Negócios jurídicos simulados no Direito luso-brasileiro: uma análise comparada

24/08/2020 às 22:39
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Enquanto, por um lado, as máscaras são novidades introduzidas pela pandemia, os contratos mascarados já são figuras tradicionais para o Direito. Traçamos os contornos típicos da figura da simulação e comparamos o seu tratamento dado por dois legisladores.

Na linguagem corrente, referimo-nos à simulação como o ato de mascarar o verdadeiro, isto é, de criar uma falsa representação da ideia pretendida. É o caso, por exemplo, dos simuladores de voo, que recriam uma cabine de avião, ou do uso de um simulacro em um assalto, visando falsear o uso de uma arma de fogo. Da mesma forma, pessoas dissimuladas são aquelas que intencionalmente fingem ter outro caráter para esconder a verdadeira índole.

Dissimulado é também o adjetivo utilizado pelo agregado José Dias para caracterizar os olhos de Capitu, ambos personagens de Machado de Assis na obra Dom Casmurro. No excerto abaixo, a grande dissimulação da personagem pretendia esconder o juramento de que ela e Bento Santiago haveriam de casar um com o outro, evitando assim que a família de Bentinho tentasse separá-los.

Era isto mesmo; devíamos dissimular para matar qualquer suspeita, e ao mesmo tempo gozar toda a liberdade anterior, e construir tranquilos o nosso futuro (...). Estava tão contente com aquela grande dissimulação de Capitu que não vi mais nada, e, logo que almocei, corri a referir-lhe a conversa e a louvar-lhe a astúcia. Capitu sorriu de agradecida.

— Você tem razão, Capitu, concluí eu; vamos enganar toda esta gente.

— Não é? disse ela com ingenuidade.[1]

Extraímos do exposto que o significado de simular é de mascarar ou de esconder a realidade. Da mesma maneira, na linguagem do Direito, a simulação é uma figura encontrada nos negócios jurídicos nos quais os contratantes pretendem criar uma falsa imagem do verdadeiro[2] com a intenção de enganar terceiros, tais como a Autoridade Tributária ou os próprios familiares. O presente artigo visa traçar os contornos desse instituto jurídico, além de identificar semelhanças e diferenças no seu tratamento pelos legisladores brasileiro e português, observando ainda individualidades na técnica legislativa no Direito Civil desses ordenamentos jurídicos.

 

1) Simulação: definição, hipóteses típicas e classificação

A simulação é uma hipótese de disparidade entre o desejado e o manifestado, verificada quando as partes emitem uma declaração de vontade meramente fictícia para esconder a sua real intenção[3]. Assim, a declaração de vontade exteriorizada é enganosa, de modo que haja uma não correspondência intencional entre a vontade interna e a vontade declarada dos contratantes. Essa situação de aparência é construída em conluio entre as partes (pacto simulatório) para enganar terceiros, simulando uma declaração não emitida ou escondendo uma declaração da vontade distinta.

A simulação é frequentemente verificada nos casos de fraude fiscal (declarando nos contratos valores inferiores aos reais com o escopo de diminuir obrigações tributárias), de fraude contra credores (quando o devedor “finge” alienar bens para evitar a penhora dos mesmos), de fraude contra os preferentes (declarando valores superiores para evitar a preferência de um terceiro) e de alienação de partes sociais a laranjas (camuflando o número de sócios em uma sociedade)[4].

Para além dos exemplos tipicamente referidos, que têm em comum a existência de um pacto simulatório entre as partes de um contrato, merece menção que os legisladores também atribuem relevância às simulações em negócios jurídicos unilaterais, a exemplo do testamento simulado, o qual abarca disposição que visa beneficiar pessoa diferente da designada, em conluio com esta, previsto no artigo 2200º do Código Civil português e no 1802º do CC brasileiro.

Tradicionalmente a doutrina classifica as hipóteses de simulação em absolutas ou relativas, subjetivas ou objetivas e fraudulentas ou inocentes, distinções que têm importância prática e, em alguns casos, são incorporadas pela própria legislação. A simulação será absoluta se as partes não pretenderem celebrar outro negócio (não havendo qualquer ato oculto ou encoberto pelo simulado)[5], ou relativa, se houver vontade de celebrar um negócio, distinto e por detrás daquele declarado - chamado de negócio dissimulado.[6] Nesse último caso, o negócio aparente eclipsa ou camufla aquele efetivamente celebrado, pois tem como única finalidade ocultar a verdadeira intenção dos contratantes para enganar terceiros[7].

As simulações relativas podem ser objetivas ou subjetivas. No primeiro caso, a divergência entre a vontade e a declaração se encontra na natureza jurídica do contrato, como na compra e venda que esconde uma doação, ou no seu conteúdo, por exemplo se as partes declaram um preço distinto do verdadeiro ou alteram a data do documento. Nas simulações subjetivas, por outro lado, ocorre uma interposição fictícia de pessoas (chamadas de testas de ferro ou de homem de palha) ou uma supressão dos verdadeiros intervenientes, assim contornando impedimentos e limites legais à liberdade de celebração contratual.

O artigo 240º do CC português impõe como requisito de existência da simulação o intuito das partes de, pelo menos, enganar terceiros, o que distingue a simulação da falsa qualificação de um negócio jurídico ou das meras declarações não sérias[8]. Se os contratantes pretendem enganar terceiros, sem lhes causar danos, tratar-se-á de uma simulação inocente (caracterizada pelo animus decipiendi). Se para além desta houver intuito de prejudicar terceiros, configura-se uma simulação fraudulenta, também chamada de maliciosa ou de nocente (eivada de animus nocendi), que é igualmente abrangida pelo referido dispositivo.

No Brasil, por outro lado, o artigo 167º do vigente CC não introduz o requisito do intuito de enganar ou de prejudicar terceiros, porque não apresenta uma definição de simulação – omissão que resulta em um tratamento indistinto às simulações maliciosas e inocentes, semelhante ao vigente em Portugal.  Não obstante, a formulação encontrada no CC brasileiro alarga a figura da simulação, também abarcando a intenção de violar disposição de lei.

Mas nem sempre foi assim, uma vez que na vigência do CC brasileiro de 1916, a simulação inocente não resultava na invalidade do negócio, cfr. previa expressamente o seu artigo 103º. Em Portugal, o artigo 1032º do Código de Seabra, de 1867, referia-se ao “fim de defraudar os direitos de terceiro”, ambiguidade que originou uma querela doutrinal acerca da relevância jurídica da simulação inocente, encerrada apenas com o Código Civil de 1966 que consagrou o intuito de enganar terceiros na definição da simulação. No caso brasileiro, com o silêncio Código de 2002 -que deixou de ressalvar a validade das simulações inocentes-, é possível inferir que o artigo 167º estabelece a nulidade para ambos os casos. Apesar de ser esse o entendimento da lei, da doutrina majoritária e da jurisprudência[9], essa posição não é pacífica, pois perdura uma querela doutrinal.[10]

2) Diferenças entre as soluções

Apresentadas as características gerais da simulação, enseja ilustrar que os legisladores do Brasil e de Portugal desenvolveram fórmulas ora semelhantes e ora diferentes para a tutela desse instituto. Trataremos, in fine, dos defeitos e da alegabilidade da simulação, além da validade do negócio dissimulado e da proteção de terceiros de boa fé. Conforme estatui o caput do art. 167º e o n.º 1 do art. 240º dos códigos brasileiro e português, respectivamente, o negócio simulado é nulo. De acordo com Luiz Carlos de Andrade Júnior[11], a opção legislativa de estabelecer esse desvalor revela que o juízo axiológico formulado pelo legislador concluiu serem indignos de tutela jurídica os interesses dos simuladores, de forma que prevaleça a proteção do interesse coletivo.

Consequentemente, a prescrição da nulidade dos negócios simulados é acompanhada por traços que a distinguem da anulabilidade (defeito da simulação prescrito pelo inciso II do artigo 147º do CC brasileiro de 1916), especialmente a máxima de que a nulidade não é sanável por decurso do tempo ou por confirmação dos interessados. Ainda, por força da maior gravidade desse vício, a nulidade opera de pleno direito (ipso iure), na medida que não precisa ser invocada: o negócio nulo é nulo desde a sua celebração, motivo pelo qual ela pode ser declarada ex officio pelo juiz. Além dessas implicações, a nulidade se distingue por destruir todos os efeitos já produzidos, retroativamente (ex tunc), por força dos artigos 286º do CC português e 182º do CC brasileiro.

Quanto à legitimidade para alegar a referida invalidade, poderíamos associar a regra de que a invocação da nulidade pode ser feita a todo tempo por qualquer interessado. No entanto, alguns ordenamentos jurídicos restringem a legitimidade dos simuladores para arguir essa nulidade, como sanção para a divergência por eles introduzida. Na vigência do CC brasileiro de 1916, o simulador não tinha a legitimidade para invocar o vício (anulabilidade) contra o outro, pois o artigo 104 desse diploma consagrava a máxima nemo auditur proprium turpitudinem allegans[12].

