TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA
A Teoria da Imputação Objetiva vem sendo discutida no Brasil e na Europa ao longo dos anos.
Esta Teoria vem fazer uma verificação mais detida, do ponto de vista causal, na conduta e o resultado no caso concreto, pois, a Teoria da Equivalência dos Antecedentes é muito ampla quando considera que toda e qualquer ação, quando estiver inserida no desdobramento causal da conduta, será considerada causa do resultado.
Assim, como essa teoria está ligada diretamente ao Nexo de Causalidade, vem tentar resolver um problema gerado pela Teoria da Equivalência dos Antecedentes, ou, como também pode ser chamada de Teoria da “Conditio sine qua non”, que tornou muito amplo o nexo causal, e essa relação de causa e efeito, dentro da vertente da Teoria da Equivalência dos Antecedentes, leva a causalidade ao infinito do ponto de vista objetivo.
Certo que se tem o Nexo Normativo que limita a regressão da causalidade do ponto de vista subjetivo, mas do ponto de vista objetivo leva ao infinito, e o agente da conduta continua sendo considerado causador de tal tipo penal, mesmo que participando minimamente do resultado.
Com o objetivo de limitar a Imputação do ponto de vista objetivo a alguém pela mera constatação física de causa e resultado, é que a Teoria da Imputação Objetiva vem ganhando adesão dos estudiosos do Direito Penal, sobretudo, no Brasil.
A Teoria da Imputação Objetiva exige alguns critérios a mais para que se possa imputar, objetivamente, a responsabilidade penal a alguém, com isso, ela acaba por limitar a Teoria da “Conditio sine qua non”, vindo também a fazer uma delimitação no alcance do fato típico.
Nesse contexto, vale citar o exemplo criado pelo doutrinador Claus Roxin no sentido de que, a Relação de Causalidade com a adoção da Teoria da Equivalência dos Antecedentes, não conseguiu aparar todas as arrestas deixadas na verificação da imputação do fato.
Imaginemos que “A” venda heroína a “B”. Os dois sabem que a injeção de certa quantidade de tóxico gera perigo de vida, mas assumem o risco de que a morte ocorra; “A” o faz, porque o que lhe interessa é principalmente o dinheiro, e “B”, por considerar sua vida já estragada e só suportável sob estado de entorpecimento. Deve “A” ser punido por homicídio cometido com dolo eventual, na hipótese de “B” realmente injetar em si o tóxico e, em decorrência disso, morrer? A causalidade de “A” para a morte de “B”, bem como seu dolo eventual, encontram-se fora de dúvida. Se considerarmos a causalidade suficiente para a realização do tipo objetivo, teremos que concluir pela punição.
Assim, esta teoria, vem analisar objetivamente o comportamento do agente de forma a não ficar presa somente a uma causalidade objetiva, mas buscar uma imputação normativa da conduta e o resultado. Esta teoria vem trazer também uma interpretação dos tipos penais de forma mais contextualizada entre a norma penal e a realidade hodierna da sociedade, vindo ainda delimitar o alcance do tipo penal objetivamente falando.
Esta teoria foi desenvolvida por Karl Larenz em 1927 e Richard Hoing em 1930 na Alemanha, tendo como grande propagador e impulsionador Claus Roxin nos idos de 1970, trazendo uma concepção da Teoria da Imputação Objetiva fundamentada no “principio do risco” ligado aos crimes de resultado.
Assim, a ideia central dessa teoria é imputar objetivamente a responsabilidade penal ao agente quando ele, com seu comportamento, criar um risco não tolerado e nem permitido ao bem jurídico tutelado.
Nesse sentido, para o autor Claus Roxim “um resultado causado pelo agente somente pode ser imputado ao tipo objetivo se a conduta do autor criou um perigo para o bem jurídico não coberto pelo risco permitido, e se esse perigo também se realizou no resultado concreto”.
A teoria da Imputação Objetiva tem a finalidade de limitar a imputação do ponto de vista objetivo a alguém, antes mesmo de se chegar à análise do dolo ou culpa.
Sendo assim, para que alguém seja considerado causador de um resultado criminoso, sob o ponto de vista objetivo, deverão estar presentes alguns requisitos que serão abaixo relacionados, requisitos estes que deverão ser analisados não só do ponto de vista causalista, mas também, normativo.
1º - Relação Física de Causa e Efeito
Esta é a relação de mera constatação física entre a conduta do autor e o resultado desta conduta, ora, é a presença do nexo causal, que conforme a teoria da “Conditio sine qua non” é o único requisito para a constatação da relação causa e efeito.
Utilizando-se do Método de Eliminação Hipotética de Thyrén, se, retirando a ação da linha de desdobramento causal da conduta, o resultado desaparecer, essa ação deu causa ao resultado, mas, se na supressão dessa ação, não desaparecer o resultado, aquela ação não será considerada causa.
Mas, conforme a Teoria da Imputação Objetiva, o Nexo Causal, que é a mera constatação física de causa e efeito, é apenas o primeiro requisito a ser exigido para a imputação de um resultado a alguém.
2º - Conduta criadora de uma situação de Risco Proibido.
Sabe-se que toda convivência em sociedade é uma convivência de riscos. Nesse sentido, assevera o grande doutrinador Jacobs "Todas as situações não são praticadas para determinar danos ou prejuízos, mas não se pode renunciar a vida em sociedade que é uma vida de risco".
Ora, o simples andar em uma rua movimentada, viajar de avião, um jogo de futebol, geram riscos, mas todos esses riscos são considerados permitidos, riscos tolerados pela sociedade.
Sendo assim, cabe ao Direito Penal estabelecer juntamente com os anseios da sociedade, uma linha divisória entre o risco proibido e risco permitido, pois, é a sociedade, através das relações de convívio social é que traz a baliza para o Direito do que são condutas aceitáveis e não aceitáveis.
O que vem a ser um Risco Proibido e um Risco Permitido? Risco Proibido é aquele que a sociedade não espera, não aceita e também, não tolera de forma alguma, risco esse que gera um fato típico, já, o Risco Permitido é aquele que, no desempenho normal das condutas de cada pessoa, cumpre seu papel social, comportando-se de forma a ter aceitação pela coletividade, como por exemplo, convidar alguém para voar de Aza Delta, oferecer a um amigo uma viagem de avião, entre outros exemplos que, existe um risco, mas, tolerável pela sociedade.
Nesse sentido, esclarece com precisão o autor Gunther Jakobs que:
Um comportamento que gera um risco permitido é considerado socialmente normal, não porque no caso concreto esteja tolerado em virtude do contexto em que se encontra, mas porque nessa configuração é aceito de modo natural. Portanto, os comportamentos que criam riscos permitidos não são comportamentos que devam ser justificados, mas que não realizam tipo algum.
Nos Tribunais Superiores Brasileiros, pode-se constatar a adoção da Teoria da Imputação Objetiva aplicada em alguns casos, como, por exemplo, na verificação de um trecho da decisão do Superior Tribunal de Justiça, conforme abaixo explicitada:
[...] Ainda que se admita a existência de relação de causalidade entre a conduta dos acusados e a morte da vítima, à luz da teoria da imputação objetiva, necessária é a demonstração da criação pelos agentes de uma situação de risco não permitido, não ocorrente, na hipótese, porquanto é inviável exigir de uma Comissão de Formatura um rigor na fiscalização das substâncias ingeridas por todos os participantes de uma festa. Associada à teoria da imputação objetiva, sustenta a doutrina que vigora o princípio da confiança, as pessoas se comportarão em conformidade com o direito, o que não ocorreu in casu, pois a vítima veio a afogar-se, segundo a denúncia, em virtude de ter ingerido substâncias psicotrópicas, comportando-se, portanto, de forma contrária aos padrões esperados, afastando, assim, a responsabilidade dos pacientes, diante da inexistência de previsibilidade do resultado, acarretando a atipicidade da conduta.
Desta forma, ninguém que age criando com a sua conduta um risco permitido, poderá ser considerado causador de um resultado proibido.
3º - Que o resultado esteja na mesma linha de desdobramento causal da conduta
Para que uma pessoa seja considerada causadora de um resultado criminoso, deve-se constatar na linha de desdobramento causal da conduta desta pessoa, o resultado, ou seja, deve ocorrer um desdobramento da conduta que seja esperado, previsível e normal.
Como exemplo pode-se citar que, A ao apontar a arma para B, e anunciar o assalto, leva B a tomar um susto tão grande que, em virtude deste susto, B morre de ataque cardíaco.
