Os impactos da pandemia do COVID-19 nas relações trabalhistas

Leia nesta página:

O presente artigo tem como objetivo demonstrar os impactos da pandemia do COVID-19 nas relações de trabalho.

1. Considerações iniciais

A pandemia ocasionada pelo novo coronavírus (Covid-19) acarretou em mudanças jamais imaginadas pelo Brasil e o mundo, a sociedade foi surpreendida com toda esta situação sem precedentes. Em decorrência, foi instituída a Lei nº 13.979/20, que dispõe sobre as medidas que poderão ser adotadas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, conforme já apresentado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Outrossim, Estados e Municípios editaram decretos em consonância e para complementar a Lei supracitada, determinando a proibição de abertura temporária de instituições de ensino, indústrias, shopping centers, museus, teatros, cinemas, restaurantes e afins, ou seja, ambientes em que a reunião de pessoas pudesse representar perigo de disseminação do vírus, de modo a incentivar o respeito às medidas de isolamento social.

Dentre os questionamentos trazidos em consequência da pandemia, aprofundaremos no presente artigo a respeito das relações trabalhistas, tendo em vista o impacto daquela na atividade econômica dos empregadores e na execução dos contratos de trabalho, que ficaram extremamente prejudicadas.

Notoriamente, as normas jurídicas não tinham previsões sobre aqueles temas, sendo implementadas como um meio de solucionar ou apaziguar os conflitos. Algumas Medidas Provisórias foram instituídas, recordando que em cenários como este, o interesse coletivo deve prevalecer sobre o interesse individual, inclusive no que se refere às atividades empresariais.

2.  Medida Provisória Nº 927/2020

A Medida Provisória 927/2020, que alterou as regras trabalhistas durante o período da pandemia, perdeu sua eficácia no dia 19/07/2020, visto que não foi deliberada a tempo pelo Congresso Nacional, a fim de que fosse convertida em Lei. Sem a vigência, o texto não produz mais efeitos.

No entanto, é importante apresentar alguns pontos que essa Medida trouxe durante o seu período de vigência, sendo aplicada aos empregadores regidos pela CLT, aos terceirizados, trabalhador temporário, trabalhador rural e o empregado doméstico no que o couber.

A primeira possibilidade trazida pela Medida é o teletrabalho, também conhecido home office, autorizando o empregador a alterar o regime de trabalho presencial do trabalhador para teletrabalho, trabalho remoto ou outro meio de trabalho a distância, independente de acordo, seja individual ou coletivo, dispensando o registro no contrato de trabalho, devendo apenas realizar notificação prévia de 48 horas de antecedência.

Outro ponto trazido pela norma é a possibilidade das empresas anteciparem férias com períodos aquisitivos incompletos ou mesmo sem terem sido iniciados, priorizando-se os empregados que se encontram na faixa de risco, flexibilizando também o prazo de aviso dos 30 dias previstos na CLT para 48 horas de antecedência, além de permitir a opção de prorrogação do pagamento do terço constitucional para a data de pagamento do 13º salário, assim como o pagamento da remuneração das férias para até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo.

Frisa-se que as férias concedidas durante a vigência da Medida Provisória, mesmo as encerradas, após a perda de sua eficácia são validas. No entanto, caso o aviso de férias tenha sido entregue durante a vigência, mas a fruição se deu somente após a perda da validade da norma, é aconselhado que as férias sejam concedidas nos termos da CLT, a fim de se evitar possíveis problemas.

Quanto aos feriados, a Medida permitiu a antecipação do gozo dos feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais.

Diante disso, os empregadores devem observar os pontos adotados durante a vigência da Medida Provisória 927/2020 e o que melhor lhes atenderá daqui para frente, considerando as normas trabalhistas vigentes. Porém, salienta-se que as medidas utilizadas com base na norma vigente à época, foram válidas.

3. A conversão da MP 936/2020 na Lei nº 14.020/2020

Medida Provisória 936 foi promulgada pelo Governo em abril de 2020, instituindo o Programa Emergencial de Manutenção e Emprego e da Renda, bem como apresentando medidas complementares de enfrentamento aos impactos da pandemia da Covid-19, tais como o pagamento do Benefício Emergencial, a redução e suspensão temporária proporcional do contrato de trabalho.

Ressalta-se que a Lei nº 14.020/2020, que entrou em vigor no dia de sua publicação, 07 de julho ogano, converteu em lei a Medida Provisória 936/2020, mantendo a validade dos acordos firmados na vigência da Medida. Sendo imperioso pontuar alguns aspectos do referido dispositivo.

Destarte, no que se refere à redução da jornada de trabalho e do salário, esta poderá ser realizada com percentual de 25%, 50% ou 70%, por um período de até 90 (noventa) dias, sendo prorrogável por prazo determinado em ato do Poder Executivo. Mas, a redução salarial está estritamente ligada à redução da jornada de trabalho, não podendo o empregador reduzir o salário do seu funcionário mantendo a sua carga horária habitual.