Acompanhando os traços da nulidade e o entendimento de que a simulação atenta contra a ordem pública, essa solução foi ultrapassada, mesmo porque conduzia à criação de injustiças, pois autorizava os simuladores ao incumprimento do acordo verdadeiramente celebrado e garantia a sua isenção de responsabilidade. Atualmente a legitimidade dos simuladores para arguir a invalidade das simulações é garantida pelo nº 1 do art. 242º do CC português, sem prejuízo do art. 286º, que atribui legitimidade a qualquer interessado. Por outro lado, ex vi do nº 2 do artigo 394º, os simuladores não podem recorrer à prova testemunhal, assim como não se admite a prova por presunções (art. 351º), o que reduz os meios probatórios da simulação à apresentação dos raros contradocumentos e à confissão, restrição que afasta a admissibilidade de provas insuficientemente seguras para a destruição dos efeitos do negócio.

No Brasil, o atual Código deixou de comportar limitações à legitimidade para a invocação da invalidade diante desse instituto, na medida que o vigente artigo 168º atribui essa alegabilidade a qualquer interessado (sem ressalvas) e ao Ministério Público, quando lhe couber intervir. Apesar da perduração de uma querela doutrinal acerca da restrição à legitimidade dos simuladores para este efeito, o enunciado nº 294, aprovado na IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, reconhece que a simulação pode ser alegada por uma das partes contra a outra – de maneira que, na prática, os simuladores tenham amplos meios para arguir a destruição dos efeitos jurídicos da simulação, sem as restrições probatórias estabelecidas pelo códex português.

No caso da simulação relativa, por trás da capa da simulação, há um contrato que as partes efetivamente pretenderam celebrar, e porque os negócios dissimulados correspondem à vontade das partes, coloca-se a questão da sua validade. Conforme dispõe o artigo 241º do CC português, aplica-se ao negócio dissimulado o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação. Nesse sentido, a sua validade não é prejudicada ou “contaminada” pela nulidade do falso contrato, o que não lhe dispensa de preencher os requisitos de forma impostos pela lei, conforme dispõe o art. 241º n.º 2. O artigo 167º do códex brasileiro, igualmente, determina que o negócio dissimulado pode ter validade, desde que seja válido na substância e na forma. Para além desses requisitos, a jurisprudência vem afirmando o entendimento cristalizado no enunciado nº 153, aprovado na III Jornada de Direito Civil do CJF, que faz depender a validade do dissimulado que este não contrarie a lei e não prejudique terceiros.

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Nesse sentido, sabendo que é devido apreciar autonomamente o negócio dissimulado para verificar a sua validade, se ele tiver natureza formal -nos casos que configuram exceções ao princípio da liberdade de forma-, não será lógico exigir o cumprimento da solenidade imposta pela lei, porque se as partes escondem o contrato que pretendem celebrar por meio de uma simulação, o negócio dissimulado obviamente não será exteriorizado, não podendo atender a requisitos formais. Por essa razão, é pacífico para a doutrina que o negócio dissimulado pode aproveitar a forma do simulado, dando lugar à extraversão[13], desde que correspondam as finalidades da exigência de forma especial (ainda que se esteja a publicitar algo diferente do que efetivamente ocorre).

Para além dessa justificativa, que explica porque a forma especial é logicamente inexigível à convenção oculta, também cabe colocar que o empréstimo da forma do negócio simulado ao dissimulado decorre de uma interpretação unitária da simulação. De acordo com esse entendimento, apesar de coexistirem dois contratos (um aparente e um escondido), o ato de simular resulta de uma única declaração da vontade das partes contratantes, pelo que a forma de um aproveita a ambos. Nessa linha, Luiz Carlos de Andrade Júnior sustenta a unidade da simulação relativa tendo em vista que o negócio aparente e o dissimulado são duas faces de um único fenômeno (a simulação), observados por duas perspectivas distintas: a do público e a das partes[14].

Outrossim, a proteção de terceiros de boa fé que adquiriram direitos do titular aparente é um traço comum nos dois ordenamentos. Essa salvaguarda legal tem como escopo impedir que terceiros (que não tomam parte no negócio simulado) sejam obrigados a suportar prejuízos injustos por conta da destruição retroativa dos efeitos provocada pela declaração da nulidade. Por preconizar a proteção da confiança do terceiro de boa fé, esse mecanismo atribui eficácia autônoma à aparência criada pelos simuladores, o que pode legitimar aquisições a non domino, motivo pelo qual é classicamente referido como exceção ao princípio de que ninguém pode transmitir um direito que não possui[15].

