1. INTRODUÇÃO
O marketing, consoante Roling e Vieira (2014), é um campo do conhecimento interdisciplinar que empreende uma relação com outras disciplinas, a fim de ampliar o foco analítico, tendo em vista que sua atuação se dá em organizações inseridas num contexto social. Além disso, de acordo com Faria e Vieira (2002), a interdisciplinaridade, além de facilitar o questionamento de “verdades” estabelecidas, também estimula a produção local de conhecimento de marketing. “Ademais, pode levar ao diálogo mais franco entre acadêmicos e praticantes de marketing” (FARIA; VIEIRA, 2002, p. 4).
Este artigo, então, possui viés interdisciplinar, abarcando estudos econômicos, jurídicos, filosóficos e linguístico-discursivos, precipuamente. Isso porque “deveríamos, portanto, ser animados por um princípio de pensamento que nos permitisse ligar as coisas que nos parecem separadas umas em relação às outras” (MORIN, 2003, p. 14).
A abertura de novas Micro e Pequenas Empresas (MPEs) aumenta cada vez mais no Brasil – e elas representam uma peça fundamental para a economia do país, sendo responsáveis pela maior parte da geração de empregos e movimentação de capital. No entanto, os desafios para que as MPEs se mantenham em atividade são diversos, já que, além da evidente concorrência, é possível apontar, de acordo com Teixeira (2017), o excesso de carga tributária, a burocracia administrativa, a complexidade das exigências contábeis, a falta de preparo dos empreendedores, bem como a insuficiência de capital de giro e linhas de crédito.
Diante disso, é preciso que as MPEs tenham um bom posicionamento de marca para que se sobressaiam nesse mercado tão competitivo, de tal forma que, por meio de um instrumento de marketing adequado às suas peculiaridades, consigam a fidelidade de seus clientes.
Contudo, conforme pesquisas de Almeida et al (2015), grande parte dos gestores das MPEs não possuem conhecimento adequado de técnicas de marketing ou administrativas, o que acarreta uma série de problemas – desde a diminuição dos lucros até o encerramento das atividades.
Dessa maneira, é mister que os profissionais de marketing e comunicação se atentem às necessidades específicas de uma empresa em ascensão, compreendendo seus problemas e desafios para, então, ter aptidão para planejar uma ação adequada de acordo com cada fase da empresa.
Uma fase decisiva é a inicial, de inserção da empresa no mercado, pois reúne não só dificuldades relacionadas a questões financeiras, mas também ao pensamento amador dos gestores, que não compreendem, realmente, o significado de uma marca e a importância de seu posicionamento para se obter sucesso em meio a tantos obstáculos.
É interesse de todos os cidadãos que os microempreendedores permaneçam de portas abertas – e, para isso, é fundamental que sejam utilizadas ferramentas de marketing adequadas, a fim de propiciar uma verdadeira ação comunicativa com os clientes, que seja capaz de transferir os valores da marca por meio de uma dialogicidade socialmente transformadora.
Em síntese, este artigo possui, como objetivo geral, compreender a importância do marketing para a longevidade das MPEs. Por sua vez, os objetivos específicos consistem em: a) estudar as peculiaridades das MPEs no cenário brasileiro; b) estudar o conceito de marca e de Brand Equity, de modo a evidenciar sua dimensão valorativa; c) analisar a adequação do marketing de relacionamento como instrumento para as MPEs; d) apresentar a teoria do agir comunicativo como estratégia de aprimoramento na relação entre MPE e cliente.
2. O MARKETING COMO ALIADO DAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS
A Constituição da República, art. 170, inciso IX, prevê tratamento favorecido às empresas de pequeno porte constituídas de acordo com as leis nacionais e que tenham sede e administração no Brasil, de acordo com Teixeira (2017). Por seu turno, o Código Civil, art. 970, também expressa a necessidade de garantia de tratamento diferenciado tanto para o pequeno empresário quanto para o empresário rural, no que se refere à inscrição e aos seus efeitos.
Coadunado a isso, Gomes (2017) aduz que:
Em conformidade com os princípios constitucionais norteadores da ordem econômica e financeira, a Constituição Federal estabelece, em seu art. 179, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e empresas de pequen porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio da lei (GOMES, 2017, p. 50).