Insta salientar que, as partes poderão pactuar tais medidas mediante acordos coletivos, individuais escritos e convenções coletivas de trabalho. Cabendo pontuar ainda que o empregador deverá comunicar o seu funcionário com antecedência, no prazo mínimo de dois dias corridos.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Ademais, existem aqueles que questionam a Medida Provisória quanto à sua constitucionalidade, vez que a Constituição Federal de 1988 atribui caráter excepcional a redução salarial, sendo possível apenas mediante negociação coletiva, seja de acordo coletivo de trabalho ou Convenção Coletiva de Trabalho, conforme artigo 7º, inciso VI, enquanto a norma infraconstitucional adota a redução mediante acordo individual escrito.

No que tange à suspensão temporária do contrato, conforme mencionado anteriormente, esta poderá ser realizada por um período máximo de 60 (sessenta) dias, podendo ser fragmentado em dois intervalos de 30 (trinta) dias. Assim como a comunicação acerca da redução salarial deverá ocorrer com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos.

Por outro lado, nesta modalidade há a cessação da atividade laborativa, caso contrário, será descaracterizada a suspensão e o empregador arcará com a devida remuneração e os encargos de todo o período, penalidades da legislação em vigor, bem como as sanções descritas nas convenções coletivas ou acordos coletivos, conforme disposto no art. 8º, § 4º, incisos I, II e III da Lei nº 14.020/2020.

Nesse intervalo de tempo, o trabalhador receberá o Benefício Emergencial, como também continuará fazendo jus a todos os benefícios concedidos pelo empregador, seja vale refeição, plano de saúde, dentre outros.

Na Medida Provisória, os acordos de redução e de suspensão poderiam ser pactuados de maneira individual pelos empregados, desde que respeitados os limites salariais estabelecidos por ela. A nova Lei, por outro lado, alterou aqueles valores previstos (vide redação do art. 12 e seguintes).

Outrossim, o recebimento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda não impedirá a concessão e não alterará o valor do seguro-desemprego a que o trabalhador vier a ter direito, desde que cumpridos os requisitos previstos na Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, no momento de eventual dispensa.

Por fim, cabe destacar a previsão do dispositivo 6º, § 2º e seguintes da Lei 14.020/2020, que discorre sobre aqueles que não fazem jus aos benefícios, dentre eles encontra-se o empregado que ocupa cargo público ou esteja em gozo de benefício de prestação continuada, seguro-desemprego ou bolsa de qualificação. Por outro lado, a empregada doméstica, embora seja uma categoria disciplinada pela Lei complementar 105/2015, faz jus ao benefício, seguindo os mesmos moldes já elencados anteriormente.

4. Conclusão

Ante o exposto, é evidente a complexidade da situação, o sentimento de incerteza abrange não somente as relações trabalhistas como tantos outros setores da sociedade que também foram demasiadamente afetados. Demonstra-se ainda que a pandemia do novo coronavírus surpreendeu o mundo jurídico de modo que a própria Justiça precisou se reinventar, seja na seara trabalhista, cível, empresarial e criminal.

Tais medidas acima elencadas, fazem parte de uma tentativa do Governo de minimizar os danos sem precedentes dessa pandemia. Insta pontuar ainda que, muitos conflitos surgiram e provavelmente continuarão a emergir em meio a esta calamidade pública. Porém, apesar das Medidas Provisórias e Leis, nem todas as situações estão amparadas por elas, hipótese em que deverá prevalecer o bom senso e interesse coletivo.

Por fim, cabe relembrar que um dia essa pandemia irá chegar ao fim e devemos estar preparados para erguer os escombros deixados por ela. Ressalta-se ainda que, embora o cenário seja de gravidade mundial, não podemos fechar os olhos para o pilar do nosso ordenamento jurídico, a Constituição Federal.


REFERÊNCIAS

[1] ARAGÃO, Camila. J; CARNEIRO, Pablo. R; SOUSA, Sylvia. L. T;. As novidades da Lei 14.020 em relação à MP 936Consultor Jurídico, 2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-jul-07/cni-novidades-lei-14020-relacao-mp-936#:~:text=A%20Lei%2014.020%2C%20de%206,em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20ao%20texto%20original.>. Acesso em: 20/08/2020.

[2] DORSTER, A; DONEGÁ, P. C. MP 936/20 e as Relações de trabalhoMigalhas, 2020. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/323794/mp-936-20eas-relacoes-de trabalho>. Acesso em: 20/08/2020.

[3] SILVA, Luiz A. T. G. Relações trabalhistas sob o efeito do coronavírus. Migalhas, 2020. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/322687/relacoes-trabalhistas-sob-os-efeitos-do-coronavirus>. Acesso em: 19/08/2020.

[4] PINHO, Carlos. A. F. A Medida Provisória 936 e sua conversão em leiConsultor Jurídico, 2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-jul-09/freitas-pinho-medida-provisoria-936-conversao-lei>. Acesso em: 20/08/2020.

[5] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do BrasilBrasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

[6] BRASIL. Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020. . BRASÍLIA, DF, 22 mar. 2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv927.htm>. Acesso em: 17 ago. 2020.

[7] BRASIL. Medida provisória nº 936, de 01 de abril de 2020. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv936.htm>. Acesso em: 19/08/2020.

[8] BRASIL. Lei nº 14.020, de 06 de julho de 2020. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Lei/L14020.htm>. Acesso em: 19/08/2020.

Sobre os autores
Marcio Alan Segundo

Graduando em Direito, aspirante à Advogado. @marcioalansegundo

Gabriel Lima Sá Teles

Graduando de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos