Primeiramente, é importante mencionar que o crime de tráfico de drogas é um crime de ação múltipla, e a prática de qualquer um dos verbos contidos no artigo 33 da Lei de Drogas é suficiente para caracterizar a conduta criminosa, não sendo necessária a venda, como muitos acreditam.
O tráfico privilegiado, que está previsto no art. 33, § 4º da lei 11.343/06 (Lei de drogas)é uma causa de diminuição de pena. De acordo com essa previsão legal, a pena pode ser diminuída de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o agente seja primário, possua bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas e não integre organização criminosa.
Com os requisitos acima estabelecidos, nota-se que o instituto do tráfico privilegiado é voltado para o “traficante” eventual ou ocasional, sendo aquele estreante na prática delituosa, que não responde por outras ações penais e que não seja reincidente, além de não estar envolvido com a criminalidade
Esses requisitos, de acordo com alguns precedentes do STF, são cumulativos, ou seja, é preciso preencher todos os requisitos para que tenha direito a diminuição de pena. Há também no STJ o entendimento de que a causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas só pode ser aplicada se todos os requisitos, cumulativamente, estiverem presentes (HC 510077/SP; HC 503317/MG; HC 489859/ES).
Importante mencionar que, a partir de 2016, o STF (HC 118.533) afastou o entendimento de que tráfico privilegiado também era crime equiparado a hediondo, logo, a súmula 512 do STJ foi cancelada. O intuito, de acordo com o Ministro Ricardo Lewandowski¹, é dar tratamento diferenciado a acusados que são primários e não integram organização criminosa. Para o ministro, são pessoas que não têm perfil delinquente e são usadas pelos cartéis de drogas para disseminar entorpecentes na sociedade.
Além de não ser mais equiparado a crime hediondo, também se tornou possível a fixação de regime inicial menos gravoso, ou seja, semiaberto e aberto.
A vedação da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, prevista no § 4º do artigo 33, bem como no artigo 44 da Lei de Drogas, foi considerada inconstitucional, e o benefício da substituição passou a ser concedido para aqueles que preenchem os requisitos necessários, que estão previstos no art. 44 do Código Penal.
Outra questão de grande importância é a respeito das “mulas”, que são pessoas usadas pelos traficantes para transportar a droga mediante pagamento ou coação. De acordo com a 5ª turma do STJ, no julgamento do HC. 387.077-SP, é possível o reconhecimento do tráfico privilegiado para as pessoas na qualidade de “mula”, uma vez que sua atuação como transportadora não conclui que seja integrante de organização criminosa.
É necessária a distinção entre pessoas que atuam diariamente com o tráfico, e pessoas que muitas vezes, por baixo poder aquisitivo, se submetem a essa prática criminosa por necessidade financeira. Ambas precisam responder criminalmente, porém não é adequado que respondam igualmente. De acordo com o Ministro Ricardo Lewandowski¹
“Reconhecer, pois, que essas pessoas podem receber um tratamento mais condizente com a sua situação especial e diferenciada que as levou ao crime, configura não apenas uma medida de justiça (a qual, seguramente, trará decisivo impacto ao já saturado sistema prisional brasileira), mas desvenda também uma solução que melhor se amolda ao princípio constitucional da “individualização da pena”, sobretudo como um importante instrumento de reinserção, na comunidade, de pessoas que dela se afastaram, na maior parte dos casos, compelidas pelas circunstâncias sociais desfavoráveis em que se debatiam.”
A realidade no “mundo do tráfico” é muito mais complexa do que os discursos punitivistas que se tem atualmente. O que se almeja com a previsão do tráfico privilegiado não é trazer “impunidade”, mas sim julgar de acordo com a real situação e participação de cada um.
[1] http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Trficoprivilegiado.pdf