O empoderamento do Tribunal Superior Eleitoral e o abuso do poder normativo

14/08/2020 às 17:26

Resumo:


  • O Tribunal Superior Eleitoral tem utilizado o poder normativo de forma excessiva, resultando em casos de ativismo judicial eleitoral.

  • A atuação normativa do TSE tem impactado a segurança jurídica, invadindo as funções do poder legislativo federal e gerando insegurança nos juízos de primeiro e segundo grau.

  • O abuso do poder normativo do TSE, em resposta à omissão do Legislativo, interfere na harmonia entre os poderes e pode ser prejudicial ao sistema jurídico brasileiro.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo trata do empoderamento do Tribunal Superior Eleitoral face aos demais Poderes, ao usar de forma costumeira o poder normativo, acarretando verdadeiros casos de ativismo judicial eleitoral.

O empoderamento do Tribunal Superior Eleitoral e o abuso do poder normativo

Renato Hayashi[1]

 

RESUMO

O presente artigo trata do empoderamento do Tribunal Superior Eleitoral face aos demais Poderes, ao usar de forma costumeira o poder normativo, acarretando verdadeiros casos de ativismo judicial eleitoral. Além da invasão das funções do poder legislativo federal, há um abalo na segurança jurídica, principalmente nos juízos de primeiro e segundo grau, que costumam proferir decisões nos mais diversos sentidos. Metodologicamente, a pesquisa consiste em uma análise da literatura, das seis principais resoluções do TSE (coligações eleitorais, número de vereadores, prestação de contas, fidelidade partidária, distribuição do fundo partidário e inelegibilidade de candidatos condenados) e a elaboração de uma crítica a essa prática. Por fim, acreditamos que é altamente prejudicial para o sistema jurídico brasileiro a livre atuação do TSE, por ferir a função típica do poder legislativo federal e causar insegurança jurídica. Em síntese, observamos que a atuação normativa do TSE aumenta na medida que o Poder Legislativo se omite no seu dever de legislar, deixando, portanto, um vácuo no poder, que tem sido estrategicamente ocupado pelo TSE, de forma a consolidar cada vez mais o poder normativo do tribunal.

Palavra-chave: Justiça Eleitoral. Poder normativo. Ativismo Judicial. Tripartição de Poderes.

ABSTRACT

This article deals with the empowerment of the Superior Electoral Court vis-à-vis the other Powers, by using normative power in a customary way, leading to real cases of electoral judicial activism. In addition to the invasion of the functions of the federal legislative power, there is an impact on legal security, especially in first and second degree judgments, which usually deliver decisions in the most diverse ways. Methodologically, the research consists of an analysis of the literature, of the six main TSE resolutions (electoral coalitions, number of councilors, accountability, party loyalty, distribution of the party fund and ineligibility of convicted candidates) and the elaboration of a critique of this. practice. Finally, we believe that the free action of the TSE is highly damaging to the Brazilian legal system, as it hurts the typical function of the federal legislative power and causes legal uncertainty. In summary, we observe that the normative performance of the TSE increases as the Legislative Power fails to legislate, thus leaving a vacuum in power, which has been strategically occupied by the TSE, in order to consolidate more and more the normative power of the court.

Keyword: Electoral Justice. Normative power. Judicial Activism. Tripartition of Powers.

Sumário: Introdução. 1. O ativismo judicial eleitoral. 2. Análise de casos de ativismo praticados pelo TSE. 3. Conclusão. Referências.

 

Introdução

            O empoderamento do Tribunal Superior Eleitoral decorre principalmente do uso excessivo do Poder Normativo, que é uma prática costumeira e que acarreta diversos casos de ativismo judicial eleitoral (LIMA, 2011). Além da invasão das funções do poder legislativo federal, há um abalo na segurança jurídica, principalmente nos juízos de primeiro e segundo grau, que costumam proferir decisões nos mais diversos sentidos (REYS, 1997).

Metodologicamente, a pesquisa consiste em uma análise da literatura, das seis principais resoluções do TSE (coligações eleitorais, número de vereadores, prestação de contas, fidelidade partidária, distribuição do fundo partidário e inelegibilidade de candidatos condenados) e a elaboração de uma crítica a essa prática.

