O COMPUTADOR E O TEMPO PÓS-MODERNO
Tempos atrás, não muito distantes, escrevi e publiquei um pequeno texto intitulado “Pós-modernidade: o jurista e a síndrome do cortar, copiar e colar” e nele fiz constar a preocupação quanto a “síndrome” do cortar, copiar e colar. Diante de alguns textos jurídicos que tenho lido nos últimos dias, me vejo obrigado a rever meu texto e ampliá-lo.
Tive a oportunidade de ler um artigo escrito por meu professor Albino de Brito Freire, insigne magistrado paranaense. Seu texto não é novo. Publicado há mais de 22 anos, o mestre expressava sua preocupação quanto aos malefícios do que denominava “computador jurídico”[1], não sem razão O jurista assim assentou:
Mas, no princípio, eram as trevas, a caneta e a máquina de escrever. E, depois...o homem criou o computador. Com um toque de mágica, a tecla aciona um mecanismo fabuloso que opera o milagre de transportar-nos para o mundo maravilhoso da cibernética, um admirável mundo novo cujas fronteiras não têm limites e onde podemos saciar nossa sede de onipotência. Estupendo![2]
Como eu escrevi alhures, há uns 30 anos, os magistrados, em bom número, tomavam da pena para redigir suas sentenças e despachos; os advogados se valiam de máquinas de escrever (com o indefectível carbono, é obvio) e o trabalho de todos era árduo, sem dúvida alguma. Talvez a grande e evidente diferença em relação à hodierna realidade é que, postado diante da máquina de escrever, o advogado prestava muita atenção ao colocar os dedos nas teclas e dificilmente se distraía com aparelhos outros, que hoje se encontram ao lado do computador (celulares). Mas, a vida passa, o tempo é outro e a tecnologia chegou para ficar. A máquina de escrever e o velho papel carbono ficaram de lado, dando lugar a potentes computadores, ávidos para transportar jurisprudências, doutrinas e outros expedientes para a...petição!
De fato, a atividade jurídica ficou, por assim dizer, mais fácil, não resta dúvida. Afinal, as teclas do computador estão disponíveis para transcrever pletora de artigos legais, rechear petições com transcrições de outras e assim por diante. A pós-modernidade tem como bandeira a celeridade, a não perda de tempo, a geração imediata de resultados e assim por diante. Afinal, dizem por ái, tempo é dinheiro, cabendo celeridade até mesmo ao redigir petições, o que se lastima.
O grande problema residente no “descuido” ao redigir determinado texto e nele inserir matéria completamente alheia ao caso em exame. Isso se está tornando corriqueiro, o que preocupa, evidentemente. De fato, o “cortar, copiar e colar” se tornou quase que uma regra porquanto, como dito, não se pode perder tempo, mesmo quando da redação de petições. Muito embora a regra que deveria ser observada é justamente a concisão e a objetividade nos textos jurídicois, não só sentenças, mas também e principalmente em petições, sobreleva o fato de que ainda se escreve demais; transcrevem-se textos e mais textos legais, quando estão ao alcance da mão (que o diga o sítio de busca); ainda se colaciona pletora de julgados, não raro, de forma desnecessária, quando bastaria citar, no máximo, a ementa e os dados do acórdão. Isso sem falar as infindáveis notas de rodapé, com as quais não concorda Eco, mas que são, de fato, importantes para deixar o texto mais “limpo” e de leitura aprazível.
O grande perigo, como dito, algures, é selecionar conteúdos em flagrante desarmonia com a exposição geral, causando desconforte principalmente a quem lê.
Não raro, falta coerência no discurso, vazio de conteúdo, mas repleto de tiras jurídicas, sem sentido e alcance; falta o fio condutor; falta o Direito, mas há verdadeira colcha de retalhos, escrevendo tudo e mais um pouco, quiçá para mostrar erudição. Quem, precisa de muitas laudas para demonstrar direito, talvez de fato não o tenha.
Já se observou, até, por incrível que pareça, petição acerca de determinado caso e requerimento final totalmente dissonante. Sim, triste realidade. A pós-modernidade em muito contribuiu para o que se vê, não raro, em manifestações judiciais. O prof. Albino, no aludido texto, assim dispôs:
Soube de outro caso em que o advogado apelou de sentença favorável a ele, por engano...do computador!
Não raro, sinto saudades dos juízes que tomavam da pena e redigiam suas sentenças e despachos à mão e os advogados, por sua vez, transcreviam em suas manifestações os autores clássicos.
Meu nobre prof., Albino de Brito Freire, creio nada mudou, passados 22 anos de sua escrita. Seu texto é deveras atual e merece ser lido. Nunca me esquecerei do que dispôs o nobre magistrado paranaense: a propósito, o essencial, tal como a preciosa pérola, cabe em pequenas conchas.
[1] https://www.folhadelondrina.com.br/geral/maleficios-do-computador-juridico-93697.html
[2] Colhi o fragmento da página amarelada do jornal, que mantenho junto com outras contendo textos do magistrado que muito me ensinou nos anos de 1998 e 1999.