A CONTRIBUIÇÃO PARA O SESC, SENAC E SEBRAE E SUA CONSTITUCIONALIDADE
Rogério Tadeu Romano
I – A EMENDA CONSTITUCIONAL 33/2001 E A BASE DE CÁLCULO SOBRE A FOLHA DE PAGAMENTO DAS EMPRESAS
É constitucional a contribuição devida ao SEBRAE, qualificada como contribuição de intervenção do domínio econômico (RE 396.266. r. Ministro Carlos Velloso), sendo dispensável a edição de lei complementar para sua instituição e da “desnecessidade de vinculação direta entre os benefícios dela decorrentes e o contribuinte” (ARE 710133 AgR, r. Ministra Rosa Weber, 1ª Turma do STF em 25.06.2014).
As empresas prestadoras de serviços estão obrigadas ao recolhimento das contribuições sociais para o SESC, SENAC e SEBRAE. Nesse sentido: AgRg no AREsp 74.591-BA, r. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Turma em 08.05.2012:
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3. A Primeira Seção, no julgamento do REsp nº 431.347/SC, Relator Ministro LUIZ FUX, DJ de 25/11/2002, manifestou-se no sentido de que "as prestadoras de serviços que auferem lucros são, inequivocamente estabelecimentos comerciais, quer por força do seu ato constitutivo, oportunidade em que elegeram o regime jurídico próprio a que pretendiam se submeter, quer em função da novel categorização desses estabelecimentos, à luz do conceito moderno de empresa". Por esse motivo, essas empresas devem recolher, a título obrigatório, contribuição para o SESC e para o SENAC. Por outro lado, nos termos do art. 8º, § 3º, da Lei 8.029/90, o adicional destinado ao SEBRAE constitui simples majoração das "alíquotas das contribuições sociais relativas às entidades de que trata o art. 1º, do Decreto-Lei no 2.318/86" (SENAI, SENAC, SESI e SESC), razão pela qual também deve ser recolhido pelas empresas prestadoras de serviços".
Ensinou Hugo de Brito Machado(Curso de direito tributário, 2001):
“Na verdade as contribuições sociais constituem uma espécie do gênero tributo. A rigor, teríamos de dividi-las em subespécies. Preferimos, porém, fazer referência a elas como gênero e dividi-las em subespécies, a saber: (a) contribuições de intervenção no domínio econômico, (b) contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas e (c) contribuições de seguridade social”.
O art. 149, outorga competência exclusiva a exclusiva à União para instituir três tipos de contribuições: sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas. Todas como instrumentos de sua atuação nas respectivas áreas, e sua instituição deve observar as disposições dos arts. 146, III e 150, I e III da CF/88.
Assim conforme a Lei nº 8.029, de 1990, as empresas brasileiras são obrigadas a recolher 0,3% de contribuição sobre a folha de pagamentos para financiar essas entidades. O Sebrae fica com 85,75% dos recursos arrecadados.
A Emenda Constitucional n.º 33, de 2001, que regulamenta a cobrança de contribuições sociais e de Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (Cides).
Para alguns estudiosos a emenda, ao utilizar o termo “poderão”, definiu que a cobrança pode ser feita apenas pelo faturamento, pela receita bruta ou pelo valor da operação - e não pela folha de pagamentos, que sempre foi o parâmetro utilizado mas não é citada no texto.
A matéria está em discussão no STF, com votação apertada, por enquanto, de 2x1, a favor da União Federal. A discussão envolve a aplicação do orçamento anual do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
Os Tribunais Superiores já sedimentaram o entendimento de que estas exações são classificadas como como Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), sujeitas às regras do art. 149 da Constituição Federal, pelo seu caráter extrafiscal.
Discute-se a interpretação da atual redação do artigo 149, parágrado 2º, III, "a", da Constituição, cuja redação foi alterada pela emenda constitucional 33/2001.
Segundo o dispositivo, "as contribuições sociais e de intervenção no
domínio econômico de que trata o caput deste artigo: […] poderão ter
alíquotas: a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro".
A relatora, assim, cita jurisprudência (RE 559.937), segundo a qual a Corte apontou o caráter taxativo do permissivo constitucional, já após a EC 33/2001.
A natureza jurídica das duas exações criadas pela lei em causa, neste exame sumário, é a de que são elas tributárias, caracterizando-se como contribuições sociais que se enquadram na sub-espécie ‘contribuições sociais gerais’ que se submetem à regência do artigo 149 da Constituição, e não à do artigo 195 da Carta Magna.