Por fim, acreditamos que é altamente prejudicial para o sistema jurídico brasileiro a livre atuação do TSE, por ferir a função típica do poder legislativo federal e causar insegurança jurídica. Em síntese, observamos que a atuação normativa do TSE aumenta a medida que o Poder Legislativo se omite no seu dever de legislar, deixando, portanto, um vácuo no poder, que tem sido estrategicamente ocupado pelo TSE, de forma a consolidar cada vez mais o poder normativo do tribunal. No tocante a legitimidade, não há de se falar em legitimidade direta do TSE, pois eles não sofrem o accountability vertical nem horizontal.

 

  1. O ativismo judicial eleitoral

Historicamente o Brasil tem apresentado um favorecimento da expansão do Judiciário, em especial da Justiça Eleitoral, que possui atribuições mais amplas que os demais ramos da justiça (LIMA, 2011). Basicamente, a justiça eleitoral tem a atribuição de participar das fases do processo eleitoral e estabelecer regras (LIMA, 2011).

Em uma análise sistemática, temos que o Poder Judiciário tem interferido na formação de políticas públicas, o que vai muito além das suas atribuições constitucionais (TATE, 1995).

A judicialização da política e o ativismo judicial têm sido cada vez mais comuns nas sociedades ocidentais democráticas (CARVALHO, 2014; HAYASHI, 2018). Vale ressaltar que tais aspectos se desenvolvem também com a participação intencional do Legislativo, que deixa as questões mais problemáticas para o Judiciário (HAYASHI, 2018).

Infelizmente, o impacto do Poder Judiciário no sistema político ainda é pouco estudado: “poucos cientistas políticos consideram a atuação do Judiciário, ao estudarem a tomada de decisões pelo sistema político brasileiro” (TAYLOR, 2007, p. 233).

Segundo Montesquieu (2002), cada poder possui uma função específica. Ao Legislativo cabe a função de fiscalizar o executivo e criar leis, ao Executivo cabe a administração e ao Judiciário a aplicação das leis. Violar essa harmonia põe em xeque o sistema estatal e cria um leviatã da modernidade: o judiciário (HAYASHI, 2018). De acordo com Rigaux (2000), o juiz não é mais a boca da lei, vai muito mais além.

O ativismo judicial eleitoral se apresenta como uma extrapolação do poder de regulamentar e orientar do TSE, que tem utilizado indevidamente as resoluções (LIMA, 2011). Contudo, o que se tem é que o Legislativo só reage a atuação normativa do TSE quando há algum prejuízo aos interesses dos parlamentares, o que acaba fortalecendo ainda mais os Ministros do TSE.

Vale ressaltar que a atuação do TSE é extremamente importante, em especial a electoral governance. Esse trabalho tem garantido a estabilidade da democracia no Brasil, pois assegura um processo eleitoral direto e objetivo. A competência normativa do TSE, a priori, contempla a regulamentação da legislação eleitoral, para uma melhor execução, não podendo criar novas regras (LIMA, 2011).

No entanto, não é isso o que tem ocorrido, o que será analisado na próxima seção.

 

 

  1. Análise de casos de ativismo praticados pelo TSE

Para a escolha dos casos analisados, optamos pelo estudo realizado por Lima (2011), que investiga seis situações de ativismo judicial eleitoral praticados pelo TSE, quais sejam: coligações eleitorais, número de vereadores, prestação de contas eleitorais, fidelidade partidária, distribuição do fundo partidário e inelegibilidade de candidatos condenados por órgão colegiado.

Em uma análise sistemática, observamos que o Legislativo se limita a reagir às ações normativas do TSE quando interfere no interesse político.

Quadro 01 – Análise dos estudos de caso

 

Fonte: LIMA, 2011

 

No primeiro caso (coligações eleitorais) o debate teve início na resposta à consulta do PDT, que ensejou a regulamentação do TSE, de forma a reduzir a participação dos partidos nas eleições presidenciais e a reação do Legislativo foi a Emenda Constitucional 52.

No segundo caso (número de vereadores) a origem foi no STF e a consequência foi a redução do número de vagas nos Municípios, a resposta do Legislativo foi a Emenda Constitucional 58.

No terceiro caso (prestação de contas eleitorais) a origem foi o próprio TSE, que regulamentou sem previsão legal e gerou a aprovação de uma lei[2].

No quarto caso (fidelidade partidária) a origem foi uma consulta do DEM, que gerou uma regulamentação indevida do TSE, com redução de 60% do número de trocas de partidos por parte dos deputados federais, em resposta houve uma PEC do Senado.

