Comentários ao crime do artigo 10 da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública).

13/08/2020 às 18:47
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O artigo tem como objeto a análise jurídica do crime tipificado no art. 10, caput, da Lei 7.347/85 ainda pouco explorado na doutrina e na jurisprudência nacional.

Área do Direito: Penal; Processual Penal.

Sumário: 1. Introdução – 2. Objetividade jurídica – 3. Conduta nuclear – 4. Elementos normativos do tipo – 5. Sujeitos do crime – 6. Elemento subjetivo – 7. Consumação e tentativa – 8. Pena e ação penal – 9. Conclusão – 10.

Resumo: O artigo tem como objeto a análise jurídica do crime tipificado no art. 10, caput, da Lei 7.347/85 ainda pouco explorado na doutrina e na jurisprudência nacional.

Palavras-chave: Direito Penal – Crime – Artigo 10, caput, da Lei 7.347/85 – Análise Jurídica.

1. Introdução:

Este estudo destina-se a investigar um crime ainda pouco explorado na doutrina e na jurisprudência nacional, ainda que passados mais de trinta e cinco anos de sua vigência, e que possui grande relevância prática para o desempenho das funções institucionais do Ministério Público na defesa dos direitos metaindividuais.

A Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) está vigente desde a data de sua publicação (art. 23) no Diário Oficial da União do dia 25 de julho de 1985, constituindo o principal mecanismo supraindividual de acesso à justiça, mediante atuação dos atores sociais extraordinariamente legitimados (art. 5º) na tutela de qualquer direito difuso, coletivo ou individual homogêneo (art. 1º, IV).

O Ministério Público é a instituição que mais se destaca nesse campo, sendo indubitável seu protagonismo na tutela desse direitos na esfera judicial e extrajudicial, até mesmo por constituir sua essência e primeira vocação constitucional (arts. 127, caput, e 127, III, CF). Tanto é assim que em todas as ações civis públicas o Ministério Púbico integrará a lide, seja como autor (art. 5º, I, Lei 7.347/85), seja como fiscal da ordem jurídica (art. 5º, § 1º, Lei 7.347/85).

Para bem e fielmente desenvolver suas funções nesta área de atuação, a Constituição Federal (art. 129, III), a Lei nº 8.265/93 (art. 26, I) e a Lei 7.347/85 (art. 8º, § 1º) conferiram, com exclusividade, a instauração e presidência do inquérito civil, enquanto meio apto para fins investigativos extracriminais. Nenhum outro legitimado ativo tem essa faculdade de investigação. Atualmente o inquérito civil é regulamentado pela Resolução nº 23/2007-CNMP e no Estado do Paraná pelo Ato Conjunto nº 01/2019-PGJ/CGMP.

Um dos principais instrumentos do exercício investigatório civil é o poder requisitório (art. 129, VI, CF e art. 26, I, “b”, Lei 8.265/93) direcionado a qualquer organismo público ou particular para obter documentos, procedimentos, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar (art. 8º, § 1º, Lei 7.347/85).

E, como reforço ao poder requisitório, o art. 10, Lei 7.347/85 estabelece que “Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público.”

O legislador, com essa tipificação penal, confere maior relevância ainda na atuação do Ministério Público na tutela dos interesses metaindividuais ao consagrar como crime a conduta daquele que recusa, retarda ou omite aquilo que foi requisitado. Pelos princípios constitucionais, principalmente o da legalidade estrita, que impede analogia em normas penas incriminadoras, esse delito somente restará configurado se a requisição for emanada do Ministério Público, e mais nenhum outro legitimado para a ação civil pública.

2. Objetividade jurídica:

O bem jurídico tutelado é a regularidade da atuação do Ministério Público, coibindo-se a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis para a propositura da ação civil pública. Por essa razão, o legislador houve por bem coibir comportamentos que lesem o exercício das funções ministeriais, pelo que a tutela penal se mostra indispensável para a finalidade preventiva geral e especial pelo desatendimento das requisições.

“Este dispositivo da LACP trata do dever ativo de serem fornecidas todas as informações necessárias e suficientes à condução dos trabalhos de investigação do Ministério Público. O seu escopo é o de impedir que as pessoas – públicas e/ou privadas – detentoras de dados técnicos imprescindíveis para a demanda, deixem de atender a requisição expressa do Ministério Público – não só dificultando, ou impedindo, a investigação, mas desrespeitando a instituição. […] Qualquer forma de desobediência à ordem legal de funcionário público já estivesse incriminada em nosso ordenamento jurídico, preferiu o legislador apenar de maneira mais gravosa a conduta de quem recusa, retarda ou omite dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público” (MOREIRA, 2016).

3. Conduta nuclear:

As condutas nucleares são a recusa, o retardamento e a omissão. Trata de crime objeto de tipo misto ou alternativo, de ação múltipla ou de conteúdo variado, que encerra três condutas nucleares, bastando que o agente incorra em qualquer uma delas para tipificar o delito, restando as condutas anteriores como ante factum impuníveis e as que viriam a ser praticadas na sequência como post factum impuníveis.

Recusar consiste em não aceitar, não dar, não fornecer, rejeitar, opor, negar, não obedecer ao cumprimento da requisição do Ministério Público quanto ao fornecimento dos documentos e dos dados técnicos. É dizer expressa ou implicitamente que não acatará a requisição ministerial.

Não configura o delito se a recusa for motivada pela proteção do sigilo, quando então incide a inafastabilidade da jurisdição (art. 8º, § 2º, Lei 7.347/85), tal como o sigilo fiscal (art. 198, § 1º, I, CTN) e o sigilo bancário (art. 1º, caput e § 4º, Lei Complementar 105/01).

O Superior Tribunal de Justiça assim já decidiu, pela atipicidade da conduta quando a recusa for relativo a informação coberta pelo sigilo: “O Ministério Publico pode 'requisitar, de qualquer organismo publico, certidões, informações, exames e perícias' (Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, art. 8., par. 1.) para instruir ação civil pública. O destinatário poderá negar certidão, ou informação, 'nos casos em que a lei impuser sigilo' (art. 8., par. 2.). É o caso do sigilo bancário. Em sendo assim, a denúncia não pode prosperar. Não descreve fato típico.” (STJ, REsp 66.854/DF, Rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, Sexta Turma, julgado em 17/09/1996, DJ 16/12/1996, p. 50960).

Retardar significa demorar, delongar, protelar, adiar, atrasar, o cumprimento uma atividade na qual estava obrigado a atender, dentro do prazo assinalado, por força de requisição. Daí a importância da requisição se expressa quanto ao prazo de cumprimento, que não poderá ser inferior a dez dias úteis (art. 8º, § 1º, Lei 7.347/85).

“O retardamento estará configurado se os dados forem entregues fora do prazo assinalado pelo órgão ministerial. Se o prazo assinalado não for suficiente para a apresentação das informações requisitadas pelo Ministério Público, é adequado que o agente, ainda no curso do prazo fixado, formule pedido de prorrogação, indicando as razões que impedem o atendimento da requisição no prazo inicialmente conferido. […] Caso não haja observância aos prazos estabelecidos, em termos objetivos, estará caracterizado o retardamento” (MOREIRA, 2016).

Assim também já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça: “Não há falar em tipicidade no comportamento que, diante de deferimento de dilação temporal para o cumprimento de requisição ministerial, atende tempestivamente à determinação. Sobreleve-se, ainda, a circunstância de o procedimento investigatório ter sido arquivado, inexistindo pois as elementares retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, a qual sequer veio a se proposta” (STJ, HC 85.507/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009).

Omitir é deixar de fazer, não atuar, não manifestar, não pronunciar, deixar de fazer, deixar de lado, cair no esquecimento, tratando de um crime omissivo próprio. Aqui, “o agente, regularmente notificado para oferecer os dados técnicos, simplesmente deixa de atender a requisição” (MILARÉ, 2010, p. 234).

A requisição deve ter por destinatário uma pessoa natural individualizada, vale dizer, dirigida diretamente a alguém, não simplesmente à pessoa jurídica, que além de não ser sujeito ativo do delito, não se pode imputar o delito em presunção de que o responsável tenha sido inequivocamente cientificado dos termos da requisição.

Além disso deve existir comprovação de recebimento pelo destinatário e que inequivocamente se trata de uma requisição, e não mero pedido ou solicitação, casos em que não haverá tipicidade criminal. Já decidiu o Supremo Tribunal Federal: “A ordem descumprida deve ser 'individualizada' e 'transmitida diretamente ao destinatário, seja por escrito ou verbalmente', sob pena de atipicidade do comportamento” (STF, AP 679, Relator: Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2014, Acórdão Eletrônico Dje-213, Divulg. 29-10-2014, Public. 30-10-2014).

