O DELATADO PODE PEDIR ANULAÇÃO DE ACORDO DE DELAÇÃO

28/08/2020 às 08:51
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE RECENTE DECISÃO DO STF NA MATÉRIA.

O DELATADO PODE PEDIR ANULAÇÃO DE ACORDO DE DELAÇÃO

Rogério Tadeu Romano

Sob o ponto de vista processual, a delação premiada consiste na afirmação feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido extrajudicialmente , pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação no crime como seu comparsa.

O ato de delação há de ser espontâneo, pois não pode ser um ato provocado por terceiro.

Trata-se de um meio de prova, mas, para que seja considerada, há a necessidade da presença de três requisitos: a) o corréu que fez a delação tenha confessado a sua participação no crime; b) a delação encontre amparo em outros elementos de prova existentes nos autos; c) no caso de delação extrajudicial, que tenha sido confirmada em juízo. Sem esses requisitos e sem que tenha sido respeitado o contraditório, com possiblidade de reperguntas pelas partes, a delação não tem qualquer valor, sendo um ato que é destituído de eficácia jurídica.

O instituto da delação premiada se perfaz quando o agente colabora de forma voluntária e efetiva com a investigação e com o processo penal. Seu testemunho deve vir acompanhado da admissão de culpa e servir para a identificação dos demais coautores ou partícipes, e para esclarecimento acerca das infrações penais apuradas.

 Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 29 de junho de 2017, que ilegalidades descobertas depois da homologação de um acordo de delação podem levar à sua rescisão. A regra estabelecida é que as cláusulas devem ser mantidas pelo Judiciário depois de homologadas, mas abriu essa exceção. Além disso, caso o delator descumpra os termos do acordo, também poderá perder seu benefício.

O relator do caso em julgamento é o ministro Edson Fachin. Seu voto inicial causou resistência pelo uso da palavra "vinculação", o que foi interpretado por alguns ministros como uma forma de tolher os poderes do plenário do STF, que não poderia mudar o estabelecido por um de seus integrantes. Isso porque o tribunal também decidiu que a homologação do acordo é uma tarefa apenas do relator do caso, e não do plenário.

Acordo homologado como regular, voluntário e legal gera vinculação condicionada ao cumprimento dos deveres assumidos pela colaboração, salvo ilegalidades supervenientes aptas a justificar anulação do negócio jurídico - propôs o ministro Fachin.

O ministro Alexandre de Moraes discordou dos termos: O controle dessa legalidade, regularidade e voluntariedade deve ser feito pelo relator na homologação. Ele vai homologar, mas isso não impede que, no momento do julgamento, o colegiado, seja turma, seja o plenário, analise os fatos supervenientes ou os fatos de conhecimento posterior - disse o ministro Moraes.

Assim, o ministro Luís Roberto Barroso perguntou qual seria a sugestão dele. O ministro Moraes propôs:

- Acordo homologado como voluntário, regular e legal deverá em regra produzir seus efeitos face ao cumprimento dos deveres assumidos na colaboração possibilitando ao colegiado a análise do parágrafo 4º do artigo 966. É uma referência ao artigo do Código de Processo Civil (CPC) que permite rescindir decisões quando verificadas algumas hipóteses de ilegalidades. Fachin concordou com a redação proposta por Moraes e a incorporou a seu voto. Depois, seguiram o mesmo entendimento os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Celso de Mello e Cármen Lúcia.

Ora, o acordo de delação premiada é negócio jurídico celebrado entre o Ministério Público e o investigado.

Pergunta-se se os delatados estão legitimados para pedir a anulação dessa delação?

Em apresentação de voto-vista, o ministro Luiz Edson Fachin lembrou que o Plenário do STF tem uma posição unânime para vetar a terceiros o questionamento do acordo de delação.

"Do exame que fiz, depreendi que a compreensão que emana do Tribunal Pleno desta Suprema Corte realmente não admite impugnação, por parte dos delatados, dos acordos de colaboração premiada, mesmo quando em causa eventuais motivos que possam levar à rescisão ou revisão da avença", disse. 

O ministro Fachin disse que a corte fixou a orientação de que "por se tratar de negócio jurídico personalíssimo, o acordo de colaboração premiada não pode ser impugnado por coautores ou partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações penais por ela praticadas, ainda que venham a ser expressamente nominados no respectivo instrumento no relato da colaboração e seus possíveis resultados".

O ministro Gilmar Mendes já  afirmou que o STF precisa rever sua posição sobre a impossibilidade de terceiros questionarem acordos de delação premiada. Para ele, "em casos de manifesta ilegalidade no acordo, os atingidos por ele devem poder ir ao Judiciário, que deve agir para garantir os respeitos a direitos fundamentais e ao princípio da segurança jurídica". 

Segundo o site Valor Econômico – Politica, A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no dia 25 de agosto do corrente ano que delatados têm legitimidade para pedir à Justiça a anulação dos acordos de colaboração premiada nos quais são mencionados. O entendimento vai contra o que fixou o plenário da própria Corte em 2015.

Relator do caso, o ministro Gilmar votou para suspender o aditivo, diante de um "cenário de abusos e desconfiança na atuação das partes envolvidas no acordo de colaboração premiada". Ele foi seguido pelo ministro Ricardo Lewandowski.

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A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF)  concedeu Habeas Corpus para declarar a nulidade de termo aditivo de colaboração premiada firmado entre o Ministério Público do Paraná, o ex-auditor Luiz Antônio de Souza e sua irmã Rosângela de Souza Semprebom, no curso da chamada Operação Publicano, que investiga delitos supostamente praticados por auditores da Receita Estadual e empresários contra a administração pública. Diante de empate na votação, prevaleceu, em observância ao Regimento Interno do STF (artigo 146, parágrafo único), a decisão mais favorável aos réus. A decisão se deu no julgamento dos Habeas Corpus (HCs) 142205 e 143427, impetrados em favor de Gilberto Favato, Antonio Carlos Lovato e outros réus de ação penal instaurada em decorrência das investigações.

Os ministros Gilmar Mendes (relator) e Ricardo Lewandowski já haviam votado para declarar a nulidade do segundo acordo de colaboração premiada e, por consequência, reconhecer a ilicitude das declarações incriminatórias prestadas pelos colaboradores. Para eles, o aditamento foi feito em “cenário de abusos e desconfianças entre as partes”.

Ainda de acordo com o entendimento que prevaleceu no julgamento, fundamentado no artigo 157, parágrafo 3º, do Código de Processo Penal (CPP), a Turma decidiu pela inutilização da prova declarada ilícita e, com base na necessidade de segurança jurídica, da manutenção dos benefícios concedidos aos colaboradores no acordo. Foi determinado ao juiz de origem que verifique se outros elementos probatórios foram contaminados pela ilicitude declarada e se há atos que devam ser anulados por terem sido fundamentados nas declarações, além da viabilidade de manutenção ou trancamento da ação penal à qual estão submetidos os autores dos habeas corpus.

Desde já, diga-se: anulação é diverso de rescisão. A primeira diz respeito à validade do acordo, a segunda a lesão sofrida de forma a se ter uma decisão proporcional ao atingido.

Ora, um acordo feito de delação traz efeitos reflexos a terceiros.

Tais terceiros estão sujeitos à decisão que homologa tal acordo, com a faculdade de insurgir-se contra ela, demonstrando a sua injustiça ou ilegalidade.

O que legitima essa solicitação do delatado é o interesse jurídico, não apenas secundário, mas direto, em razão do prejuízo jurídico que lhe é trazido.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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