Tem-se assim que a EC 33/2001 não prevê como base de incidência das contribuições de intervenção no domínio econômico a folha de salários.
O inciso III do § 2° do art. 149 da Lei Maior “[...] possui um conteúdo restritivo , visto que, ao conformar tais competências tributárias, impõe lindes aos seus contornos: junge o legislador tributário à eleição de uma das bases de cálculo que indica de forma taxativa (faturamento, receita bruta, valor da operação ou alguma unidade de medida, na excepcional hipótese de ser adotada uma alíquota específica).”
Alertam os estudiosos que a inconstitucionalidade da incidência dessas contribuições, sobre a folha de salário, é patente, tendo em vista a taxatividade do rol do art. 149 da CF, que não prescreve previsão de incidência sobre a folha de salário, matéria que será analisada nas repercussões gerais reconhecidas nos REs 603.624 e 630.898, que se reportam à inconstitucionalidade das contribuições para o INCRA e SEBRAE.
A ministra Rosa Weber, do STF, considerou inconstitucional a cobrança de 0,6% sobre a folha de pagamento das empresas. Os valores arrecadados são destinados ao Sebrae, à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) e à Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). As três entidades se sustentam quase que exclusivamente por meio desse tributo.
Trago à colação voto da Ministra Ellen Gracie no RE 559.937:
“Sendo clara a delimitação da competência tributária pelo critério da base econômica no art. 149, § 2º, III, a, da Constituição, a sua inobservância só se viabilizaria mediante um juízo de inconstitucionalidade da própria Emenda Constitucional 33/01, que acrescentou aquele parágrafo.”
Entendo que expressiva parcela dos estudiosos brasileiros atentam que o art. 149, § 2º, III, “a” , da Lei Maior se insere na tendência evolutiva do sistema tributário nacional, de substituir a tributação da folha de salários por aquela incidente sobre a receita ou o faturamento, contribuindo, assim, para o combate ao desemprego e ao sistemático descumprimento das obrigações laborais e tributárias das empresas, designado pelo eufemismo de “informalidade”, que leva à marginalização jurídica de expressiva parcela dos trabalhadores.
Assim a EC nº 33/2001 , que delimitou as materialidades das contribuições sociais e interventivas gerais, restringiu as bases de cálculo ao faturamento, à receita bruta, ao valor da operação e ao valor aduaneiro, com a óbvia exclusão da folha de salários.
Naquele julgamento, ainda em trâmite, foi citado que Arthur Ferreira Neto, no artigo “A Tributação da folha de salários como prática, naturalmente, injusta”, explicitou a ineficiência e desigualdade provocadas por tal sistemática de cálculo, asseverando que:
“... a tributação da folha de salários é anti-isonômica, ineficiente – tanto para o Estado, quanto para o mercado –, e é modalidade de imposição que sequer pode ser justificada em razão de alguma vantagem extrafiscal que poderia estar a promover. Precisamente por essas razões, impõe-se reconhecer que nenhum argumento racional poderia tornar inteligível e legitimar a escolha do Poder Constituinte ao eleger a folha de salários como base econômica de uma determinada norma de competência (a não ser o puro arbítrio de o legislador constitucional pretender submeter à tributação uma parcela econômica da realidade que não é capaz de projetar efetiva riqueza). Por essa razão, analisando-se, criticamente, os possíveis fundamentos que poderiam justificar a tributação da folha de salários, verifica-se que nenhuma vantagem ou mérito pode ser atribuído a essa forma de imposição tributária (pelo menos se ficarmos limitados aos quatro modelos ideias aqui referidos). Diante disso, poder-se-ia concluir que a adoção da base folha de salários como modalidade de tributação ilustra opção, naturalmente, injusta, irracional e irrazoável e, mesmo que não tenhamos instrumentos jurídicos que permitam declarar a invalidade de norma de competência tributária que consagre essa forma de tributação, nada nos impede de reconhecê-la, em uma perspectiva crítico-científica, como uma escolha impositiva indesejável e, portanto, carente de plena legitimidade.”
Ademais há preservação da segurança jurídica.