Montaño (1999), fora do âmbito jurídico, traz um conceito interessante para as micro e pequenas empresas. Segundo ele, são pequenas, porque têm poucos trabahadores, reduzida produção, comercialização e alcance no mercado, ainda que geograficamente; pouco complexas, porque são centralizadas com pequena divisão de atribuições; relativamente informal, posto que não há objetivos, normas, recompensas e sanções bem definidas.
Por sua vez, a distinção entre micro e pequeno empresário juridicamente está no Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, a LC n. 123/2006. Assim, nos termos do art. 3º da mencionada lei, a conceituação original era a seguinte: microempresa (ME) é aquela que possui receita bruta anual de até R$ 360.000,00 por ano. Por seu turno, empresa de pequeno porte (EPP) é aquela que possui receita bruta anual superior a R$ 360.000,00 até o limite de R$ 3.600.000,00,
No entanto, é valioso apontar as alterações promovidas pela LC 155/2016 ao Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, que entraram em vigor no início de 2018. Consoante Gomes, passaram a se enquadrar, então, como EPP:
[...] a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário individual, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800,00 (quatro milhões de reais) (GOMES, 2017, p. 50-51).
Como se pode perceber, a lei ampliou a possibilidade de que uma empresa possa se enquadrar como EPP e, assim, usufruir dos benefícios que lhe são proporcionados. As Micro e Pequenas Empresas (MPE) representam, segundo dados do SEBRAE de 2012, 99% das empresas instaladas no país e 50% dos empregos nacionais, de acordo com ALMEIDA et al (2015).
No contexto de 2008, os pequenos negócios somavam 16,2 milhões de empreendimentos no país, de modo a gerar 28 milhões de empregos e, por conseguinte, sendo responsáveis por 20% do Produto Interno Bruto do país. Apesar da grande participação no cenário nacional, o governo do Brasil, em seu portal on-line, fez um apanhado geral dos dados do SEBRAE e constatou que, em 2010, 58% das empresas de pequeno porte pararam de operar antes de completar cinco anos. Dados mais recentes continuaram alarmantes, como se vê:
Pesquisas do SEBRAE divulgadas no início de 2014 davam conta de que uma a cada quatro empresas não chegam ao segundo ano de existência; sendo que entre as micro e pequenas empresas, sete a cada 10 não chegam ao quinto ano de funcionamento (TEIXEIRA, 2017, p. 37).
Os três motivos mais citados pelos empreendedores a respeito do fechamento das empresas foram: primeiro, a falta de clientes (29%), seguido por falta de capital (21%) e, em terceiro lugar, a concorrência (5%). Reparemos que o primeiro e o terceiro fator estão diretamente ligados às atividades do marketing, o que mostra sua importância nas empresas, seja qual for seu tamanho ou objetivos.
Isso porque, para Kotler (1998), o marketing é a função dentro de uma empresa que identifica as necessidades e os desejos do consumidor, determinam quais os mercados-alvo que a organização pode servir melhor e planeja produtos, serviços e programas adequados aos mercados, sendo, logo, uma filosofia orientadora de toda a organização. Assim, a meta do marketing é, mediante a criação de uma relação de valor com o cliente, satisfazê-lo de forma lucrativa (KOTLER, 1998).
Almeida et al (2015) aponta para o fato de que, geralmente, a gestão de marketing das MPEs tende a ser informal, casual e simples, em virtude do tamanho, da informalidade e da forte influência do empreendedor nas decisões da empresa. Todavia, Carson (1990) alerta que as MPEs não são grandes empresas em miniaturas, o que implica a necessidade de se ater ao implemento de um marketing diferente do tradicional – trata-se, aduz Solé (2013), de um exercício gerencial apreendido durante as experiências do dia a dia.
Por essa razão, Barbos e Costa (2016) asseveram que o marketing pode ser um importante aliado para essas empresas, no que se refere à sua criação, estruturação e desenvolvimento, de maneira a colaborar para sua finalidade de produção e prestação de serviços. O marketing, ao longo do tempo, tem evoluído de tal forma a se adequar às mudanças exigidas pelas instituições comerciais – e, segundo os autores supraditos, um exemplo de ferramenta apta a propiciar o desenvolvimento e crescimento das MPEs mediante a “diferenciação e fidelização de clientes” seria o marketing de relacionamento (BARBOS; COSTA, 2016).
