CONCEPÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E A PROTEÇÃO CONTRATUAL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

15/08/2020 às 11:36
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O texto aborda a concepção do contrato inaugurada pela Constituição Federal de 1988 e sua influência no Código de Defesa do Consumidor.

RESUMO

 

 

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, caracterizada como constituição social, os direitos fundamentais da pessoa humana ganham alicerce em princípios constitucionais como Dignidade e Igualdade. Através do corpo principiológico trazido pela Constituição Federal, as relações contratuais sofreram grande influência, ao ponto de surgir princípios capazes de conter o desequilíbrio natural dessas relações. O Código de Defesa do Consumidor adota princípios como a função social do contrato, a boa-fé objetiva, relativização subjetiva, dentre outros, com a finalidade precípua de alcançar a verdadeira justiça social.

 

 

PALAVRAS-CHAVE: Constituição – direitos – dignidade – igualdade - princípios – desequilíbrio – justiça – social – Código de Defesa do Consumidor – contrato – boa-fé.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RESUMO

 

Con la promulgación de la Constitución de 1988, que se caracteriza como una constitución social, los derechos fundamentales de los seres humanos obtener fundamento en los princípios constitucionales com la Dignidad y la Igauldad. Através del cuerpo de los princípios presenteados por la Constituición Federal, lãs relaciones contractuales sufrieron uma gran influencia hasta el punto de princípios que parecen contener el desequilíbrio natural de estas relaciones. El Código de Protección al Consumidor adopta princípios tales com el contrato social, la buena fé objetiva, el relativismo subjetivo, entre otros, principalmente com el propósito de lograr uma verdadera justicia social.

 

PALAVRAS-CHAVE: Constitución – derechos – dignidad – igualdad – princpios – balance – justicia – social – Código de Protección al Consumidor – contrato – buena fé.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

CAPÍTULO I. SURGIMENTO DA CONCEPÇÃO SOCIAL DE CONTRATO

 

{C}1.1 Da formação do contrato.................................................................................. 11

{C}1.2 Interpretação do contrato................................................................................. 14

 

CAPÍTULO II. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA ESFERA CONTRATUAL

 

2.1 Princípio da Equivalência Material ou Relativização Subjetiva............... 18

2.2 Princípio da Boa-fé........................................................................................... 18

2.3 Princípio da Autonomia da vontade.............................................................. 20

2.4 Princípio da Supremacia da Ordem Pública................................................ 21

2.5 Princípio do Consensualismo........................................................................ 21

2.6 Princípios da Relatividade dos Efeitos do Contratos................................. 22

2.7 Princípio da Obrigatoriedade dos Contratos ............................................... 22

2.8 Princípio da Revisão dos Contratos ou da Onerosidade Excessiva....... 23

2.9 Teoria da Imprevisão........................................................................................ 24

 

CAPÍTULO III. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

 

3.1 Objetivos da função social.............................................................................. 26

 

CAPÍTULO IV. PROTEÇÃO CONTRATUAL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

 

4.1 O Código de Defesa do Consumidor............................................................ 30

4.2 Da tutela do consumidor................................................................................. 31

4.3 Das cláusulas abusivas nos contratos de adesão..................................... 33

 

 

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho tem por objetivo discorrer sobre as perspectivas sociais trazidas pela Constituição Federal de 1988, também consagradas no Código Civil de 2002, primeiramente no que tange a Teoria Contratual, extraindo assim, a função social do contrato, observando sua atual relação com o Direito do Consumidor. Os direitos fundamentais insculpidos na Constituição Federal de 1988 desempenham papel importante na órbita privada. Por exemplo, o direito da igualdade e da dignidade que objetivam resguardar a liberdade jurídica dos cidadãos em detrimento do poderio do Estado ou de grupos econômicos. Os princípios da liberdade e igualdade conferem proteção às relações contratuais que se encontram estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor.

Debates em relação a autonomia privada nas relações contratuais e a intervenção do Estado contra eventuais abusividades nesta mesma relação, trazem à tona uma discussão pertinente. É através da função social do contrato que o Estado buscará mecanismos capazes de restringir as desigualdades existentes na seara contratual. Mecanismos como a instituição das cláusulas abusivas, utilização da Teoria da imprevisão constantes no Código de Defesa do Consumidor revelam a busca do equilíbrio de interesses entre as partes contratantes, vez que a igualdade deve ser garantida a estes. Porém, cumpre esclarecer que para Alexandre de Morais, a igualdade abrange o aspecto formal e material, o primeiro refere-se à abstenção do Estado sob qualquer forma de tratamento desigual, caracterizado por ações discriminatórias e arbitrárias, rompendo claramente com o pensamento medieval em que os indivíduos deveriam ser tratados de acordo com os estamentos e castas a que pertenciam. Ao prestar a tutela jurisdicional o Estado deve ser cego diante das desigualdades e impedir a preponderância de privilégios entre as partes. Já o aspecto material refere-se às condições de oportunidades aos grupos socialmente excluídos a fim de inseri-los na sociedade, proporcionando-lhes assim, a igualdade formal e material. Portanto, essa proteção deve ser conferida até na esfera contratual.

           

 

 

 

CAPÍTULO I - SURGIMENTO DA CONCEPÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

 

            1.1 Da formação do contrato

 

Desde o início da civilização as pessoas sentiram a precisão de se organizarem entre si, a fim de atender suas necessidades básicas. Com o surgimento da moeda, bem como o aumento da circulação de riquezas as relações negociais dos indivíduos foram se tornando mais sólidas, surgindo assim a idéia de utilização de contratos. Essa idéia vem sendo moldada desde a época dos romanos. É através do contrato que a desconfiança entre os contratantes é remediada, além de proporcionar segurança com a devida redução de riscos para a concretização dos interesses almejados.

Desde o jusnaturalismo até o surgimento do capitalismo liberal, as contratações eram regidas pelo individualismo, ou seja, irrestrita a liberdade de mercado, sem qualquer interferência do Estado. O indivíduo contratava com quem queria, da maneira que queria, e os ajustes seriam da forma e com a obrigatoriedade ditada pelo mesmo. Era a verdadeira manifestação absoluta da vontade individual.

Dessa forma o contrato era lei entre as partes, desprezando assim, quaisquer desigualdades entres os contratantes, respaldados apenas na exigência da boa-fé. O contrato teria que ser honrado de qualquer forma, independente de qualquer empecilho que pudesse surgir. Através do consentimento das partes o vínculo contratual firmado estaria perfeito. O contrato era centrado em bases exclusivamente individuais, presumindo uma igualdade formal entre os contratantes.

Contudo, com o surgimento do Estado Social, caracterizado pelo poder de limitar e controlar os poderes econômicos e sociais, além de tutelar os mais fracos, o capitalismo perdeu grande força no contexto das relações econômicas. Nesse momento histórico surge o Socialismo, mostrando que esse tipo de liberdade em contratações era um instrumento de opressão contra a parte mais fraca. Portanto, o Estado é chamado a interferir, buscando assim, um equilíbrio entre as partes contratantes. Trata-se do início do dirigismo contratual. Através da própria mudança da sociedade o contrato teve que se investir de nova roupagem.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a visão social antes enfraquecida devido às influências do capitalismo liberal, reveste-se de força constitucional. Os direitos fundamentais da pessoa humana ganham alicerce em princípios constitucionais como Dignidade e Igualdade. Através do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana surge uma incompatibilidade com disposições contratuais desiguais que ocasionam desequilíbrio, além da ausência de boa-fé. Uma das características das Constituições Sociais é que regulam a ordem social e econômica para além do que almejava o Estado Liberal.

Embora o Código Civil tenha uma vertente extremamente liberalista, a Constituição Federal de 1988 representa a Soberania Popular e sem dúvidas os direitos fundamentais previstos na Carta Magna exerceram grande influência na seara do direito privado. Trata-se da constitucionalização do Direito Civil, ou seja, o Direito Civil hoje é interpretado à luz da Constituição Federal de 1988.