Como ensinou Alberto Xavier(Legalidade e tipicidade tributária, pág. 55), a lógica de uma economia de mercado conduz assim a uma reserva absoluta da lei no terreno tributário, posto que uma livre apreciação administrativa das situações tributáveis e do grau de sua tributação não se revela compatível com as instituições fundamentais daquele tipo de economia: a propriedade privada, que importa delimitar rigorosamente, frente às pretensões fiscais do Estado; a iniciativa privada, que supõe uma rígida fixação legal dos elementos essenciais do tributo, em ordem a uma previsão simples e objetiva dos encargos tributários da empresa; e ainda a concorrência, que pressupõe uma igualdade que só a lei pode facultar.
Há, pois, uma reserva absoluta de lei no direito tributária, que se impõe ao legislador e ao aplicador da lei. Ao primeiro, enquanto o obriga a formular comandos legislativos em matéria tributária em termos de rigorosa reserva absoluta. Ao segundo, por excluir o subjetivismo na aplicação da lei, a criação judicial ou administrativa do Direito Tributário, o que envolve, de um lado, a proibição da analogia e, de outro, a proibição da discricionariedade, como expôs ainda Alberto Xavier(Do lançamento no direito tributário brasileiro, 1977, pág. 157).
II – A LIMITAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DA EXAÇÃO A 20 SALÁRIOS MINIMOS
Discute-se sobre a base de cálculo com relação a essas contribuições.
A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), através do acórdão unânime publicado em 03 de março de 2020, negou provimento ao Agravo Interno em Recurso Especial interposto pela União Federal, firmando entendimento no sentido de limitar a 20 salários mínimos as Contribuições Sociais de Intervenção no Domínio Econômico destinadas ao denominado Sistema “S” (SESI, SENAI, SESC, SENAC, SENAT) e ao SEBRAE, INCRA, APEX, ABDI, bem como da Contribuição Salário-Educação.
O mencionado acórdão manteve a decisão que autoriza a indústria química Rhodia Brasil reduzir a carga tributária sobre a folha de pagamentos. Ainda, o Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho sustentou que o Decreto-Lei nº. 2.318/1986 revogou apenas as fontes de custeio da Previdência Social, mantendo a limitação prevista no art. 4º da Lei nº. 6.950/1981 e seu parágrafo, no que se refere às demais contribuições parafiscais.
Isso ocorreu nos autos do Resp 1.570.980.
A Decisão vai ao encontro da decisão anteriormente proferida pelo próprio STJ nos autos do REsp 1.241.362/SC, em 2017.
Observo o histórico abaixo tratado.
A Lei n. 5.890/73, em seu art. 14, expressamente, reconhecia um Limite na base de cálculo para fins de incidência das contribuições previdenciárias e destinadas a outras entidades ou fundos, qual seja: 10 salários mínimos.
Posteriormente, houve a edição da Lei n. 6.950/1981, que alterou “a Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, fixa novo limite máximo do salário-de-contribuição previsto na Lei nº 6.332, de 18 de maio de 1976, e dá outras providências”. Sendo assim, mediante revogação das disposições em contrário, estabelece o art 4º:
“Art 4º - O limite máximo do salário-de-contribuição, previsto no art. 5º da Lei nº 6.332, de 18 de maio de 1976, é fixado em valor correspondente a 20 (vinte) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
Parágrafo único - O limite a que se refere o presente artigo aplica-se às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros”.
Tem-se, por conseguinte, a partir de referida alteração legislativa uma modificação no limite do salário de contribuição, passando de 10 para 20 salários mínimos.
Como estabelece, com clareza, o parágrafo único do art. 4º, esta limitação na base de cálculo e incidência também se aplica às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros.
Por fim, o Governo Federal, com o objetivo de revogar referida limitação, editou o Decreto-Lei n. 2.318/86, que dispôs sobre fontes de custeio da Previdência Social e sobre a admissão de menores nas empresas¸ determinando em seu art. 3º:
“Art 3º Para efeito do cálculo da contribuição da empresa para a previdência social, o salário de contribuição não está sujeito ao limite de vinte vezes o salário mínimo, imposto pelo art. 4º da Lei nº 6.950, de 4 de novembro de 1981.”
Tem-se como leading case o recurso especial n. 953.742/SC, de relatoria do Ministro José Delgado
“ ... aplica-se o limite de 20 vezes o maior salário mínimo vigente no País para o salário de contribuição ao INCRA e ao salário-educação. (...)
3. No período do lançamento que se discute nos autos, tem aplicação o art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 6.950/81, que limita o recolhimento do salário-de-contribuição de vinte vezes o valor do salário-mínimo para o cálculo da contribuição de terceiros”