O destinatário deverá ser a pessoa capaz de cumprir com a requisição, sendo exigível o dever jurídico de agir, ou seja, sua obrigação legal de atender a requisição ministerial dentro de suas atribuições legais para fins de dar cumprimento direto ou de determinar que subordinados cumpram a ordem legal, cobrando eventuais omissões ou atrasos, bem como responder formalmente as requisições, inclusive justificar retardamentos e pedir dilação do prazo, que é fixado apenas no seu patamar mínimo, nada impedindo que se conceda quantitativo superior.

A obrigatoriedade do atendimento tempestivo decorre de a requisição ser uma ordem legal. Requisição “equivale a ordem” (MIRABETE, 2003, p. 97), portanto o agente jamais poderia descumprir injustificadamente a ordem emanada do Ministério Público nos termos da Lei 7.347/85.

Se o agente apresentar justificativa dando conta da impossibilidade material de execução da requisição no prazo estabelecido, o crime não se configura, seja na hipótese de omissão ou na hipótese de retardamento. Isso porque “o prazo pode ser ampliado ou prorrogado pela autoridade requisitante. Por certo, a exigência de decurso de prazo razoável também é um elemento normativo implícito do injusto” (MAZZILLI, 2005, p. 390-391).

4. Elementos normativos do tipo:

Os elementos objetivos do tipo penal cumprem a função de descrever o fato incriminado, competindo ao legislador exprimir em palavras todos os dados configuradores do crime, sem os quais, ausente um deles, a conduta será formalmente atípica.

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Os elementos objetivos podem ser descritivos, aqueles que são sensorialmente percebidos pelos sentidos, ou normativos, aqueles que demandam um juízo de valor para alcançar seu real conteúdo.

Elementos normativos do tipo consistem, então, nas expressões legislativas que exigem um juízo de valor para o seu conhecimento, numa técnica de remissão da norma penal a elementos outros que compõe e dão sentido a proibição.

O primeiro elemento normativo é o que a doutrina chama de elemento normativo implícito e consistente na ausência de motivo suficiente para não atendimento da requisição. No dizer de a MAZZILLI “a recusa, o retardamento ou a omissão devem ser indevidos” (2005, p. 390). Isso implica dizer que restará afastada a tipicidade quando incidir uma justa causa, no sentido de falta de meios materiais para atender a requisição.

Existindo alguma impossibilidade de atendimento do objeto da requisição, o destinatário tem o dever de comunicar tal fato para fins de evitar o início da ação penal. Por cautela e visando maior segurança para a tipificação criminal, antes do oferecimento da denúncia, compete ao Ministério Público aquilatar eventual presença de alguma justa causa no desatendimento tempestivo das requisições.

Por dados técnicos entende a informação produzida de acordo com a técnica exigida por certa ciência ou os elementos para a formação de um entendimento, inclusive pode envolver a elaboração de exames, relatórios, inspeções, vistorias, perícias ou fornecimento de documentos.

Dados técnicos são “os elementos que só podem ser coligidos por pessoas que detenham o conhecimento artístico ou científico em determinadas áreas. Exatamente por deterem esse específico tipo de conhecimento é que tais pessoas veiculam dados dotados de singular particularidade: a precisão.” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 311).

Também estão inseridos no conceito de dados técnicos os documentos que encontram-se na posse do destinatário da requisição, tais como procedimentos licitatório, notas fiscais, empenhos, procedimentos de licença ambiental, estudos ambientais, procedimentos de registro de loteamento, procedimentos de concessão de alvarás e licenças, relatórios estatísticos, escrituras públicas, inteiro teor dos trâmites de projeto de lei, registros imobiliários, etc.

O Superior Tribunal de Justiça, em precedente, pontuou que “A expressão 'dados técnicos' se refere a qualquer informação dependente de um conhecimento ou trabalho específico, que seja peculiar de determinado ofício ou profissão. Os documentos e informações requeridas pelo Parquet estão inseridos no conceito de 'dados técnicos', pois dizem respeito, tão-somente, aos procedimentos observados na rotina de funcionamento da Câmara Municipal.” (STJ, RHC 12.359/MG, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 28/05/2002, DJ 01/07/2002, p. 355).

Noutro julgamento a mesma Corte decidiu que “as informações solicitadas pelo Ministério Público se enquadram no conceito de 'dados técnicos', uma vez que dizem respeito aos procedimentos observados na rotina de funcionamento da Prefeitura Municipal […]. Isso porque os dados requeridos se referiam, v.g., a contratos celebrados pelo Município, se houve licitação em determinada contratação etc.” (STJ, REsp 785.129/RS, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 29/06/2006, DJ 14/08/2006, p. 327).