Direitos fundamentais, por se tratarem de Cláusulas Pétreas, seus efeitos não precisam ser regulamentados através de lei, já que possuem eficácia absoluta, alcançando um alto grau de legitimidade e imperatividade de seus preceitos.  Destarte, torna-se fundamental a efetividade de tais mandamentos. A eficácia social das normas constitucionais opera-se quando a norma sai do campo abstrato e incide no caso concreto, cumprindo sua finalidade precípua.

Um dos grandes objetivos do Princípio da Igualdade e Dignidade é garantir a liberdade jurídica dos cidadãos frente ao poderio econômico e avassalador do Estado ou de grupos. Portanto, é através dos direitos fundamentais que a distinção entre Estado e Sociedade é formada, garantindo-se a autonomia privada. Essa autonomia privada deve ser protegida pelo Estado, com a finalidade de garantir nas relações privadas tratamento igualitário a todos os cidadãos. Assim sendo, com essa idéia de dignidade e igualdade o contrato passa a ter uma função social

Por ser o Estado brasileiro Democrático Social de Direito, não se admitiria a intervenção arbitrária do Estado ao ponto de suprimir as liberdades individuais dos cidadãos. No entanto, seria necessária a positivação de certas limitações, a fim de conferir-lhes força formal, capaz de estabelecer seu adequado alcance. “Tais direitos constituem condição de existência e medida de legitimidade de um autêntico Estado Democrático e Social de Direito.” (SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 74.).

Dessa forma o contrato passa a ter sua importância não mais na mera manifestação de vontade, mas acima de tudo nos efeitos trazidos à sociedade que decorrerão da sua formalização, além de levar em conta a situação econômica e social das partes contratantes. Surgindo daí a nova concepção de contrato dentro da realidade do Estado Social, em que a vontade perde seu posto de núcleo principal face o surgimento de outro elemento de extrema importância para contrato que é o interesse social.

Assim sendo, o contrato evoluiu, pois antes a base era a manifestação da vontade, agora se torna um instrumento jurídico social. Através da busca do equilíbrio de vontades é que a lei passa a proteger os interesses sociais, atuando como limitadora e verdadeira legitimadora da vontade.

Maria Helena Diniz enfatiza que para a formação de qualquer contrato o acordo de vontades é fundamental, sendo ele recíproco, surge nesse instante a idéia de existência do contrato. Contudo, o contrato surge do resultado de uma série de fases, como por exemplo: negociação preliminar, proposta e aceitação. Por meio das negociações preliminares as partes podem desde esse momento formular a minuta em regra reduzida a escrito estabelecendo pontos constitutivos do conteúdo do contrato sobre os quais já chegaram a um acordo. Cumpre esclarecer que nessa fase ainda não existe o vínculo jurídico entre as partes, pois esse pré-contrato serve de modelo para o contrato que depois se realizará.

              Embora falte obrigatoriedade aos entendimentos preliminares, excepcionalmente pode surgir a responsabilidade civil para os participantes do contrato, no campo da chamada culpa aquiliana. Por exemplo, no caso de um dos contratantes criar no outro a expectativa de que o negócio será celebrado, levando-o a despesas, o impedindo de contratar com terceiros ou alterar planos de sua atividade imediata e depois desistir do negócio injustificadamente, arbitrariamente, causando-lhe grandes prejuízos, terá, portanto, a obrigação de ressarcir todos os danos. Trata-se de uma responsabilidade pré-contratual, fundada no princípio da boa-fé, bem como nos art. 186 e 927 do Código Civil, que dispõem sobre os atos ilícitos.

O Código Civil nos arts. 462 a 466, disciplinam o contrato preliminar, dispondo que esse deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado. Se não houver cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinalando prazo para que a outra parte o efetive. Se ao contrato preliminar não for dado a execução pelo o estipulante, poderá a outra parte considera-lo desfeito e pedir perdas e danos, tendo em vista que não há possibilidade de arrependimento.

Assim sendo, o contrato preliminar tem por escopo delinear os contornos do contrato definitivo que se pretende efetivar, gerando direitos e deveres para as partes contratantes, que assumem a obrigação de celebrar o contrato final.

Já em relação a proposta, esta é uma declaração receptícia de vontade, dirigida por uma pessoa a outra. Reveste-se de força vinculante em relação ao que a formula.

              A aceitação é a manifestação da vontade, que pode ser expressa ou tácita. Essa aceitação deve ser oportuna, ou seja, deve ser proferida dentro do prazo para concedido na policitação. (DINIZ, Maria Helena. Manual de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 166-170).

 

               1.2 Interpretação do contrato

 

               Tendo em vista que o contrato origina-se por uma declaração de vontade, é necessária uma interpretação de seus termos, dada a possibilidade de conter cláusulas duvidosas, obscuras e controvertidas. Através da interpretação contratual, os princípios da boa-fé objetiva (art.422, CC) e da conservação do aproveitamento do contrato, em que se presume que os contratantes agiram com probidade.

               A interpretação do negócio jurídico contratual se dá em virtude do conteúdo da declaração de vontade. Portanto o Código Civil dispõe que:

               1º) nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção do que ao sentido literal da linguagem (art. 112, CC);

               2º) os contratos benéficos ou gratuitos deverão ser interpretados restritivamente (arts.112 e 114, CC);

               3º) a fiança se dará por escrito e não admitirá interpretação extensiva (art.819);

               4º) os negócios jurídicos deverão ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração (art. 113, CC);

               5º) nos contratos por adesão, com cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente (art. 423,CC).

              Todo o estudo que fizemos em torno dos contratos está baseada na Teoria Contratual que através da doutrina das obrigações tem por finalidade caracterizar o contrato, abrangendo dentro deste conceito todos os negócios jurídicos resultantes de acordo de vontades, de modo a unificar sua feição e excluir quaisquer controvérsias, seja qual for o tipo de contrato, desde que se tenha um acordo bilateral ou até plurilateral de vontades, além de verificar se o vínculo obrigacional dele decorrente é resultante de lei, porque é ela que disciplina o contrato em todos os seus termos, sancionando-o e garantindo-o. (DINIZ, Maria Helena. Manual de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 163-165).

              Diante de tudo que vimos, observamos que o conceito de contrato evoluiu devido as mais diversas transformações, sua origem se dá justamente no seio social, embora adquira um aspecto próprio nos dias atuais quanto à sua função social.

              Através da boa-fé o contrato é derivado devendo pactuar mediante o elemento volitivo entre duas ou mais partes em que se busca a satisfação das necessidades e anseios dos indivíduos. Contudo, nem sempre prevalece a vontade do particular frente às operações econômicas que na grande maioria das vezes caminha para um objetivo contrário aos comportamentos e direitos dos indivíduos.                Embora o Estado seja dotado de soberania esta não detém autonomia, mas objetiva resguardar a intimidade privada, considerada como questão até de sobrevivência. A partir do momento em que a sociedade evolui, conseqüentemente evoluirá também as relações econômicas entre os indivíduos dessa sociedade. Tais relações deverão ser reguladas de forma a se atingir a jurisdicionalização dos procedimentos e relações dos indivíduos na própria relação social. Em conseqüência desta formação contratual, não temos como precisar o marco inicial do instituto do contrato em relação a sua organização social e jurídica, bem como o seu momento histórico, pois ele está intimamente ligado com o desenvolvimento da civilização.

              Portanto, a nova roupagem do contrato se deu com a modificação do Estado liberal para o Estado social dando fim absoluto ao direito subjetivo. Ao Estado cabe precipuamente a função de garantidor e regulamentador das regras de livre contratação, vez que é regido pela Constituição Federal, devendo obediência aos princípios ali expostos.