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No quinto caso (distribuição do fundo partidário) a iniciativa foi do próprio TSE, que regulamentou sem previsão legal prévia e resultou na criação de uma Lei.

Por fim, o sexto caso (condenação em segunda instância) teve início com uma consulta ao TSE, que não resultou em atuação legislativa, sendo decidido pelo STF.

Observamos, assim, que nem sempre há uma reação por parte do Legislativo e que fica evidente a omissão proposital dos parlamentares para que não sofram prejuízo no desempenho eleitoral ao tratar de temas sensíveis.

            Em quadro comparativo, Lima (2011) apresenta de forma sistematizada o que foi feito pelo TSE e a resposta normativa do Legislativo.

Quadro 02 – Divergência entre TSE e o Legislativo

CASO ESTUDADO

REGRAMENTO DO TSE

REGRAMENTO DO LEGISLATIVO

Coligações Eleitorais

Restrições às alianças partidárias

Liberação da associação entre partidos

Quantidade de Vereadores

Redução de 8745 vagas

Ampliação de 7.343 vagas

Prestação de Contas Eleitorais

Punição aos candidatos com contas desaprovadas

Nenhuma punição aos candidatos.

Fundo Partidário

Maior percentual a todos os partidos registrados, de forma a beneficiar os menores.

Redirecionamento com o aumento do repasse aos partidos maiores.

Fonte: elaborado pelo autor a partir de Lima (2011).

 

            Dos seis casos estudados, quatro apresentam grande divergência entre o TSE e o Legislativo, ou seja, flagrante abuso do poder normativo.

 

Conclusões

Diante do estudo realizado, chegamos a três conclusões:

1. O sistema eleitoral brasileiro facilita a prática de ativismo judicial pelo Tribunal Superior Eleitoral;

2. Há uma certa tolerância por parte do Legislativo em face da atuação normativa do TSE;

3. Diante da omissão do Legislativo, a atuação normativa do TSE acaba sendo uma necessidade institucional, mas que interfere na harmonia entre os três poderes.

Observamos que o abuso do poder normativo por parte do TSE acaba sendo um mau necessário a estabilização da democracia brasileira. A parte negativa dessa atuação se dá pela concentração de poder em um único poder, que cria as regras, aplica e executa. Além de não haver nenhum controle sobre os atos do TSE, check and balances[3],

 

Referências

CARVALHO, Ernani Rodrigues de. Em busca da Judicialização da política no Brasil: apontamentos para uma nova abordagem. Revista de Sociologia Política. Ed. 23. Nov. 2014. Curitiba.

HAYASHI, Renato. Senado Federal versus STF: o enfraquecimento do leviatã brasileiro. Revista Âmbito Jurídico, 2018. Disponível em:  https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/senado-federal-versus-stf-o-enfraquecimento-do-leviata-brasileiro/ Acesso em 11/07/2020.

LIMA, Sidia Maria Porto. O ativismo judicial e o Judiciário Eleitoral: um estudo da atividade legislativa do Tribunal Superior Eleitoral. Orientador: Ernani Carvalho. 2011. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Pernambuco, [S. l.], 2011. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/1374/1/arquivo4122_1.pdf. Acesso em: 11 jul. 2020.

REYS, Manuel Aragon (1997). El juez ordinário entre legalidade y constitucionalidade. Bogotá: Instituto de Estúdios Constitucionales.

RIGAUX, François (2000). A lei dos juízes. São Paulo: Martins Fontes.

TATE, Neal & VALLINDER, T. (1995). The global Expansion of Judicial Power. New York: University Press.

TAYLOR, Mathew M (2007). O judiciário e as políticas públicas no brasil. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 50, nº2, 2007, p. 229-257.

 


[1] Advogado, Cientista Político, Professor e Pesquisador. Mestre pela UFPE. http://lattes.cnpq.br/5466492919787009 

 

[2] Sobre esse tema, recomendamos a leitura de outro texto próprio: https://www.conjur.com.br/2020-jun-13/hayashi-duarte-prestacao-contas-justica-eleitoral

[3] Recomendamos a leitura de http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/percurso/article/viewFile/1728/1122

Sobre o autor
Renato Hayashi

Advogado. Professor e Coordenador em cursos de Pós-graduação. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Mestre em Políticas Públicas (UFPE). Assessor Jurídico na Câmara Municipal do Recife.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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