No caso português, os terceiros que desconhecem que os direitos adquiridos decorrem de uma simulação são inoponíveis da invocação de nulidade pelos simuladores, por força do art. 243º do CC, mas não são protegidos se a invalidade for arguida por outros interessados. Por conseguinte, a nulidade da simulação entre A e B não poderia ser invocada por A contra C, terceiro de boa fé, mas o credor de A, por exemplo, teria plena legitimidade para esse efeito (art. 605º do CC português), porque a proteção só se justifica quando a nulidade é invocada por quem intencionalmente criou a situação que agora pretende destruir.

Do mesmo modo, o §2º do art. 167º do CC brasileiro salvaguarda os direitos de terceiros de boa fé em face dos simuladores. Essa solução legislativa é contrária àquela consagrada no artigo 1415º do Código Civil italiano, que protege o direito adquirido por terceiros de boa fé dos simuladores, dos seus subadquirentes e também dos credores do simulador alienante, fórmula que constitui um escudo praticamente impermeável de defesa da legitimidade aparente investida pelas partes nesse negócio.

 

3) Comparação entre o legislador português e o legislador brasileiro

Feita a exposição dos contornos gerais do instituto, resta fazer uma referência sumária às diferenças na técnica legislativa encontradas nos códigos aludidos, tendo como paradigma analítico os dispositivos referenciados. Primeiramente, no âmbito da sistematização, em 2002, o legislador brasileiro deslocou a simulação do capítulo relativo aos defeitos do negócio jurídico (onde estava em 1916), inserindo-a no capítulo da invalidade dos negócios. O CC português, por outro lado, insere a simulação na subsecção da falta e vícios da vontade, onde se encontram a reserva mental, o erro, a coação e outros institutos.

Como impressões gerais acerca do tratamento dado à simulação, observamos que o CC brasileiro é mais econômico na tutela desse instituto, na medida que o regula em apenas um artigo, composto por um caput e dois parágrafos. O CC português, por outro lado, dedica-lhe quatro artigos, totalizando nove parágrafos para tutelar essa figura. Por essa razão, verificamos que o Código do Brasil é mais sucinto, e abstêm de se pronunciar acerca de diversas hipóteses, tais como o requisito de enganar ou de prejudicar terceiros, a legitimidade dos simuladores para arguir a nulidade e os contornos da proteção aos direitos de terceiros de boa fé. Na prática, o silêncio da lei cria uma relação de dependência da doutrina, que confronta posições, e da jurisprudência, que solidifica entendimentos. Em Portugal, por outro lado, em razão da maior complexidade e aprofundamento do labor legislativo, há menor margem para interpretação dos dispositivos, motivo pelo qual são mais raras as querelas doutrinais.

Da mesma maneira, encontramos uma diferença na conceituação de simulação. Enquanto que o CC português lhe dedica uma definição abstrata, no seu artigo 240º, estabelecendo os traços dessa hipótese através de três elementos (o pacto simulatório, o intuito de enganar terceiros e a divergência intencional entre a vontade e a declaração), o legislador brasileiro apenas exemplifica quando há simulação. Mais concretamente, o caput do art. 167º estatui a nulidade dos negócios jurídicos simulados, e nos incisos do § 1º do mesmo artigo, enuncia as espécies de simulação, mas não estabelece os contornos comuns às situações elencadas[16]. Essa característica expressa uma maior preocupação didática do CC brasileiro, que descreve casos de simulações subjetivas e objetivas para facilitar o enquadramento do caso concreto a uma das previsões, dando lugar à operação de um silogismo judiciário.

Explicando esse fenômeno[17], Luiz Carlos de Andrade Júnior afirma que o legislador brasileiro recorre a uma definição denotativa de simulação, porque se limita a estabelecer as espécies que, conjuntamente analisadas, representam o objeto denotado. O mesmo raciocínio ocorre, por exemplo, ao descrever o conceito de filósofo como "Voltaire, Kant e Hegel". Por outro lado, para além dos já referidos problemas decorrentes da expressiva delegação de funções à doutrina, a ausência de uma definição geral de simulação obstaculiza a abrangência de hipóteses distintas nesse instituto. Evitando esse risco, o CC português traz uma definição conotativa de simulação, fugindo de exemplos e devolvendo a função de enquadramento das hipóteses práticas ao intérprete, apresentando uma função dogmática abrangente, embora passível de críticas.