              Devido as mudanças e grandes transformações que marcaram a sociedade, houve a limitação da autonomia de vontade, pois essa seguiria no mesmo percurso das mudanças sociais que englobam aspectos econômicos e políticos. De fato essas mudanças foram importantes, vez que proporcionaram proteção às partes que realizavam negócios, todavia, devido ao grande número de capital circulante o protecionismo estatal prevaleceu favorecendo o comerciante e a indústria. Entretanto, o contrato passou a ter uma roupagem mais voltada para a realidade social, buscando dessa forma nivelar as desigualdades existentes entre as partes contratantes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO II - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA ESFERA CONTRATUAL

 

 

Diante do novo contexto apresentado pela Constituição Federal de 1988, alguns dos princípios contratuais ganharam uma roupagem social, dos quais podemos elencar: a) Princípio da boa-fé objetiva; b) Princípio da função social do contrato; c) Princípio da Equivalência material do contrato; d) Princípio da Supremacia da Ordem Pública; e) Princípio da autonomia da vontade; f) Princípio da força obrigatória g) Princípio da relatividade dos contratos.

              Ressalte-se que princípios de cunho liberal continuam a reger as relações contratuais de consumo, tais como: Princípio da Autonomia Privada, Pacta Sunt Servanda, Relatividade Subjetiva, Princípio do Consensualismo, contudo, houve uma limitação do conteúdo para atender a proporcionalidade.

De acordo com Paulo Luiz Neto Lobo, parte dos princípios que regem as relações de consumo estão elencados no art.4º do Código de Defesa do Consumidor, podendo ser agrupados da seguinte forma: a) Parte do inciso III conduz implicitamente ao Princípio da  Função Social, Boa-fé; b) Inciso I e Parte do inciso III conduz implicitamente ao Princípio da Relatividade Subjetiva, vejamos: (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil. Jus Navegandi, Teresina, ano 7, nº 55, 1 marc. 2002. Disponível em: http//jus.uol.com.br/revista/texto/2796. Acesso em 15/06/2011).

 

Art. 4º do Código de Defesa do Consumidor:

 

(...) inciso I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

(...) inciso III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

              

              Todo o corpo principiológico que rege as relações contratuais está intimamente ligado aos princípios do respeito e proteção à dignidade da pessoa humana, presente no texto constitucional (art. 1º, CF), dando tutela jurídica aos contratantes para que se efetive a função social do contrato e da justiça social.  (DINIZ, Maria Helena. Manual de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 164-165).

 

             2.1 Princípio da Equivalência Material ou Relativização Subjetiva

              

         Paulo Luiz Neto Lobo enfatiza que é através desse princípio que se buscará uma harmonização de interesses, ou seja, um equilíbrio entre as partes no que concerne a direitos e deveres oriundos da relação contratual, seja no início ou durante a execução do contrato. A obrigatoriedade da exigência do cumprimento do contrato deixa de ser absoluta. O que se busca é evitar que sua execução se torne em vantagem excessiva para uma das partes e desvantagem para outra. Uma nova releitura do Princípio do Pacta Sund Servanda é no sentido de que o contrato obriga as partes no limite do equilíbrio entre direitos e deveres. (LÔBO, Paulo Luiz Netto, Princípios sociais dos contratos no CDC e no Novo Código Civil. Jus Navegandi,Teresina, ano 7, nº 55, 1 marc. 2002. Disponível em: http/jus.uol.com.br/revista/texto/2796. Acesso em: 15/06/2011).

 

         É também através desse princípio que a vulnerabilidade do consumidor é tutelada, ou se tratando de contratos regidos pelo direito civil, a vulnerabilidade de uma das partes. Esse princípio traz dois aspectos importantes, quais sejam: objetivo e subjetivo. O primeiro refere-se ao real desequilíbrio que entre direitos e deveres contratuais que podem se apresentar tanto no início da relação como no decorrer de sua execução. O segundo aspecto leva em consideração a parte contratante que exerce o maior domínio na relação contratual, bem como a identificação da parte que apresenta presunção legal de vulnerabilidade.

 

              2.2 Princípio da Boa-fé

              Este princípio surgiu no direito romano. Para eles à boa-fé, a prudência e a cautela seriam requisitos essenciais utilizados para analisar assuntos alheios à sua esfera. A boa-fé tem diversas acepções, podemos considerá-la como comportamento pautado em valores éticos como a honestidade, lealdade, moralidade, constituindo o resultado de necessidades éticas essenciais Esses valores devem ser alcançados antes, durante e após a celebração do contrato. Desse princípio decorre o dever de cuidado, informação, segurança, previdência, aviso de esclarecimento e o de prestar contas.

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              O principio da boa-fé encontra-se disposto no art. 4º, III do Código do Consumidor, servindo como instrumento de controle das cláusulas contratuais abusivas. O grande objetivo desse princípio é evitar que se cometa abuso nas contratações. Através do surgimento do Código de Defesa do Consumidor uma nova releitura do princípio da boa-fé se mostrou indispensável, caracterizado por representar o valor da ética e da verdade. Esse princípio serve de exemplo para as contratações em massa devendo incidir na interpretação dos mais variados contratos. É o princípio principal e basilar que rege o Código de Defesa do Consumidor e as relações contratuais, trazendo em si fundamentos como o respeito, a lealdade, a confiança, a ética e a fidelidade nas relações contratuais. Além desses fundamentos o princípio da boa-fé gera deveres secundários, impondo as partes comportamentos obrigatórios, ainda que não estejam previstos no texto do contrato para dessa forma garantir as expectativas das partes na relação contratual.

              De acordo com Cláudia Marques, o princípio da boa-fé possui várias funções, entre elas podemos citar: 1) é fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual, surgindo os chamados deveres anexos 2) como causa limitadora do exercício dos direitos subjetivos e 3) na concreção e interpretação dos contratos.

A primeira função é criadora, pois surgem novos deveres (anexos) advindos dos deveres das prestações contratuais. A segunda função serve de limite para o exercício abusivo dos direitos subjetivos reduzindo a liberdade de atuação dos contratantes ao definir algumas condutas e cláusulas como abusivas, controlando a transferência dos riscos profissionais e libertando o devedor em face da não razoabilidade de outra conduta. A terceira e última função é voltada para a interpretação que define tal princípio como o melhor caminho para a interpretação de um contrato.

A boa-fé na fase de conclusão do contrato é requisito exigido tanto para o consumidor quanto ao fornecedor de modo a fazer com que na relação contratual haja “transparência”  além de se manter o equilíbrio entre as partes. Doutrinariamente o princípio da boa-fé divide-se em duas vertentes: boa-fé subjetiva, que corresponde a consciência ou convicção da prática de um ato conforme os ditames do direito e a boa-fé objetiva, que refere-se a uma regra de conduta que determina  às partes algum comportamento. (MARQUES, Cláudia Lima et al. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: arts. 1º à 74: aspectos materiais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.p. 124 e 125).

Há no sistema contratual do Código de Defesa do Consumidor a obrigatoriedade pelas partes contratantes, da adoção de uma cláusula geral de boa-fé, que se reputa existente em todo e qualquer contrato que verse sobre relação de consumo, mesmo que não inserida expressamente nos instrumentos contratuais que regem a relação contratual. (ZANCHI, Amanda Thais. Revista Jus Vigilantibus, Sabado, 16 de setembro de 2006. Disponível em: http:www.direitonet.com.br/artigos. Acesso em: 17/06/2011).

              Como vimos a boa-fé sempre esteve presente no mundo das obrigações, principalmente ao se falar de revisão contratual, cuja finalidade é anular o negócio jurídico constituído em erro, dolo ou coação, ou qualquer dos vícios de consentimento. Todavia, com o advento do Código de Defesa do Consumidor este princípio foi remodelado de acordo com a função social. Dessa forma adotou uma forma objetiva para a análise das situações que envolvessem os contratantes, tendo como alicerce o equilíbrio dessas relações. Objetiva restabelecer o princípio da lealdade contratual, buscando a segurança social.  Diante desse quadro o juiz ocupa posição de destaque, pois a ele incumbe o dever de aplicar o princípio da boa-fé objetiva com a finalidade de tornar a relação contratual mais justa e eqüitativa, observando as peculiaridades do negócio jurídico. Exerce papel de equilibrador dessas relações, devendo intervir para corrigir erros atuando firmemente na função de agente de mudança.

              2.3 Princípio da Autonomia da vontade

 

              Através do próprio nome do princípio em comento compreendemos que não há contrato sem vontade das partes. Esse princípio tutela principalmente a ampla liberdade de contratar, onde os contratantes disciplinam seus interesses mediante acordo de vontades. Esse princípio prevaleceu na Revolução Francesa, no entanto, a forma de contratação era dotada pelo individualismo e a ampla liberdade de contratar sem a interferência do Estado.

              No entanto, esse princípio não autorizava a realização de contratações contrárias aos ideais de justiça. Portanto, a liberdade de contratar vem encontrando limites principalmente nas cláusulas gerais que dispõem sobre a função social do contrato, da boa-fé e do Código de Defesa do Consumidor.

              Para Maria Helena Diniz, esse princípio se funda basicamente na liberdade contratual dos contratantes, consistindo no poder de estipular livremente, da melhor forma, mediante acordo de vontades a disciplina de seus interesses, provocando efeitos tutelados na ordem jurídica. Compreende a liberdade contratual, que consiste na determinação do conteúdo da avença e da criação de contratos atípicos, e liberdade de contratar, referente à de celebrar ou não o contrato e à de escolher o outro contratante. (DINIZ, Maria Helena. Manual de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 164-165).

 

              2.4 Princípio da Supremacia da Ordem Pública

 

               Por este princípio a liberdade de contratar encontra mais uma limitação, qual seja: a ordem pública. Informando que interesse da sociedade deve prevalecer em face do interesse individual. Como sabemos o princípio da autonomia da vontade não é absoluto, sendo limitado justamente pela supremacia da ordem pública, tendo por base a constatação de que a ampla liberdade de contratar gerava desequilíbrio nas relações entre as partes. Portanto, foi necessária a intervenção do Estado com a finalidade de equilibrar as relações proporcionando igualdade nas contratações. Orlando Gomes, “Em suma, a noção de ordem pública e o respeito aos bons costumes constituem freios e limites à liberdade contratual”. (GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.89).

 

              2.5 Princípio do Consensualismo

 

               Por este princípio se extrai a idéia de que para a perfeição do contrato bastaria o acordo de vontades, ou seja, o consenso, independentemente da entrega a coisa. A maioria dos contratos em regra são consensuais, entretanto, existem contratos reais, que somente se aperfeiçoam com a entrega da coisa, após a manifestação de vontade pelas partes. Existem contratos que são considerados solenes, ou seja, para a sua validade é necessária a observância de certas formalidades.

 

              2.6 Princípio da Relatividade dos Efeitos do Contrato

 

              Este princípio informa que os efeitos oriundos do contrato decorrente da manifestação de vontade entre as partes somente atingem as partes contratantes, não atingindo a terceiros. Tal princípio se encaixa perfeitamente com o modelo clássico de contrato, onde o objetivo era atender unicamente as necessidades individuais. Porém, com o advento da Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002, o contrato não passa a ser apenas um instrumento para a satisfação de interesses individuais, tendo que desenvolver acima de tudo a sua função social. Dessa forma, terceiros que não fazem parte do contrato podem influir neste desde que estejam sendo por ele atingidos.

Fulano de tal enfatiza que:

Nessa conformidade, a nova concepção da função social do contrato representa, se não ruptura, pelo menos abrandamento do princípio da relatividade dos efeitos do contrato, tendo em vista que este tem seu espectro público ressaltado, em detrimento do exclusivamente privado das partes contratantes.

 

              Dessa forma, o contrato não aproveita nem prejudica terceiros, estando vinculado exclusivamente as partes que nele interviram. Contudo, esse princípio sofre exceções, como por exemplo, nos casos dos herdeiros universais (art. 1792, CC) de um contratante que, embora não tenha participado da formação do contrato, sofrem seus efeitos; no entanto a obrigação do de cujos não pode ultrapassar os limites das forças da herança; também tem o caso da estipulação em favor de terceiros, do contrato por terceiro e do contrato com pessoas a declarar. (DINIZ, Maria Helena. Manual de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 165).

 

 

 

2.7 Princípio da Obrigatoriedade dos Contratos

 

              A força vinculante dos contratos é representada por esse princípio que é conhecido classicamente como Pact Sunt Servanda. Note-se que de nada adiantaria se os contratos não fossem dotados de força obrigatória. Pelo visto não teria ao menos validade jurídica. Através do Princípio da Autonomia da vontade as partes são livres para contratarem de forma e da maneira que quiserem, contudo, ao contratarem este acordo firmado deverá ser cumprido, não devendo fugir de suas conseqüências, a não ser que tenham anuência do outro contratante. Contudo, essa obrigatoriedade foi sendo relativizada em face de própria liberdade contratual que também é relativizada. Dessa forma se passa a aceitar em caráter excepcional a intervenção judicial no conteúdo de certos contratos, a fim de proporcionar o equilíbrio das relações. Embora este princípio tenha sido relativizado não significa que desapareceu, mas o que não se admite mais é a obrigatoriedade quando uma das partes está em posição de desequilíbrio, decorrendo daí grande vantagem para a outra parte. 

              Maria Helena Diniz dispõe que esse princípio, também chamado de Princípio da Obrigatoriedade da Convenção exige que as estipulações feitas no contrato devem ser fielmente cumpridas, sob pena inclusive de execução patrimonial contra o inadimplente.

              O contrato é intangível, a menos que ambas as partes rescindam voluntariamente ou haja a escusa por caso fortuito ou força maior (art. 393, CC). O direito atual ainda mantém tal princípio, mas com atenuações, pois atualmente, a lei, a doutrina e os tribunais, baseados pelo dirigismo contratual, informam que o princípio do pacta sunt servanda não é absoluto porque está justamente limitado pelo princípio do equilíbrio contratual, que dá ao juiz, excepcionalmente, um poder de revisão por imprevisibilidade sobre os atos negociais, ou seja, havendo desigualdade superveniente das obrigações contratadas, bem como o enriquecimento ilícito de um dos contratantes poderá o juiz decretar a resolução do contrato. (DINIZ, Maria Helena. Manual de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 164-165).

 

 

 

              2.8 Princípio da Revisão dos Contratos ou da Onerosidade Excessiva

 

              Em contraposição ao princípio da obrigatoriedade este princípio se encontra, pois permite a revisão junto ao Judiciário em situações específicas com objetivo de alterar a convenção, tornando-a mais humana.  A origem deste princípio remonta a Idade Média quando foi constatado que fatores externos podem gerar, quando da execução do acordo, uma situação diversa da que existia no momento da celebração, sobrecarregando excessivamente o devedor.

 

               2.9 Teoria da Imprevisão

 

              Conhecida classicamente como cláusula rebus sic stantibus na qual se presume a existência de cláusula implícita em contratos de trato sucessivo, comutativo e de execução, onde pressupõe a inalterabilidade da situação de fato para a obrigação obrigatória do seu cumprimento. Se houver modificação decorrente de acontecimento extraordinário o prejudicado poderá requerer ao juiz que o isente da obrigação de forma total ou parcial. Portanto, essa teoria consiste no desfazimento ou revisão forçada do contrato por eventos imprevisíveis e extraordinários quando as prestações avençadas tornarem extremamente onerosas para uma das partes.

              Portanto, essa teoria tem aplicabilidade quando uma situação nova e extraordinária apareça durante a execução do contrato, colocando uma das partes em risco. Assim sendo, essa nova situação extraordinária transforma o contexto em que se celebrou o contrato, fazendo crer que com certeza uma das partes não teria aceitado o negócio se imaginasse a possibilidade da ocorrência daquela situação.    De fato a legislação consumerista é um modelo de intervencionismo estatal nas relações entre particulares, como conhecemos tratar-se de dirigismo contratual.