Dito isso, acreditamos que o marketing é essencial para a longevidade das MPEs, cuja importância transcende o campo publicitário e comercial para atingir toda a sociedade, em suas esferas sociais e econômicas. Portanto, pretende-se evidenciar o valor da marca, desvelada ao cliente por meio do marketing de relacionamento, à luz da Teoria do Agir Comunicativo de Jürgen Habermas.
3. MARCA: DO VALOR À COMUNICAÇÃO
Marca: um conceito de valor
Em se tratando da importância do posicionamento da marca, é necessário compreender, inicialmente, o que é uma marca. Ao falarmos sobre essa temática, o pensamento imediato do senso comum é de que se trata de apenas um símbolo, uma logo ou um nome. A marca é, porém, muito mais do que isso. Tanto é que o próprio Aaker (2015), o grande especialista do assunto, comenta que “a gestão de marca é complexa e idiossincrática. Cada contexto é diferente” (AAKER, 2015, p. 2).
Não obstante a isso, não é surpresa que o conceito de marca gere pontos de vista divergentes. A American Marketing Association (AMA) define marca como algo exclusivamente visual: “marca é um nome, termo, símbolo, desenho ou uma combinação desses elementos que deve identificar os bens ou serviços de um fornecedor ou grupo de fornecedores e diferenciá-los da concorrência” (AMA apud KELLER; MACHADO, 2006).
No entanto, segundo Armstrong e Kotler (2007), marca é muito mais do que um contexto visual:
As marcas são mais que meros nomes e símbolos. Elas são um elemento-chave nas relações da empresa com os consumidores. As marcas representam as percepções e os sentimentos dos consumidores em relação a um produto e seu desempenho – tudo o que o produto ou serviço significa para os consumidores. Na análise final, as marcas existem na mente dos consumidores (ARMSTRONG; KOTLER, 2007, p. 210).
Aaker (2015) complementa a citação anterior de forma mais intensa e humana. É o seguinte conceito de marca que irá direcionar este estudo, afinal, para ter um posicionamento, a marca precisa, primeiro, possuir essência própria. Para o autor, a marca ultrapassa a ideia de ser um nome um ou logo, pois ela seria a “promessa de uma empresa ao cliente de concretizar aquilo que ela simboliza em termos de benefícios funcionais, emocionais, de autoexpressão e sociais” (AAKER, 2015, p.1). O autor complementa, afirmando que a marca “é mais do que uma promessa, também é uma jornada, uma relação que evolui com base em percepções e experiências que o cliente tem todas as vezes que estabelece uma conexão com a marca” (AAKER, 2015, p.1).
Desse modo, podemos compreender que a marca e suas abrangências afetam as empresas como um todo, tanto em questões gerenciais internas e externas quanto no plano de marketing. A princípio, não seria mais adequado abordar, antes de tudo, o marketing – já que a marca é proveniente dessa área? Segundo Aaker (2015), deve-se pensar na marca antes de qualquer outra coisa:
Quando a visão de marca se encaixa perfeitamente, quando acerta o alvo, ela reflete e apoia a estratégia de negócios, cria diferenciais em relação à concorrência, encontra eco junto aos clientes [...] e catalisa uma enxurrada de ideias para programas de marketing. Quando está ausente ou é superficial, a marca vaga sem rumo e os programas de marketing tendem a ser inconsistentes e ineficazes (AAKER, 2015, p. 25).
Fica, pois, nítido que, sem uma visão de marca bem definida, todas as ações de marketing da empresa ficam vagas e sem fundamentos. É a marca e todos os seus valores que determinam um plano de marketing. A marca é a influenciadora central de todas as vertentes de um negócio – afinal, tudo deve ser baseado nas características dela.
Brand Equity: os valores de uma marca
A marca é o centro de direcionamento das estratégias e ações competitivas de um negócio (AAKER, 2015). Primeiramente, segundo o autor, é necessário abordar os valores da marca e, após a definição desses valores, ela poderá se posicionar estrategicamente. Buscando referências administrativas, temos que, para Serio e Vasconcelos (2009), o valor é subjetivo e, por isso, ele não pode ser dado como determinação da empresa, e sim a partir da percepção dos consumidores.
Todavia, para os profissionais de marketing, uma empresa é uma marca em seu sentido amplo – como já abordado no tópico anterior. Portanto, ela, enquanto marca, deve sim determinar os seus valores e se posicionar estrategicamente através deles. O eco final é dado pelo consumidor, mas cabe à marca escolher quais das suas características ecoarão e trabalhar para alcançá-las na mente, na boca e no coração do consumidor.
Sua marca precisa de uma visão de marca: uma descrição estruturada da imagem pretendida pela marca; o que você deseja que a marca represente para os clientes e outros grupos relevantes, como funcionários e parceiros. Em última análise, a visão da marca (também chamada de identidade, valores ou pilares da marca) determina o componente de construção de marca do programa de marketing e influencia significativamente todo o resto (AAKER, 2015, p. 25).
Não há como falar sobre valores da marca sem definir Brand Equity. Na visão de Armstrong e Kotler (2007), o Brand Equity se caracteriza, principalmente, pelo poder de uma empresa de manter clientes fiéis por muito mais tempo.
O valor real de uma marca forte é seu poder de conquistar a preferência e a fidelidade dos consumidores. [...] Uma marca poderosa tem um alto brand equity. O brand equity é o efeito diferenciador positivo que o conhecimento do nome da marca tem sobre a reação do cliente ao produto ou serviço. [...] Um alto brand equity proporciona muitas vantagens competitivas a uma empresa. Uma marca poderosa tem um alto nível de conscientização de marca e fidelidade por parte do consumidor (ARMSTRONG; KOTLER, 2007, p. 210).
O modelo de Brand Equity baseado no cliente (Customer-Based Brand Equity – CBBE), segundo Keller e Machado (2006), além de fidelizar, irá refletir nos sentimentos dos consumidores. “A premissa básica do modelo CBBE é que a força de uma marca está no que os clientes aprenderam, sentiram, viram e ouviram sobre ela como resultado de suas experiências ao longo do tempo” (KELLER; MACHADO, 2006, p. 36).
Os valores da marca, logo, estão diretamente ligados à percepção do cliente, e é preciso que as empresas trabalhem para que estes sejam sempre positivos e memoráveis. Para alcançar esse objetivo, propomos que as MPEs utilizem o marketing de relacionamento, que se apresenta como uma ferramenta adequada para a diferenciação e fidelização de clientes. Isso porque, consoante Kotler (2008), “A gestão do relacionamento com o cliente trata do gerenciamento cuidadoso de informações detalhadas sobre cada cliente e de todos os “pontos de contato” com ele, a fim de maximizar sua fidelidade” (KOTLER, 2008, p. 142).
O marketing de relacionamento
Inicialmente, é preciso compreender que o marketing de relacionamento, como afirmam Barbos e Costa (2016), representa uma nova postura na interação entre uma empresa e seus clientes. Embora não se possa definir precisamente o seu surgimento, é possível afirmar que ele tenha se iniciado nas décadas de 1980-1990, com o avanço da comunicação e da relação com o consumidor. Consoante Oliveira e Simonetti (2011):
No caso das micro e pequenas empresas, o relacionamento é condição preponderante na conquista do cliente, devido às limitações destas organizações. Trata-se de ativo intangível destas organizações como uma fonte de vantagem competitiva que pode minimizar as limitações inerentes às organizações deste porte (OLIVEIRA; SIMONETTI, 2011, p. 4).
Armstrong e Kotler (2007) explicam sobre o CRM (Customer Relationship Management), isto é, a gestão de relacionamento com o cliente, que visa à construção e à manutenção do relacionamento, de forma a agregar valor superior e satisfação. Segundo esses estudiosos, valor é a avaliação que o cliente faz com referência à diferença entre os benefícios e o preço do produto e/ou serviço em relação à concorrência. Por seu turno, a satisfação diz respeito à maneira como esse cliente percebe o produto, ou seja, se atende às suas expectativas (ARMSTRONG; KOTLER, 2007). Trata-se de uma chance de encantar/satisfazer ou não o cliente – dito de outro modo, a empresa terá a oportunidade de fidelizar um cliente. Tal fidelização se revela essencial às MPEs, tendo em vista as suas limitações, como já apontado.