Portanto, dados técnicos constituem informações que remontem a áreas específicas do saber (contabilidade, economia, engenharia, medicina, etc.), excluindo-se apenas documentos de índole burocrática ou jurídica (isto é, documentos que podem ser formulados ou produzidos independente de conhecimento técnico específico de outras ciências ou de trâmites procedimentais internos).

Tais dados técnicos devem constituir prova e formar base material para propositura de ação civil pública, competindo ao Ministério Público no desenvolvimento de suas atividades constitucionais, conforme permite o art. 8º, § 1º, Lei 7.347/85, o poder de instaurar, sob sua presidência, inquérito civil e outros procedimentos investigatórios visando investigar os fatos, com poder de requisitar a qualquer organismo público ou privado certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, cuja resposta poderá ser apresentada no prazo de dez dias úteis.

O inquérito civil “é uma investigação administrativa a cargo do Ministério Público, destinada basicamente a colher elementos de convicção para eventual propositura de ação civil pública. […] Por meio do inquérito civil, podem-se promover diligências, requisitar documentos, informações, exames e perícias, expedir notificações, tomar depoimentos, proceder a vistorias e inspeções. O inquérito civil é procedimento investigatório não contraditório; nele não se decidem interesses nem se aplicam sanções; antes, ressalte-se sua informalidade” (MAZZILLI, 2005, p. 391).

Outro procedimento que pode ser adotado pelo Ministério Público, com a mesma finalidade investigativa do inquérito civil é o nominado procedimento preparatório, cuja diferença entre ambos instrumentos é que enquanto o inquérito civil exige a presença de um investigado devidamente identificado, o procedimento preparatório dispensa existência do investigado.

O procedimento preparatório se destina a complementar as informações recebidas pelo Ministério Público antes de instaurar o inquérito civil, visando apurar elementos para identificação dos investigados ou do objeto (art. 2º, § 4º, Resolução nº 23/2007-CNMP).

A finalidade das requisições do Ministério Público, para fins de tipificação criminal no art. 10 da Lei 7.347/85, devem ser destinados a propositura da ação civil pública para a tutela de qualquer direito difuso, coletivo ou individual homogêneo. Não tipificará o delito se a recusa, retardamento ou omissão tiver por objeto a propositura de outras demandas, tais como ações de interdição, ações de alimentos, medidas de proteção a idoso, crianças ou adolescente, etc., pois aqui se tutela um direito individual indisponível não regulamentado pelo microssistema da tutela coletiva.

Além disso, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “sobreleve-se, ainda, a circunstância de o procedimento investigatório ter sido arquivado, inexistindo pois as elementares retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, a qual sequer veio a se proposta” (STJ, HC 85.507/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009).

Assim, se ao final das investigações o Ministério Público promover o arquivamento do inquérito civil ou seu procedimento preparatório (art. 9º, Lei 7.347/85), o fato será atípico porque a norma penal exige a finalidade de propositura da ação civil pública, não para fins únicos de instrução das investigações civis.

Se há dúvida quanto a efetiva ocorrência de danos morais ou patrimoniais aos direitos tutelados (art. 1º, caput, Lei 7.347/85), tanto que ainda pendente as investigações, evidente que há dúvida sobre a existência do elemento normativo do tipo, que não se completa na fase inquisitiva.

Portanto, não há possibilidade do exercício de ação penal antes do término das investigações e da propositura da ação civil, por carecer de justa causa por prematura instauração, sendo o caso de rejeição da denúncia por falta de justa causa (art. 395, III, CPP) ou de absolvição sumária por não constituir crime (art. 397, III, CPP), permitido, ainda, o uso do habeas corpos para trancar a ação penal (art. 648, I, CPP).

O Supremo Tribunal Federal ao rejeitar uma denúncia envolvendo agente público com foro privilegiado fundamentou que “Não há na denúncia qualquer alusão sobre a instauração de ações civis públicas sobre os temas versados nos ofícios cujas informações técnicas foram omitidas” (STF, AP 679, Relator: Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2014, Acórdão Eletrônico Dje-213, Divulg. 29-10-2014, Public. 30-10-2014).

Se a ação penal já se encontra em andamento, chegando ao seu termo, sem que a ação civil pública tenha sido proposta ou se o Ministério Público tenha arquivado as investigações, será hipótese de absolvição por não constituir o fato infração penal (art. 386, III, CPP).

O último elemento objetivo do tipo a ser enfrentado diz respeito a indispensabilidade desses dados técnicos para a propositura de ação civil pública.

Tal indispensabilidade aponta não para mera utilidade dos dados como provas, mas sim necessárias e imprescindíveis, ou seja, que haverá prejuízo sério e efetivo para a prova ao ponto de não permitir o preenchimento do determinado pelo art. 320, CPC: “A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação”.

Contudo, ainda assim, “se em razão da falta dos dados requisitados, foi possível ajuizar a ação, mas apenas de maneira imprópria, incompleta ou imperfeita, isso significa que a informação faltante era indispensável; assim, terá ocorrido o crime” (MAZZILLI, 2005, p. 391).

Nesses casos, comprovada a inviabilidade do acesso aos documentos e dados técnicos em posse do diligenciado diretamente pelo Ministério Público, possível será pleitear tutela de urgência cível de natureza cautelar (art. 301, CPC), antecedente ou incidental (arts. 294, 301 e 305, CPC), bem como pedido de busca e apreensão criminal (art. 240, CPP).

A tipicidade revela também que o destinatário da requisição não tem competência discricionária para livremente escolher quais informações serão fornecidas ao Ministério Público, devendo apenas atender a ordem, sob pena de incorrer no delito.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu que “Improcede a alegação de que os Poderes Executivo e Legislativo não estariam obrigados a atender a requisições ministeriais, pois pode ser destinatário da requisição qualquer órgão da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes Públicos. […] Não se pode aceitar a verdadeira pretensão, da paciente, de se atribuir o direito de escolher o tipo de documentação que deva remeter ao Ministério Público, sob pena de inconcebível inversão de valores e de situações.” (STJ, RHC 11.888/MG, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 18/10/2001, DJ 19/11/2001, p. 291).

Presentes a conduta nuclear e todos os elementos descritivos e normativos, só assim a tipicidade objetiva estará confirmada.

5. Sujeitos do crime:

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime, agentes públicos ou privados, desde que tenha as informações técnicas ou documentos requisitados ou que possa influir de alguma forma no processo de obtenção e entrega ao Ministério Público. Trata-se de crime comum com previsão legal expressa de que a requisição pode ser endereçada a organismo público ou particular (art. 8º, § 1º, Lei 7.347/85).

O sujeito passivo é o Estado, por ser o titular do princípio de autoridade e representado neste caso pelo Ministério Público, na qualidade de órgão estatal, instituição da qual provém a requisição que ensejou a recusa, retardamento ou omissão, e cuja autoridade é contestada com a desobediência à requisição.

6. Elemento subjetivo:

O elemento subjetivo do tipo consiste no dolo genérico, não sendo exigido pela legislação qualquer especial fim de agir, o chamado dolo específico. Dolo consiste na vontade de praticar uma das condutas previstas em lei. Exige-se consciência do agente de que a prática é antijurídica.

Entende-se por dolo “a consciência e a vontade de realização dos elementos objetivos do tipo de injusto doloso. Dolo, como resolução delitiva, é saber e querer a realização do tipo objetivo de um delito” (PRADO, 2013, p. 404).

O Supremo Tribunal Federal já esclareceu a contento que “É fundamental na espécie, a demonstração apriorística de que o agente tenha agido com dolo, já que não é punível, na espécie, a figura culposa. […] Há de estar presente intenção clara e direta de descumprimento da ordem por parte do apontado autor do ilícito, com demonstração, por ocasião do oferecimento da denúncia, de forma veemente e bastante clara, de que haja chegado a conhecimento do denunciado a determinação constante dos ofícios que lhe foram dirigidos.” (STF, AP 679, Relator: Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2014, Acórdão Eletrônico Dje-213, Divulg. 29-10-2014, Public. 30-10-2014).

No mesmo sentido foi o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: “O crime do art. 10 da Lei 7.234/85 é punível apenas a título de dolo, ou seja, quando o agente deliberadamente se preordena à desobediência do dever jurídico de fornecer os dados requisitados pelo Ministério Público”. (TJPR, 2ª Câmara Criminal - AC 568688-4 - Maringá - Rel.: José Laurindo de Souza Netto - Unânime - J. 24.09.2009).

A omissão ou o retardamento no atendimento da requisição quando decorrente de negligência por parte do diligenciado não configura o crime, por ausência de expressa previsão legal da modalidade culposa, segundo exige o princípio da excepcionalidade do crime culposo (art. 18, parágrafo único, CP).