O que se busca na realidade é conferir ao consumidor ampla proteção, pois o consumidor, sem dúvidas, é a parte vulnerável, hipossuficiente em relação aos fornecedores, principalmente na esfera jurídica, onde não detém capacidade de avaliar as consequências das obrigações que contrai.

              Para alguns doutrinadores a Teoria da Imprevisão está prevista no Código de Defesa do Consumidor em seu art. 6º, V, onde dispõe que são direitos do consumidor a modificação as cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (...). No entanto, outros doutrinadores entendem que a revisão do contrato para buscar o equilíbrio contratual frente ao consumidor pode ser exercido mesmo que o fato seja previsível. Há divergência também na doutrina no sentido de alguns considerarem o dispositivo em referência como Teoria da Imprevisão e outros não. Porém, o Superior Tribunal de Justiça tem manifestado posição no sentido de considerar que referido artigo dispensa a prova do imprevisível ou extraordinário, bastando apenas a demonstração da excessiva onerosidade ao contratante. Diante das celeumas podemos chegar ao entendimento que embora o art. 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor não autorize em seu texto resolver o contrato por onerosidade excessiva, como preconiza a Teoria da Imprevisão, possibilita, no entanto, a revisão do contrato a fim de equilibrar a relação em favor do consumidor. Dessa forma torna-se bem mais amplo e melhor do que a própria Teoria da Imprevisão já que o fato superveniente pode ser previsível.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO III - FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

 

             3.1. Objetivos da função social

 

Entende-se por função social lato sensu, a proteção que o ordenamento jurídico confere aos pobres e desamparados, mediante a adoção de mecanismos que proporcionem uma repartição equilibrada das riquezas, trata-se da aplicação do princípio da Igualdade substancial. (citar fonte)

A igualdade abrange o aspecto formal e material, o primeiro refere-se à abstenção do Estado sob qualquer forma de tratamento desigual, caracterizado por ações discriminatórias e arbitrárias, rompendo claramente com o pensamento medieval em que os indivíduos deveriam ser tratados de acordo com os estamentos e castas a que pertenciam.

Ao prestar a tutela jurisdicional o Estado deve ser cego diante das desigualdades e impedir a preponderância de privilégios entre as partes. Já o aspecto material refere-se às condições de oportunidades aos grupos socialmente excluídos a fim de inseri-los na sociedade, proporcionando-lhes assim, a igualdade formal e material. (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. pp. 67-68.)

Objetiva tratar os desiguais igualmente na medida de suas igualdades. A concretização dessa igualdade material é implementada através da realização de políticas de discriminação positivas que consiste em ações destinadas a suprir as desvantagens impostas historicamente por condições étnicas, religiosas, econômicas e classistas.

O dever em comum dos poderes é abordado de forma minuciosa por Ingo Wolfgang Sarlet, ao tratar da eficácia vinculante dos direitos fundamentais, em várias acepções, tais como: a vinculação do poder público aos direitos fundamentais, a vinculação do legislador aos direitos fundamentais, vinculação dos órgãos administrativos (Poder Executivo) aos direitos fundamentais, a vinculação dos juízes e tribunais aos direitos fundamentais, bem como a vinculação na esfera jurídico-privada dos direitos fundamentais. (SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2007. pp. 388-399.)

 

O Estado tem o dever de promover a Igualdade entre seus cidadãos através da eliminação da pobreza, da ignorância, da excessiva desigualdade entre seus cidadãos.

 

Nesse sentido, podemos construir um conceito de função social do contrato como sendo a finalidade pela qual visa o ordenamento jurídico a conferir aos contratantes medidas ou mecanismos jurídicos capazes de coibir qualquer desigualdade dentro da relação contratual. (FERREIRA, Carlos Alberto Goulart. Contrato da Função Social, Publicada na RJ nº 247 – MAI/98, p. 9. Disponível em: http://www.principios.varginha.ber/artigos. Acesso em 22/06/2011).

 

Não se quer com isso coibir a liberdade contratual, pelo contrário, esta prevalece, as partes continuam livres para contratar o que quiserem, o contrato permanece com seu caráter obrigatório, contudo, essa liberdade deve estar pautada nos valores da dignidade humana. O contrato deve objetivar o bem-estar social. A inquietação social oriunda de relações contratuais desproporcionais deve ser impedida pelo Estado. Portanto, a lei passa a limitar a autonomia da vontade em detrimento do interesse social.

 

Limita-se a autonomia da vontade para permitir que as vontades realmente se manifestem de forma equitativa e paritária, a liberdade passa a ser vista como substrato do contrato apenas na medida em que proporciona a justiça nas contravenções. A obrigatoriedade resulta simplesmente da função prática do contrato, restando condicionada ao equilíbrio do ajuste e não mais apenas à manutenção das condições contextuais à época da avença. É a teoria da lesão alargando os horizontes da já aplicada teoria da imprevisão. (CARLOS, Larissa Freitas. Os contratos e o Código de Defesa do Consumidor: algumas considerações acerca da nova teoria contratual. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em:<http://jus.uol.com.br/revista/texto/705>. Acesso em: 07 jul. 2011).

 

Para que a relação contratual seja justa a liberdade entre os contratantes deve ser conferida de forma igualitária, esta deve estar ligada aos interesses sociais reconhecendo como valor absoluto a dignidade humana. O desequilíbrio entre fornecedor e consumidor é natural, exigindo justamente o surgimento de uma forma capaz de colocar os contratantes em pé de igualdade. A partir daí a função social do contrato é reconhecida como uma harmonização entre a autonomia privada e o bem-estar social. Se o contrato fosse pautado apenas na liberdade individual, com força obrigatória, estaria fora dos parâmetros da idéia contemporânea de Estado.

É justamente a partir da função social que o Estado deve impedir a opressão do mais forte ao mais fraco. O próprio Código Civil em seu Art. 421 enfatiza que: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

Portanto, é necessário que o Poder Público atente para sua função fundamental que é proporcionar o bem-estar social. A nossa Carta Magna expressa através de seus artigos sua real preocupação em prover uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, capaz de assegurar a todos condições essenciais para o exercício de direitos, tendo como alicerce o Estado Democrático, elegendo a justiça como um dos valores supremos, conforme enfatizado no preâmbulo constitucional. Portanto, as relações contratuais firmada entre indivíduos no âmbito do Direito Civil estão de acordo com a Constituição Federal de 1988 e esta não admite mais contratos que não realizem a sua função social.

Enquanto houver ordem econômica e social haverá Estado Social; enquanto houver Estado Social haverá função social do contrato. (LÔBO, Paulo Luiz Netto, Princípios sociais dos contratos no CDC e no Novo Código Civil. Jus Navegandi,Teresina, ano 7, nº 55, 1 marc. 2002. Disponível em: http/jus.uol.com.br/revista/texto/2796. Acesso em: 15/06/2011).

O Princípio da função social do contrato determina uma harmonização entre os interesses individuais das partes contratantes e os interesses sociais. Em caso de conflito entre eles prevalecerá o interesse social. O art. 170 da Constituição Federal de 1988 informa que toda atividade econômica, incluindo-se o contrato, visto ser instrumento dela, deve buscar com prioridade a justiça social. Esse princípio tem poder de impor condutas, restringir a liberdade de imposição de direitos e obrigações, sendo norma puramente restritiva.

Orlando Gomes dispõe:

 

A função social do contrato funciona em meio à circulação de riquezas, com o objetivo de regular a riqueza de cada pessoa em forma de representação jurídica, mormente às inovações no mundo financeiro visando à solidariedade social. (GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.105).