Pode-se arguir diante desse exemplo acima se: existe relação de causa e efeito na conduta de A? A resposta é sim; a conduta de A criou um risco proibido? Sim; O resultado morte está na mesma linha de desdobramento causal da conduta A? Não, pois o resultado morte está fora do âmbito normal do risco provocado pela conduta de A, desta forma, A responderá pela tentativa de roubo, conforme a Teoria da Imputação Objetiva.
Já pela Teoria da Equivalência dos Antecedentes, que analisa meramente o nexo causal da perspectiva causa e efeito, no exemplo retrocitado, A responderá pelo resultado morte, pois, ocorreu, neste caso, uma causa relativamente independente concomitante.
4º - Conduta praticada fora do objetivo de proteção do bem jurídico
Toda conduta praticada visando a não proteger um bem jurídico, deve ser considerada uma conduta causadora de ilícito penal, por outro lado, toda conduta praticada visando a proteger um bem jurídico, não deve ser considerada causadora de um resultado criminoso, por exemplo, A pega uma arma, coloca em sua cabeça com animus de praticar um suicídio, em seguida chega B, dá um tiro no braço de A, acertando-o, e assim, impede o suicídio.
Vejamos, segundo a Teoria da Imputação Objetiva, B não poderá ser considerado causador de um Crime de Lesão Corporal, pois, agiu com o objetivo de tutelar um bem jurídico maior, qual seja, a vida de terceiro.
Sendo assim, para Teoria da Imputação Objetiva, B cometeu um Fato Atípico, pois, ninguém agindo com objetivo de proteger um bem jurídico tutelado pela lei penal, poderá ser considerado como causador de um fato típico, e assim, não podendo se imputar objetivamente o resultado da conduta a B, considerando o fato atípico, e por consequência disso, causando uma Exclusão de Tipicidade.
Já para Teoria da Equivalência dos Antecedentes, B cometeu um fato típico, mas, não ilícito, pois, agiu amparado por uma das Excludentes de Ilicitudes que é a Legítima Defesa de terceiro.
Considerações Finais
Portanto, para a Teoria da Imputação Objetiva, somente com a presença destes requisitos é que uma pessoa poderá ser considerada, do ponto de vista objetivo, causadora de um resultado criminoso, ou seja, após ser analisada a imputação objetiva com base nos requisitos supracitados, passa-se a analisar a imputação subjetiva com base no elemento subjetivo, dolo ou culpa do agente.
Com isso, a Teoria da Imputação Objetiva veio de encontro à ideia de que os pais, por um ato de amor, conceberam um filho, e 25 anos após, por esse filho ter matado alguém, os pais devem também ser considerados causadores do resultado morte; quer também ir de encontro à ideia de que a indústria automobilística é causadora de toda morte no trânsito, ambos os casos do ponto de vista objetivo, fulcrada na Teoria da “Conditio sine qua non”.
Pretende a Teoria da Imputação Objetiva tornar mais rigorosa a primeira etapa do Nexo Causal, exigindo-se assim, não só a constatação física da causa e efeito, mas, também, a presença dos requisitos supracitados, para que após analisados, passe à segunda etapa que é a análise do dolo ou culpa do agente.
Por derradeiro, em que pese a Teoria da Imputação Objetiva está sendo objeto de estudo pelos grandes doutrinadores brasileiros, a Teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro, conforme dispõe o art. 13, caput, é a Teoria da Equivalência dos Antecedentes ou da “Conditio sine qua non”.
Não obstante a Teoria da Imputação Objetiva ser muito interessante para dogmática jurídico-penal, do ponto de vista da segurança da sociedade e da conduta subjetiva, torna-se temerária, pois, alguns conceitos desta teoria ainda encontram-se indeterminados e podendo gerar resultados incertos, trazendo assim, uma certa insegurança na sua aplicação e nos resultados juridicamente considerados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HC 46.525/MT, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5.ª Turma, j. 21.03.2006. No mesmo sentido: HC 68.871/PR, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, rel. p/ acórdão Min. Og Fernandes, 6ª Turma, j. 06.08.2009. (STJ).
JAKOBS, Günther. MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do inimigo: noções e críticas. Org. e trad. André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli. 6. Ed – Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2012.
________. A imputação objetiva no direito penal. São Paulo: RT, 2000. p. 38.
ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 103.
________. Claus. Derecho Penal – Parte general. Madrid: Civitas, 1997.t.I.