Análise sobre a Convencionalidade do Art. 611-A da CLT

19/08/2020 às 22:35
Leia nesta página:

Direito Coletivo do Trabalho

Introdução

Desde que o governo de Michel Temer assumiu o poder – em 2016 – lançou-se a proposta de elaborar uma reforma no direito do trabalho – tanto material quanto processual; tanto o individual quanto o coletivo. E desde que os planos governamentais começaram a ser apresentados tem surgido as mais diversas críticas à intenção do governo, críticas do ponto de vista político, econômico, etc. – e, também, do ponto de vista jurídico.

Especialmente na seara do Direito, algumas das principais críticas dizem respeito à constitucionalidade dessa alteração a legislação – muitos especialistas a consideram inconstitucional. E efetivamente esse debate tem sido levado aos tribunais, para que seja realizado o controle de constitucionalidade, de forma concentrada, mas sobretudo pela via difusa[1].

Contudo, o exercício da jurisdição constitucional no Brasil também deve incluir o controle da convencionalidade das normas de direito interno – ou seja, o controle judicial da compatibilidade das normas editadas pelo Estado em comparação com as normas internacionais.

Nesse sentido, uma das principais críticas que se faz à reforma trabalhista é quanto à inclusão, na CLT do artigo 611-A, o qual possibilita a prevalência de acordos e convenções coletivas sobre as normas legais quanto versarem sobre quinze temas elencados nos incisos desse artigo. A crítica é que esse artigo viola normas internacionais, criadas no âmbito da Organização Internacional do Trabalho.

O presente trabalho se dedica a explicar, num primeiro momento, o que seria e como funciona o controle de convencionalidade das leis, seguindo os passos da doutrina formulada por Valerio de Oliveira Mazzuolli – pioneiro no estudo do tema no Brasil. Em seguida, será abordado Enunciado aprovado pela ANAMATRA sobre a prevalência da norma mais benéfica, e se verificará se de fato ocorreu o fenômeno da inconvencionalidade.

1. O Controle de Convencionalidade e sua aplicação no Brasil

Segundo Valério Mazzuolli[2], a Constituição Brasileira, além de prever o controle da constitucionalidade das normas, também possibilita o controle da convencionalidade dessas mesmas normas, já que o art. 5º, em seu § 3º, garante aos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos e que forem aprovados por maioria qualificada tratamento formal equivalente às emendas constitucionais[3].

Além disso, ainda seguindo a doutrina de Mazzuolli, o § 2º do mesmo artigo indica que os demais tratados que versem sobre direitos humanos (o que obvia e necessariamente inclui os direitos do trabalho), apesar de não serem formalmente constitucionais, o são materialmente[4].

Por essa razão, não somente seria possível como também se faz imperioso controlar a compatibilidade das normas brasileiras internas para com as normas internacionais de que o Brasil é signatário. Cito:

A compatibilidade do direito doméstico com os tratados internacionais de direitos humanos em vigor no país faz-se por meio do controle de convencionalidade, que é complementar e coadjuvante do conhecido controle de constitucionalidade.[5]

A incompatibilidade, quando encontrada, provoca o chamado efeito paralisante[6], que impede a aplicação da norma inconvencional – o que ocorre mesmo com as normas constitucionais, em razão do princípio pro homine, consagrado pela Constituição Federal[7].

Trata-se de mais um parâmetro de controle da justeza das normas internas – além da constitucionalidade, há que se verificar a convencionalidade das normas.

Dessa forma, todos os órgãos judicantes brasileiros (quer colegiados, quer unipessoais) tem a competência e o poder-dever de verificar essa segunda compatibilidade vertical – seria o controle difuso, que poderá tomar como parâmetro da comparação normas internacionais material e formalmente constitucionais. Por outro lado, quando os tratados forem formalmente constitucionais (art. 5º, § 3º) também será possível o controle concentrado de convencionalidade[8].

2. O enunciado da ANAMATRA

Em dezembro de 2017, a ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – realizou a segunda edição das Jornadas de Direito Material e Processual do Trabalho, oportunidade em que foram aprovadas 125 Enunciados a respeito da Reforma Trabalhista.

Pouco depois, o Presidente da ANAMATRA, Guilherme Feliciano, e o advogado trabalhista Raphael Miziara, elaboraram uma sistematização desses Enunciados por temas[9]. Nesse trabalho, a Parte IV coube ao Direito Internacional do Trabalho, a qual contém dois Enunciados, nos quais nos concentraremos, apesar de haver, em outros enunciados a menção ao controle de convencionalidade.

