo Penal pelo Instituto Elpídio Donizetti. Acadêmica do curso de Psicologia da Faculdade Cathedral de Boa Vista, Roraima. Atualmente atua como assessora jurídica no Tribunal de Justiça do Estado de Roraima.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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