O exposto contraste legislativo, no entanto, não é obra recente, mas subsiste desde os primeiros códigos do Brasil e de Portugal. Enquanto que o art. 1031.º do Código de Seabra, de 1867, define a simulação como o “acto ou contracto em que as partes declaram ou confessam falsamente alguma cousa que na verdade não se passou, ou que entre elas não foi convencionada”, o art. 102.º do CC brasileiro de 1916 consagra uma definição exemplificativa exatamente igual àquela vigente no CC de 2002, que se limitou a transcrever o dispositivo da legislação antiga – mas será que as hipóteses de negócios simulados de 1916 esgotam essa figura hodiernamente? Se a resposta for negativa, como é provável, caberá ao intérprete tentar identificar um conteúdo mínimo comum às descrições dos três parágrafos e, eventualmente, invocar o enquadramento na simulação por analogia.

No entanto, ainda que houvesse um esforço legislativo para esgotar as hipóteses de aplicação e preencher todos os contornos, substantivos e adjetivos, desse instituto, o que não é possível e nem desejável, a figura da simulação não deixaria de revelar questões para a sua aplicação e novidades na sua manifestação. Nesse sentido, o recurso a negócios ocultos estará sempre presente no comércio e na vida jurídica, tanto por conta da incontornável pretensão coletiva de pagar menos impostos, quanto porque os particulares preferem, muitas vezes, esconder seus tratos verdadeiros e celebrá-los “por fora”.

Em tom de conclusão, observamos que o legislador português é mais complexo e detalhista no tratamento desse instituto, pois se ocupa de hipóteses mais alargadas e restringe o trabalho da doutrina. O legislador brasileiro, por outro lado, é mais didático e minimalista, na medida que estabelece os contornos do âmbito de aplicação das normas, mas se abstêm de solucionar situações mais complexas, delegando essa função à doutrina e à jurisprudência.

 


[1] ASSIS, Machado de. Obras Completas de Machado de Assis, vol. I- Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p.

[2] ANDRADE JÚNIOR, Luiz Carlos de. Tese de doutorado “A simulação no Código Civil”- São Paulo, 2014.

[3] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, 13. ed.- São Paulo: Atlas, 2013, p. 527.

[4] ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil - Teoria Geral, v. II, 2ª ed. Coimbra editora, 2003. P. 220.

[5] Colorem habet, substantiam mero nullam, isto é, possui cor, mas a substância não existe.

[6] Colorem habet substantiam vera alteram, ou seja, possui cor, mas a substância é outra.

[7]TUCCI, José Rogério. Conhecimento ex officio da simulação na jurisprudência do STJ, disponível em www.conjur.com.br/2020-fev-18/paradoxo-corte-conhecimento-ex-officio-simulacao-jurisprudencia-stj .

[8] Feitas na expectativa de que a falta de seriedade não seja desconhecida, de modo que não haja animus decipiendi. Essa hipótese é tutelada pelo artigo 245º do CC português, que estabelece a inexistência dessa declaração. In ASCENSÃO, Oliveira, cit. (nota 4), p. 123.

[9] O enunciado 152, aprovado na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, estabelece que “toda simulação, inclusive a inocente, é invalidante”.

[10] Silvio de Salvo Venosa, por exemplo, afirma que o artigo 167º adota a mesma solução estampada no artigo 103º do Código anterior, que não considera defeituoso o negócio jurídico sob simulação inocente (não havendo intenção de prejudicar terceiros ou de violar disposição legal). In: VENOSA, Silvio de Salvo, cit. (nota 3), p. 538.

[11] ANDRADE JÚNIOR, Luiz Carlos de. A simulação... cit. (nota 2), p. 224.

[12] Ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. Esse brocado jurídico decorre de uma regra moral, que veda aos particulares o proveito das suas próprias condutas ilícitas. NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. “Simulação e sua arguição pelos simuladores”, Revista ESMAFE, n. 18. Recife, 2008, p. 11.

[13] Mecanismo cunhado por Pontes de Miranda, no qual opera a integração entre o conteúdo dissimulado e a forma simuladora, de forma harmônica com o princípio da conservação do negócio jurídico.

[14] ANDRADE JÚNIOR, Luiz Carlos de. A simulação... cit. (nota 2), p. 264.

[15] Constante no brocado latino nemo plus iuris ad alium transferre potest quam ipse habet.

[16] ANDRADE JÚNIOR, Luiz Carlos de. A simulação... cit. (nota 2), p. 39.

[17] Ibid, p. 41.

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