O segundo Enunciado contido nessa quarta Parte tem o seguinte teor:

CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DA REFORMA TRABALHISTA, AUSÊNCIA DE CONSULTA TRIPARTITE E DE CONSULTA PRÉVIA ÀS ORGANIZAÇÕES SINDICAIS. NEGOCIAÇÃO "IN PEJUS". INCONVENCIONALIDADE. EFEITOS PARALISANTES.

A comissão de expertos em aplicação de Convênios e Recomendações da OIT (CEACR), no contexto de sua observação de 2017 sobre a aplicação, pelo Brasil, da Convenção 98 da OIT, reiterou que o objetivo geral das Convenções 98, 151 e 154 é a promoção da negociação coletiva para encontrar acordo sobre termos e condições de trabalho que sejam mais favoráveis que os previstos na legislação. Segundo a CEACR, um dispositivo legal que institui a derrogabilidade geral da legislação laboral por meio da negociação coletiva é contrário ao objetivo da promoção da negociação coletiva livre e voluntária prevista em tais convenções. O artigo 611-A da CLT “reformada” não é verticalmente compatível com a Convenção 98 da OIT e remanesce formalmente inconvencional, circunstância que impede a sua aplicação, em virtude da eficácia paralisante irradiada pelas Convenções. (Grifei)

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Como se vê, reputa-se inconvencional o art. 611-A da CLT por possibilitar a prevalência de normas coletivas (acordos e convenções) sobre a Lei, mesmo quando essas normas coletivas sejam menos favoráveis para os trabalhadores.

Tal posicionamento é totalmente coerente com o princípio pro homine, que impede a aplicação da norma menos favorável – seja ela constitucional, legal, ou coletiva – constante do direito internacional e do direito constitucional brasileiro, mas também é especialmente condizente com o princípio da proteção, próprio do direito do trabalho.

Vale dizer que, tanto um quanto outro princípio (um mais geral e outro mais especial) são os princípios que presidem esses ramos do Direito, o Internacional dos Direitos Humanos e o do Trabalho, respectivamente.

Glauco Salomão Leite e Luiz Guilherme Arcaro Conci opinam que 

Vinculado à questão anterior, especialmente por envolver direitos sociais, deve-se levar em conta a vedação de retrocesso social. É certo que essa diretriz não deve ser interpretada a ponto de impedir mudanças legislativas legítimas, inclusive substituindo modelos já consolidados de políticas públicas, mas não se pode, em nome do princípio majoritário, simplesmente recuar em termos de proteção social.[10]

Ou seja, além de ter um impacto negativo nos indivíduos envolvidos diretamente nas negociações, é mister perceber que as alterações da reforma de 2017 possibilitando a sobreposição de normas menos favoráveis em detrimento da lei (dois pecados graves) tem o potencial de causar um impacto negativo para toda a sociedade, o que é vedado pelo ordenamento nacional e internacional, em razão do princípio da vedação ao retrocesso.

Assim, justamente por ignorar esses princípios, a norma acrescida à CLT deve ser considerada como inconvencional, com toda a repercussão necessária – que inclui a não aplicação (vedação paralisante) da norma em sede de controle difuso –, em razão do desrespeito à proteção dos direitos humanos (princípio pro homine) e à proteção do trabalhador, em detrimento de maior proteção legal, e em virtude do princípio da vedação ao retrocesso social, todos abrigados pelos diretos humanos (e trabalhistas) internacionais.


[1] LEITE, Glauco Salomão. CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. Controle jurisdicional sobre a reforma trabalhista não é autoritarismo judicial. CONJUR. 19 de outubro de 2017.  Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-out-19/opiniao-controle-judicial-reforma-trabalhista-nao-autoritarismo

[2] MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 46 n. 181 jan./mar. 2009. págs. 113-139. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/194897/000861730.pdf?sequence=3

[3] MAZUUOLLI, op. cit. p. 114.

[4] Idem.

[5] MAZUUOLLI, op. cit. p. 128.

[6] MAZUUOLLI, op. cit. p. 129.

[7] MAZUUOLLI, op. cit. p. 126.

[8] MAZUUOLLI, op. cit. págs. 128-130.

[9] A publicação encontra-se disponível no site oficial da ANAMATRA

[10] LEITE, Glauco Salomão. CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. op. cit.  

Sobre o autor
Renan Apolonio

Advogado, formado pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE). Especialista em Direito Constitucional, em Direito Público e em Direitos Humanos pela Faculdade Legale. Estudando especialização em Política Internacional. Defensor da Liberdade Religiosa, estusiasta do Direito e Literatura, da língua espanhola.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos