CAUSALIDADE FUNDAMENTADORA E PREENCHEDORA DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO EUROPEU

28/08/2020 às 12:35
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Considerando que, no âmbito pátrio, muito se discute teorias unitárias do nexo de causalidade, oportuno trazer à baila breves comentários a respeito de uma visão binária do nexo causal, isto é, dividido em dois momentos de análise.

O nexo causal é, indiscutivelmente, elemento essencial para caracterização da responsabilidade civil, seja na ordem subjetiva, seja na ordem objetiva, nos termos dos artigos 186 e 927, do Código Civil. Com efeito, para se responsabilizar um sujeito, com o consequente dever de indenizar/compensar, faz-se necessário estabelecer uma ligação lógica entre este e o fato jurídico que lhe ensejou. Trata-se da correlação entre causa e efeito, isto é, consoante magistério clássico de Carvalho Santos é “[...] causa todo fenômeno necessário e suficiente para provocar o aparecimento de outro fenômeno” (1986; p. 328).

De modo tradicional, o nexo causal como pressuposto de responsabilidade é compreendido de forma unitária, limitando-se a análise do comportamente ilícito e o dano causado pelo agente, em um verdadeiro vínculo de lógica subjetiva. Disso, surgem as teorias que são comumente adotadas e explandas na doutrina pátria, das quais se destacam, sobretudo, três, quais sejam: a) teoria da equivalência das condições; b) teoria da causalidade adequada; c) teoria do dano direto e imediato.

A equivalência das condições é originária da doutrina de Direito Penal de Von Buri. Essa, de um modo geral, ignora fatos prexistentes ao evento danoso, encontrando como principal crítica o fato de retroceder exageradamente nos acontecimentos que permitiram a ocorrência do evento para buscar o responsável. Consoante leciona Wilson Melo da Silva não há “[...] nenhuma restrição à ampla regra do estabelecimento da relação de causa e efeito entre condições necessariamente dependentes uma das outras” (1974, p. 116). Não se ignora seu desenvolimento, especialmente na seara criminal, levando em conta hipóteses objetivas, mas ainda assim é digno de nota sua extensão.

Por sua vez, a teria da causalidade adequada, inspirada por Von Kries (apud PEREIRA, 2012, p. 110), busca encontrar aquela causa que se mostrou mais relevante para culminar o evento danoso. Diante disso, não se permite aqueles desmembramentos para o passado desnecessários. Sério Cavalieri Filho defende que tal teoria foi agasalhada no ordenamento pátrio por força do artigo 403, do Código Civil (2012, p. 55). Dessarte, a partir dessa, persegue-se aquela causa com um liame necessário entre a causa e o efeito. Oportuno informar que, malgrado possa variar consoante o caso concreto, essa é frequentemente ressaltada pelo Superior Tribunal de Justiça (AREsp 754859/GO).

Finalmente, a teoria do dano direto e imediato – ou interrupção do nexo causal – defende que será passível de reparação aquele dano em que for direta e imediatamente causado pelo comportamento do sujeito, excluindo-se prejuízos eventuais e demais fatos com o condão de interromper o nexo causal. Agostinho Alvim, ainda na égide do Código Civil de 1916, defendia essa teoria (1955, p. 380-381). Tal doutrina auferiu desenvolvimento na presente legislação, muito por conta da necessidade de abrir espaço para o dano reflexo, tendo como destinatário um sujeito indireto (TEPEDINO, 2006, p. 69).

Porém, tais teorias centram-se em um nexo causal unitário, sendo que, hodiernamente, vêm auferindo relevância na europa sua visão de forma binária, sobretudo, em razão da influência do Direito Privado Alemão. Em Portugal, por exemplo, ganhou destaque a obra “Do nexo de causalidade ao nexo de imputação: contributo para a compreensão da natureza binária e personalística do requisito causal ao nível da responsabilidade civil extracontratual”, da Prof. Dra. Mafalda Miranda Barbosa, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Conforme leciona a civilista, abriu-se margem para uma summa divisio entre a causalidade fundamentadora e a causalidade preenchedora. Em suas palavras a “[...] primeira teria como função ligar o comportamento do sujeito à lesão do direito subjetivo ou do interesse; a segunda serviria para estabelecer o nexo entre a lesão do direito ou do interesse e os danos subsequentes que avultassem” (2017, p. 14). Deveras gere controvérsia na Alemanha, país da qual é originária, a dicotomia vem sendo utilizada na Itália e em Portugal.

É possível encontrar relevância prática na diferenciação a depender do que se busca na compreensão da responsabilidade civil. A causalidade fundamentadora é relevante na medida em que se analisa se a lesão pode efetivamente ser imputada ao sujeito. De outro lado, a causalidade preenchedora ganha corpo ao depreender em que medida o dano deve ser indenizado. Com efeito, segundo Mota Pinto, é possível separar o direito da responsabilidade do direito da indenização, lhe dividindo (2008, p. 924). Continua dizendo o autor que a distinção “não é uma determinação da natureza das coisas, mas deve ser adotada e como distinção entre dois nexos de causalidade e não apenas como um problema de causalidade e um outro de avaliação e medida dos danos” (2008, p. 927).

Dessarte, haveria um momento de se averiguar a relação entre o comportamento do agente e o evento danoso integrador da responsabilidade e a relação entre aqueles e o dano que se busca reparar ou mesmo compensar. Se diferencia então a lesão e o dano, bem como a averiguação e consequência desses.

Exemplificando, então, em um primeiro momento seria necessário analisar se houve a lesão de um interesse jurídico por um titular diverso, a partir da causalidade fundamentadora. Com isso, seria possível saber se os danos são indenizáveis/compensáveis ou não, devendo esses serem causados por intermédio da lesão do interesse que se discute. Quer-se dizer que não importa tão somente o desvalor da conduta, mas também o resultado.

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Defendendo sua relevância e confrontando teses contrárias, Mafalda Miranda Barbosa assevera:

Em suma, a bipartição entre a causalidade fundamentadora e a causalidade preenchedora da responsabilidade impõe-se pela estruturação da ilicitude no resultado e não na conduta e pela necessidade de ligar o resultado advindo ao comportamento do sujeito. Mas não só. Ela torna-se, igualmente, necessária em face de problemas concretos em que a recondução do dano à violação do direito não se apresenta absolutamente clara. Estamos, no fundo, a pensar em todas aquelas hipóteses em que, de acordo com uma visão unitária da causalidade, a que se acresce uma prisão ao critério da adequação, o jurista ficaria sem critério para afastar a responsabilidade por determinados danos, em relação aos quais o sentido do justo aconselhava o não ressarcimento. (2017, p. 20).

A professora continua exemplicando a tese com um famoso caso julgado Bundesgerichtshof (semelhante ao Superior Tribunal de Justiça brasileiro), em 1976. Nesse, uma prostitura foi vítima de um acidente de trânsito, deixando de trabalhar pelo período de 30 (trinta) dias. Diante disso, restou inegável o lucro cessante percebido, visto que a vítima tinha cerca de 15/30 clientes por dia, efetivamente deixando de lucrar. Entretanto, a corte alemã afastou a compensação, com fundamento no §252 do BGB, sendo a prostituição contrárias aos bons costumes. Em suma, acolher a indenização seria concluir que o sistema civil alemão está em contradição consigo próprio. Entretanto, o tribunal condenou o responsável pelo acidente a pagar para a prostituta um montante que cobrisse as necessidades básicas de uma pessoa saudável, vez que o contrário, isentaria a responsabilidade civil indubitavelmente configurada.

A conclusão que chegou o Bundesgerichtshof só pode ser explicado pela dicotomia do nexo causal. Isto é, por meio da causalidade fundamentadora restou configurada a lesão e a partir da causalidade preenchedora a aquilatação do dano.

À luz disso, a responsabilidade deixaria de ser vislumbrada somente pelo ponto de vista dogmático, passando a ser compreendida também pelo ponto de vista ético-axiológico. Desprende-se da ficção, para ter como referencial concretamente a pessoa humana, entre o encontro do “eu” com o tudo, isto é, individualização e potencialização da personalidade humana, sendo, indispensável, averiguar a responsabilidade civil conjuntamente com o terceiro lesado, e suas concretas consequências em decorrência da conduta imputada.

Superado o nexo de imputação por meio da causalidade fundamentadora, buscar-se-á com base nas possibilidades abertas pela efera delimitada pelo direito subjetivo, reconduzir os danos consequenciais ao concreto direito violado (BARBOSA, 2008, p. 33), através da causalidade preenchedora.

Hodiernamente, a responsabilidade civil continua a se desenvolver, sendo tal debate no Brasil ainda pouco utilizado. A teoria unitária da responsabilidade civil, portanto, vem auferindo flexibilizações e divisões, com o condão de gerar impacto na sua aplicação. Essas reflexões mostram-se oportunas para ao desenvolvimento da Responsabilidade Civil Contemporânea no país, atualmente, mais centrada no gradativo aumento da cláusula geral da responsabilidade objetiva.

 

Bibliografia

 

ALVIM, Agostinho. Da Inexecução das Obrigações e suas Consequências. 2ªed. São Paulo. Saraiva. 1955;

BARBOSA, Mafalda Miranda. Haftungsbegründende kausalität e Haftungsausfüllende Kausalität: Causalidade Fundamentora e Causalidade Preenchedora da Responsabilidade. In Revista da Faculdade de Direito e Ciência Política. Universidade Lusófona do Porto. N. 10. 2017, p. 14-36;

CAVALIERI FILHO, Sério. Programa de Responsabilidade Civil. 10ª ed. São Paulo. Atlas. 2012;

MOTA PINTO, Paulo. Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo. Coimbra. Coimbra Editora. 2008;

Sobre o autor
Victor Bambinetti Gonçalves

Estudante de Direito da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE e da Faculdade de Direito da Universidade do Porto - FDUP. Com pesquisas no Direito Civil, mais especificamente Direito Civil Constitucional e Direito Digital.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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