 

O princípio da função social é uma das mais importantes inovações do direito no âmbito contratual, tendo em vista que o modelo clássico de contrato tornara-se ineficaz, vez que permitia que acordos fossem realizados com grande desvantagem de uma das partes. Alguns doutrinadores diante desse quadro fático proclamaram a morte do contrato, todavia, o que de fato ocorreu foi sua transformação implementada através da intervenção direta do Estado na esfera privada de interesses dos indivíduos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO IV- PROTEÇÃO CONTRATUAL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

 

             4.1 O Código de Defesa do Consumidor

 

Tendo em vista o aumento crescente das relações de consumo no Brasil, tendo por base o aumento significativo da renda média do brasileiro, do menor grau de desemprego, o Estado não poderia ficar omisso a essa realidade. Os bens e serviços são aproveitados de forma a serem consumidos e utilizados prontamente. Os artigos artesanais foram sendo substituídos pela produção em massa, o contrato individualizado foi modificado pelo padronizado, abrindo caminho para diversas práticas abusivas, criando um ambiente extremamente agressivo para o consumidor.  

Essa nova perspectiva traz cidadãos bombardeados diariamente pela mecanização dos contratos em massa. Antes do surgimento do Código de Defesa do Consumidor, as relações entre consumidor e fornecedor eram regidas pelo Código Civil de 1916, em que os contratantes estavam em pé de igualdade.

A defesa do consumidor integra a atividade econômica, que faz parte dos princípios gerais disposto do art. 170, inciso V da Constituição Federal. O surgimento do Código de Defesa do Consumidor se deu de forma vitoriosa e hoje é uma das legislações mais modernas do Brasil.

Através do Código de Defesa do Consumidor houve o reconhecimento da fragilidade, vulnerabilidade do consumidor frente aos avanços tecnológico existentes nos produtos e serviços, que fez com que o consumidor ficasse distante de informações básicas sobre o produto ou serviço, estando claramente em desvantagem.

A vulnerabilidade do consumidor pode se apresentar de várias formas, sendo a primeira relativa à hipossuficiência econômica, outra forma que se apresenta é a vulnerabilidade técnica, ou seja, está ligada com a ausência do direito de informação ao adquirir um produto ou serviço, ao manuseá-lo, tendo em vista que o consumidor não possui conhecimentos técnicos são ocasionados prejuízos de todos os tipos.  

O Direito do Consumidor possui grande importância social, vez que todos nós somos consumidores em potencial de uma gama de produtos e serviços, e a relação de consumo em todas as esferas tornou-se um protótipo da sociedade contemporânea.

Rogério Ferraz Donnini consagra o surgimento do Código de Defesa do Consumidor dessa forma:

O CDC limitou a autonomia da vontade, evitando, assim, os abusos que eram cometidos pela parte mais forte na relação contratual, tratando, ainda, as partes com evidente desigualdade, atingindo uma isonomia real. A imutabilidade contratual também sofreu transformações, na medida em que foi relativizada, além de se tornarem expressos os princípios da boa-fé e da eqüidade, o que possibilita a revisão do contrato se este for celebrado sem a observância desses princípios. (DONNINI, Rogério Ferraz. Direito & Defesa do Consumidor. Disponível em: http://jusnavegandi.uol.com.br/texto. Acesso em: 18/07/2011). 

 

4.2 Da tutela do consumidor

Atualmente a questão do pré-estabelecimento de clausulas e termos gerais do contrato, bem como dos contratos de adesão estão presentes em quase todos os setores da vida privada, principalmente em face da superioridade econômica e técnica entre as partes contratantes.

A mecanização dos contratos é indispensável para o moderno avanço do mercado, não temos mais como por fim a eles, todavia, as vantagens para as empresas são nítidas, também são nítidos os perigos para os consumidores que contratam sem conhecer o teor das cláusulas redigidas de forma unilateral e com o objetivo de beneficiar unicamente as empresas.

 Diante da necessidade da criação de mecanismos capazes de inibir essas relações contratuais desproporcionais, abusivas, o Estado através da criação de um sistema protetivo, dotado de Teorias humanizadoras, como a instituição das clausulas abusivas, da imprevisão, tentará buscar a verdadeira justiça contratual.

Portanto, o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor visa a esta finalidade social, ou seja, reduzir as desigualdades econômicas entre as partes contratantes, resguardando o equilíbrio contratual do consumidor brasileiro, garantindo a proteção da parte mais fraca, hipossuficiente.

A questão da liberdade do conteúdo do contrato vem sendo restringida por processos e técnicas de negociação, vez que o Estado está passando a interferir buscando o devido lugar do interesse individual ante ao interesse coletivo. A dita liberdade contratual muitas vezes não se manifesta como liberdade, pois vários consumidores adquirem bens ou serviços para suprir suas necessidades, não restando para eles outro meio, portanto, são levados a aceitarem os ajustes na forma imposta pelo fornecedor, denotando a extrema necessidade da interferência Estatal. Essa interferência não significa renúncia a forma livre de contratar. 

O cunho social do Código de Defesa do Consumidor é claramente observado quando o Estado protege o consumidor brasileiro de várias formas:

 

"O método escolhido pelo CDC para harmonizar ou dar maior transparência às relações de consumo tem dois momentos. No primeiro, cria o Código novos direitos para os consumidores e novos deveres para os fornecedores de bens, visando a assegurar a sua proteção na fase pré-contratual e no momento da formação do vínculo. No segundo momento, cria o Código normas proibindo expressamente as cláusulas abusivas nestes contratos, assegurando, assim, uma proteção a posteriori do consumidor, através de um efetivo controle judicial do conteúdo do contrato de consumo" (FERREIRA apud MARQUES, 1995, RT, p. 289)

 

              Esse dever do Estado de proteção é conferido através de disposições constitucionais inseridas no art. 5º, XXXII; art. 170, inciso V da Carta Magna de 1988. O próprio Código de Defesa do Consumidor em seu art. 6º, IV eleva a proteção contra prática e clausulas abusivas à categoria de direito básico.

Diante do aspecto social das relações contratuais, diversos princípios oriundos do Direito Civil devem ser mitigados, como por exemplo, o Princípio do Pacta Sunt Servanda não deve prevalecer para justificar a instituição de clausulas abusivas.

A proteção contratual conferida pelo Código de Defesa do Consumidor revela seu aspecto social de grande importância. Trata-se de norma protetiva que objetiva não só resguardar os mais frágeis na relação do consumo com também proteger as pessoas de nível social mais baixo que não têm consciência de seus direitos.

Um dos principais fundamentos para que se possa pleitear a tutela jurisdicional é compreender a amplitude dos direitos inerentes de cada cidadão, a fim de que em caso de lesão ou ameaça, estes, por sua vez, possam reclamá-los junto ao Judiciário. Muitas pessoas deixam de exercer seus direitos, pois a estas nem mesmo o direito à informação lhes é garantido.

Como afirma Paulo César Pinheiro Carneiro:          

 

Trata-se de pessoas que não têm condições sequer de ser partes – os “não-partes” são pessoas absolutamente marginalizadas da sociedade, porque não sabem nem mesmo os direitos de que dispõem ou de como exercê-los; constituem o grande contingente de nosso país.( CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2003. pp. 57-58.)

 

              Embora o Código de Defesa do Consumidor não tenha explicitado a função social do contrato, todo o seu corpo de artigos garante a regulamentação da função social nas relações consumeristas. Essa função social é evidente no tratamento que é dado às partes de forma equânime, transparente, equilibrada e com boa-fé, sempre em busca da justiça contratual.

              Ressalte-se que nos contratos de consumo o caráter cogente das normas de direito positivo é apresentado, não permitindo assim que a vontade das partes afastem sua incidência. Tais contratos são caracterizados pelas partes contratantes, ou seja, de um lado o fornecedor e do outro o consumidor.

 

 

                   4.3 Das Cláusulas Abusivas nos contratos de adesão

 

              Com o crescimento do consumo ocasionado pela globalização as relações contratuais necessitavam de uma transformação no que tange ao contrato, pois este instrumento de circulação de riquezas base das contratações deveria acompanhar o ritmo destas relações, já que os contratos de consumo trazem essencial relação com a economia.

             De fato, com a intensificação com que as relações contratuais passaram a ser realizadas, tornou-se materialmente impossível que as partes elaborassem o contrato de acordo com cada caso. Diante de tal perspectiva, uma chuva de contratos pré-determinados foi lançada na sociedade contemporânea. São os chamados contratos de adesão, predominando unicamente a vontade unilateral de uma das partes que impõe sua própria lei, não a apenas um indivíduo, mas a uma coletividade indefinida. Dessa forma o consumidor se mostra cada vez mais vulnerável.

Com o crescimento das demandas houve a efetiva instalação desta prática capitalista no campo comercial, todavia, a utilização desses contratos não enseja nenhuma recriminação ou abusividade por parte do fornecedor, contudo, deve existir a fiscalização e a especial tutela dos direitos do consumidor por parte do Estado.

 A abusividade existente nos contratos de adesão por vezes se caracteriza por utilização exagerada de termos técnicos na elaboração dos textos, dificultando assim a compreensão do consumidor. O tamanho da letra que é elaborado o texto do contrato às vezes é formatada com caracteres minúsculos, quase ilegíveis contrariando o art. 54, §3º do Código de Defesa do Consumidor. Outra coisa diz respeito ao grande número de cláusulas e as constantes remissões que são feitas durante a leitura do contrato capaz de tornar complexo e confuso o entendimento dos termos do contrato.

Quem propõe a aderência é que sai se beneficiando com o conteúdo do contrato, vez que resume a participação de um dos contratantes à aceitação do conteúdo essencial dos contratos. Além de possibilitarem ao fornecedor transferir riscos que são inerentes a sua atividade à esfera do consumidor. São utilizados em sua maioria para aquisição de bens de consumo.

Destarte, aquela parte que já é economicamente mais forte se vê numa posição ainda mais privilegiada nas relações de consumo modernas. Sua liberdade contratual confere-lhe o poder de proteger contratualmente seus interesses, em detrimento dos do outro contratante, até mesmo através da inclusão de dispositivos de difícil análise ou compreensão imediata. É nesse contexto que aparecem as chamadas cláusulas abusivas. (JUCÁ, Maria Carolina Miranda. Cláusulas Abusivas. Recife, disponível em: http://jusnavegandi.uol.com.br/textos. Acesso em: 22/07/2011).


               Dispensa discussão em torno das bases do instrumento do negócio. É justamente nesse ponto que são estabelecidas clausulas de conteúdo abusivo, como por exemplo, o foro de eleição do estipulante em prejuízo do foro de domicílio do consumidor, o que dificulta muito o acesso do consumidor à justiça.

Para Orlando Gomes, o contrato de adesão caracteriza-se por permitir que seu conteúdo seja preconstruído por uma das partes, eliminada a livre discussão que precede normalmente à formação dos contratos. (GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 202). 

O próprio Código de Defesa do Consumidor estabelece a definição de contratos de adesão em seu art. 54:

 

Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. 

 

              Perante a constatação da vulnerabilidade do consumidor a criação de mecanismos jurídicos capazes de resguardar os interesses dos consumidores restabelecendo o equilíbrio entre os contratantes se fez indispensável. 

De acordo com a orientação do Direito, a vulnerabilidade é o principio pelo qual o comando jurídico pátrio toma ciência da fragilidade do consumidor diante do fornecedor, essa presunção no nosso sistema é absoluta, independe de qualquer fator sócio-econômico do agente em questão. (SOLLBERG, Rafael Gondim D`Halvor. O Impacto do CDC na relação contratual. Disponível em: http://www.webartigos.com/articles. Acesso em: 25/07/2011).

O Código de Defesa do Consumidor em seu art. 51 estabelece um rol exemplificativo das chamadas cláusulas abusivas. O artigo em referência faz menção há dezesseis tipos de cláusulas abusivas, no entanto, com uma tipicidade aberta. Podemos comprovar tal afirmação por expressões presentes no caput do artigo: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos (...)”; também através da redação genérica do inciso IV: “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade”. Tal redação abre a possibilidade de outras situações (distintas das expressamente listadas).

O Código de Defesa do Consumidor adotou a variação entre tipos expressamente estabelecidos e o tipo geral para facilitar as demandas levadas ao Judiciário em relação à análise das condições gerais do contrato, pois seria impossível listar um rol dispondo de todas as cláusulas abusivas, cabendo então ao magistrado a análise de cada caso concreto em virtude de suas especificidades.  

Para Fábio Ulhoa, existe uma graduação entre as cláusulas abusivas, existindo as absolutamente inválidas constantes nos incisos I, II, III, VI, VII, VIII, XIV, XV e XVI do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor e as relativamente inválidas, presentes nos incisos IV, IX, X, XI, XII e XIII do art. 51 do mesmo diploma legal. As cláusulas constantes no primeiro bloco de incisos conduzem a um pronunciamento do juiz no sentido de declarar a nulidade e negar-lhes eficácia, já às demais produzem um pronunciamento do magistrado no sentido de considerá-las inválidas ou de modificá-las. (COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2008).

Para Nelson Nery Júnior, clausulas abusivas são aquelas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual de consumo. São sinônimas de cláusulas abusivas as expressões cláusulas opressivas, onerosas, vexatórias ou, ainda, excessivas. (JUNIOR, Nelson Nery. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2007). 

Portanto, verificamos que cláusulas abusivas são aquelas que se inseridas no contrato acarretam desequilíbrio afrontando os princípios da boa-fé e equidade. O art. 51 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que tais cláusulas são nulas de pleno direito, não surte efeitos. Ao estabelecer que as cláusulas abusivas são nulas de pleno direito, significa que o vício é parcial. Em regra não invalida o contrato completamente, somente quando sua ausência acarretar ônus excessivo a qualquer das partes.

O Código de Defesa do Consumidor adotou o princípio da conservação dos contratos ao estabelecer a nulidade exclusiva da cláusula abusiva em detrimento das demais cláusulas que permanecem válidas, desde que mantido o justo equilíbrio entre as partes.

O ponto principal no que tange ao repúdio das cláusulas abusivas é a questão do abuso de direito, ferindo diretamente a tutela contratual dos consumidores, bem como a afronta ao Princípio da Boa-fé que rege as relações contratuais. O art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor estabelece que são consideradas cláusulas abusivas aquelas cláusulas que sejam incompatíveis com a boa-fé e equidade, dada a importância do princípio em referência. Além da proteção dada através do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, o art. 6º, inciso IV do mesmo diploma legal estabelece que a proteção contra cláusulas abusivas é um direito básico do consumidor. Através dessa proteção permite-se também a possibilidade do consumidor pleitear ao juiz a modificação das cláusulas contratuais no sentido de restabelecer o equilíbrio da relação, prevendo assim a ineficácia da cláusula abusiva e não declarando simplesmente sua nulidade.

 Devido ao seu cunho de ordem pública a decretação pelo juiz ex oficio da cláusula abusiva é plenamente possível. Assim sendo, através do objetivo de equilibrar a relação contratual, admissível é a intervenção judicial na fase pré-contratual e de execução do contrato.

As cláusulas abusivas maculam tanto os contratos de adesão como os contratos chamados de paritários, caracterizados por se discutir preliminarmente as cláusulas das convenções, uma por uma. Todavia, se evidenciadas cláusulas abusivas são consideradas nulas. Contudo, cumpre esclarecer que nem todas as cláusulas pré-determinadas serão consideradas abusivas, devendo se submeter à interpretação comum dos contratos.

Através de um estudo pormenorizado do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor podemos compreender a dimensão da proteção conferida aos consumidores. Portanto, é o que faremos agora a partir da análise do núcleo central de cada um dos incisos constantes no artigo 51 do referido diploma legal.

Inciso I - dispõe sobre responsabilidade por vícios. O fornecedor não pode se eximir da responsabilidade, tendo o consumidor direito a ser indenizado por eventuais vícios existentes em produtos ou serviços a ele fornecidos. 

Inciso II - dispõe sobre a subtração da opção de reembolso da quantia já paga pelo consumidor. É direito do consumidor o reembolso de quantias já pagas em caso de rescisão do contrato, além da atualização monetária, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Inciso III - trata da transferência de responsabilidade a terceiro.

Inciso IV - obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exageradas, além de incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade. Dessa forma cabe ao magistrado analisar as cláusulas que são contrárias a boa-fé, equidade de acordo com cada caso concreto. Maria Carolina Miranda Jucá cita alguns exemplos:

 

Enquadram-se nesse dispositivo as disposições que autorizam a alteração unilateral de cláusulas contratuais, as que obrigam o aderente a litigar no juízo mais favorável ao predisponente do contrato de massa, e aquelas que, em contratos de cartão de crédito, obrigam o consumidor a arcar com eventuais dívidas surgidas entre o momento do furto, roubo ou extravio do cartão e a comunicação à Administradora acerca de tal evento, fato que somente poderia ocorrer caso ficasse configurada a culpa exclusiva da vítima (...). JUCÁ, Maria Carolina Miranda. Cláusulas Abusivas. Recife, disponível em: http://jusnavegandi.uol.com.br/textos. Acesso em: 22/07/2011).

 

 

Inciso VI - Inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor. O próprio diploma legal em seu artigo 38 estabelece que o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.

Inciso VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem. Dessa forma está impedida a instituição de cláusula que determine a sujeição do consumidor ao juízo arbitral a fim de dirimir quaisquer divergências que surgir entre as partes contratantes. Contudo, nada impede que as partes escolham para o caso concreto a arbitragem, todavia a opção tem que ser posterior à lide.

Inciso VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor. A representação do consumidor poderá ser feita desde que ele tenha livremente escolhido ser representado. Trata-se da cláusula mandato, é muito comum em contratos de leasing, seguros, em alguns contratos bancários e de cartões de crédito.

Inciso IX - Deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor. Dessa forma fica proibido o arrependimento unilateral da conclusão do contrato pelo fornecedor.

Inciso X - Permitam ao fornecedor variação de preço de maneira unilateral. Portanto, ainda que ocorram alterações econômicas que levem à necessidade de alteração de preços, é necessária a concordância do consumidor.

Incisos XI e XII - Autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que sem que igual direito seja conferido ao consumidor. Obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito Ihe seja conferido contra o fornecedor. O que se busca aqui é proibir cláusulas que beneficiem apenas uma das partes, a fim de preservar o equilíbrio contratual.

Inciso XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração. Busca-se salvaguardar o equilíbrio contratual através da preservação do princípio da inalterabilidade dos contratos.
            Inciso XIV - Infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;

            Inciso XV - Estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor.  Sistema de proteção do consumidor abrange não só o Código de Defesa do Consumidor, mas também outros diplomas legais, que indiretamente, visem a sua proteção.

              Inciso XVI - Possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. Esse tipo de cláusula é mais comum no âmbito dos contratos de locação de imóveis.

O Código de Defesa do Consumidor também estabeleceu cláusulas gerais, em que sua presença é obrigatória em todos os contratos, mesmo sendo implícitas, estariam presentes nos contratos que envolvam a relação de consumo. Dentro desse contexto encontramos as cláusulas de Transparência, onde se busca facilitar a compreensão do consumidor, através da produção do texto do contrato de forma clara e objetiva. Esse princípio encontra-se presente no art. 4º do Código de Defesa do Consumidor. 

Outra cláusula de bastante importância no mundo das relações contratuais é a cláusula da Confiança. Através da sua existência há uma maior garantia da qualidade do produto, serviço que foi adquirido baseia-se na confiança em relação ao fornecedor, ou seja, acredita-se que o produto, serviço está em perfeitas condições, livre de vícios e não oferece perigo algum.

Temos também a cláusula da informação, presente nos artigos 30 e 32 do Código de Defesa do Consumidor, regendo que toda informação ou publicidade veiculada por qualquer meio de comunicação obriga o fornecedor que dela tenha se utilizado, integrando automaticamente o contrato aos seus termos. A condição geral de segurança também se faz presente, visando prevenir os consumidores de possíveis danos, oferecendo produtos ou serviços que sejam seguros, não nocivos aos consumidores.

Embora a boa-fé objetiva já tenha sido estudo do nosso trabalho, esta se apresenta como a cláusula mais importante de todas, pois obriga que os contratantes adotem posturas corretas durante o prazo de validade do contrato, agindo de forma proba, sem intenção de prejudicar qualquer das partes. 

 

 

 




 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

 

 

Tendo em vista as perspectivas sociais trazidas pela Constituição Federal de 1988, também consagradas no Código Civil de 2002, principalmente no que tange a Teoria Contratual, a nova roupagem do contrato se deu com a modificação do Estado liberal para o Estado social dando fim absoluto ao direito subjetivo. Cabendo ao Estado a função de garantidor e regulamentador das regras de livre contratação, vez que é regido pela Constituição Federal, devendo obediência aos princípios ali expostos. A teoria contratual é dotada de princípios, no entanto, esses princípios devem ser relidos através da nova perspectiva social. Devido a tais transformações a concepção social de contrato, onde a liberdade contratual ainda prevalece, bem como as partes continuam livres para contratar o que quiserem, o contrato permanece com seu caráter obrigatório, contudo, essa liberdade deve estar pautada nos valores da dignidade humana, visando objetivar o bem-estar social.

Devido ao crescimento das relações de consumo no Brasil o Estado não poderia ficar omisso a essa realidade, vez que bens e serviços são aproveitados de forma a serem consumidos e utilizados prontamente. Os artigos artesanais foram sendo substituídos pela produção em massa, o contrato individualizado foi modificado pelo padronizado, abrindo caminho para diversas práticas abusivas, criando um ambiente extremamente agressivo para o consumidor.  

Através do Código de Defesa do Consumidor houve o reconhecimento da fragilidade, vulnerabilidade do consumidor frente aos avanços tecnológico existentes nos produtos e serviços, que fez com que o consumidor ficasse distante de informações básicas sobre o produto ou serviço, estando claramente em desvantagem. Portanto, o Código de Defesa do Consumidor vem repudiar as cláusulas abusivas que se fundamentam no abuso de direito, ferindo diretamente a tutela contratual dos consumidores, bem como a afronta ao Princípio da Boa-fé que rege as relações contratuais. O art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor estabelece que são consideradas cláusulas abusivas aquelas cláusulas que sejam incompatíveis com a boa-fé e equidade, dada a importância do princípio em referência. Além da proteção dada através do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, o art. 6º, inciso IV do mesmo diploma legal estabelece que a proteção contra cláusulas abusivas é um direito básico do consumidor. Toda essa proteção tem a finalidade de alcançar a verdadeira justiça social.

REFERÊNCIAS

 

 

CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

 

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DINIZ, Maria Helena. Manual de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2011.

 

 

GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense: 2007. 

 

JUCÁ, Maria Carolina Miranda. Cláusulas Abusivas. Recife, disponível em: http://jusnavegandi.uol.com.br/textos. Acesso em: 22/07/2011.

 

JUNIOR, Nelson Nery. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2007. 

 

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil. Jus Navegandi, Teresina, ano 7, nº 55, 1 marc. 2002. Disponível em:

http//jus.uol.com.br/revista/texto/2796. Acesso em 26/06/2011.

MARQUES, Cláudia Lima et al. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: arts. 1º à 74: aspectos materiais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004.

 

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

SOLLBERG, Rafael Gondim D`Halvor. O Impacto do CDC na relação contratual. Disponível em: http://www.webartigos.com/articles. Acesso em: 25/07/2011.

 

 

ZANCHI, Amanda Thais. Revista Jus Vigilantibus, Sabado, 16 de setembro de 2006. Disponível em: http:www.direitonet.com.br/artigos.

 

Sobre a autora
Daniele Medeiros Pereira

Advogada, com experiência no sistema socioeducativo, pós-graduada em direito civil, especialista em direitos humanos pela UFPE, mestranda em direito pela UNICAP.

Informações sobre o texto

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Trabalho de Conclusão de Especialização em Direito Civil e Processo Civil (211)..

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