7. Consumação e tentativa:

A consumação do crime se dá com a efetiva pratica da conduta, comissiva ou omissiva. Trata de crime formal em todas as hipóteses, pelo que se consuma com a própria recusa, retardamento ou omissão, independentemente de qualquer resultado material.

Nesse sentido, já se posicionou o Supremo Tribunal Federal: “o delito imputado (art. 10 da Lei nº 7.347/1985) faz parte dos chamados crimes formais, sendo irrelevante a ocorrência do resultado para sua consumação” (STF, HC 84367, Relator: Carlos Britto, Primeira Turma, julgado em 09/11/2004, DJ 18-02-2005, PP-00033).

Nos crimes formais a norma penal descreve o resultado naturalístico, mas não o exige para a consumação. Conforme BRUNO “formais são aqueles em que não há pretender destacar do comportamento do sujeito um resultado a ser tomado em consideração pelo direito, o que acontece é que com a própria atividade realiza-se o resultado, o que tinha de ocorrer ocorreu. […] Nestes para que a consumação se repute completa, não é preciso verificar-se mais do que a simples ação ou omissão do sujeito. O resultado de dano ou de perigo prescinde de ser apurado” (1967, p. 221-222).

Na modalidade omissiva, a falta de atendimento no prazo fixado pela lei, que será de um decênio, no mínimo, consuma “no momento em que o sujeito ativo deveria agir, mas não o fez” (MIRABETE, 2004, p. 154).

A tentativa é a resolução incompleta do tipo objetivo, que não se realiza por circunstâncias alheias à vontade do agente (art. 14, II, CP), o que é incompatível com os crimes formais porque nestes não se exige a verificação do resultado material da conduta.

Sendo assim, o crime do art. 10, Lei 7.347/85 não admite a tentativa, pois já estará consumado no momento da prática da conduta de recusar, retardar ou omitir o objeto da requisição pelo Ministério Público.

8. Pena e ação penal:

O preceito secundário da norma pena incriminadora traz a pena de reclusão de um a três anos, mais multa cumulativa, sendo competência da Justiça Comum, afastado o Juizado Especial Criminal por ter pena máxima superior a dois anos (art. 61, Lei 9.099/95).

Permitido o benefício da suspensão condicional do processo porque a pena mínima é igual a um ano (art. 89, Lei 9.099/95).

Na hipótese de condenação é permitida, em princípio, segundo os critérios objetivos da norma, a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos (art. 44, I, CP).

A ação penal é pública incondicionada, de iniciativa privativa do próprio Ministério Público enquanto titular da ação (art. 129, I, CF e art. 4º, caput, primeira parte, CPP).

9. Conclusão:

O crime do art. 10, Lei 7.347/85 constitui uma forma qualificada do crime de desobediência e atende ao caráter preventivo geral e especial do direito penal, garantidor do pleno exercício das atividades do Ministério Público na tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, sem turbações ou resistências.

A tipificação é perfeitamente justificável, considerando as graves consequências que as ofensas aos bens metaindividuais provocam à coletividade como um todo, caso a investigação civil e a ação civil pública não estejam devidamente instruídas.

Seu estudo e compreensão adquire, portanto, significativa relevância para a correta aplicação da norma penal como garantidora do bem jurídico tutelado.

10. Referências:

BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Tomo II. 3. ed Rio de Janeiro: Forense, 1967.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública: comentários por artigo. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

GOMES, Luiz Flávio [coord.]. Direito Penal: parte geral: volume 2. São Paulo: RT, 2007.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio culturar, patrimônio público e outros interesses. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

MILARÉ, Édis [coord.]. A ação civil pública após 25 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

______. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2004.

MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia Cristina; ARENHART, Sérgio Cruz; FERRARO, Marcella Pereira. Comentário à lei de ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. [livro eletrônico].

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: volume 1. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

______. Tratado de direito penal brasileiro: parte geral: volume 2: teoria jurídica do delito. São Paulo: RT, 2014.

ROCHA JÚNIOR, Paulo Sérgio Duarte da. Breves comentários ao crime do art. 10 da Lei 7.347/85. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Vol. 62/2006. p. 178-196.

VARGAS, José Cirino de. Introdução ao estudo dos crimes em espécie. Belo Horizonte: Del Rey, 1993.

Sobre o autor
Erinton Cristiano Dalmaso

Pós-Graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Paraná titular de Promotoria de Justiça Especializada em Patrimônio Público, Meio Ambiente, Consumidor, Saúde Pública e Juizado Especial Criminal.

Informações sobre o texto

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