Com efeito, Barbos e Costa (2016) chamam atenção para o fato de que:
Hoje, diante dos desafios do mercado, sobretudo, pela concorrência acirrada, questiona-se sobre como algumas empresas conseguem sobreviver sem um planejamento técnico de marketing. Haja vista que por falta de investimento e planejamento técnico administrativo, estrutural, jurídico e de marketing, acompanha-se no mercado a curta duração de vida de muitas empresas, que mais cedo ou mais tarde não conseguem sobreviver e se manter em atividade. [...] Observa-se que na realidade das empresas brasileiras a aplicação das técnicas de marketing de relacionamento ainda é pouco efetiva, principalmente falando-se dos pequenos negócios” (BARBOS; COSTA, 2016, p. 124).
Passemos agora à análise das vantagens e desvantagens das MPEs em relação às grandes organizações. De acordo com Harrigan et al (2012), as vantagens incluiriam uma lealdade entre os funcionários, a proximidade com os clientes, a flexibilidade às necessidades do mercado e o foco nas oportunidades, o que propicia a formação de um relacionamento mais próximo com o consumidor.
Lado outro, a grande desvantagem é que os seus gerentes-proprietários, apesar de terem conhecimento do produto/serviço ofertado, não dominam ações de marketing (GILMORE et al, 2012). Destarte, segundo Maritz et al (2010), o marketing atua em ambiente incerto, em que as condições do mercado são descontínuas e as necessidades do mercado são obscuras. De modo geral, pode-se dizer que o marketing, nas MPEs, é realizado pelos gerentes-proprietários, sendo conduzidos pelas ideias e intuição, não para o cliente e pela avaliação do mercado, como salienta Strokes (2000).
Teoria do agir comunicativo: diálogo transformador
Para que os gerentes-proprietários das MPEs ultrapassem a abordagem intuitiva de marketing e consigam estabelecer um relacionamento de satisfação com o cliente, a fim de que o valor da marca possa ser por ele apreendido, é mister compreender como funciona um canal de comunicação.
O processo de comunicação, consoante Oliveira e Simonetti (2011), ocorre entre um emissor e um receptor. O emissor codifica a mensagem e o receptor a decodifica, gerando uma resposta – feedback. Insta mencionar que qualquer interferência nesse processo pode ensejar um ruído, de modo a inviabilizar a eficácia da comunicação, no que os gestores devem ficar atentos.
De acordo com Armstrong e Kotler (2007), é por meio da comunicação em marketing que o gestor consegue identificar o público-alvo, os objetivos da comunicação, elaborar a mensagem e escolher a mídia de transmissão que será utilizada.
Jürgen Habermas, filósofo e sociólogo alemão, formulou a Teoria do Agir Comunicativo, por meio da qual enaltece o diálogo, que seria a ponte para uma sociedade mais solidária, já que, na perspectiva da construção dialogal, mediante a sustentação dos argumentos, as pessoas chegariam a um consenso:
É só na qualidade de participantes de um diálogo abrangente e voltado para o consenso que somos chamados a exercer a virtude cognitiva da empatia em relação às nossas diferenças recíprocas na percepção de uma mesma situação. Devemos então procurar saber como cada um dos demais participantes procuraria, a partir do seu próprio ponto de vista, proceder à universalização de todos os interesses envolvidos (CRUZ apud HABERMAS, p. 133, 2006).
Acerca da dimensão dialogal, Habermas explica que, tão logo as forças ilocucionárias das ações de fala assumem um papel coordenador na ação, a própria linguagem passa a ser explorada como fonte primária de integração social, já que os atores, na qualidade de falantes e ouvintes, “tentam negociar interpretações comuns da situação e harmonizar entre si os seus respectivos planos através de processos de entendimento, portanto pelo caminho de uma busca incondicionada de fins interlocutórios” (HABERMAS, p. 36, 2012).
O conceito de agir comunicativo, então, refere-se à interação de pelo menos dois sujeitos capazes de falar e agir que estabeleçam uma relação interpessoal (seja com meios verbais ou extraverbais). Os atores buscam um entendimento sobre a situação da ação para, de maneira concordante, coordenar seus planos de ação e, com isso, suas ações (HABERMAS, 2016, p. 166).
De acordo com o filósofo, em que pese existam o agir estratégico, o dramatúrgico e o teleológico, por exemplo, o agir comunicativo é o único que pressupõe a linguagem como um medium de entendimento não abreviado, em que falantes e ouvintes, a partir do horizonte de seu mundo de vida interpretado de modo prévio, referem-se ao mesmo tempo a algo no mundo objetivo, social e subjetivo, com o intuito de negociar definições em comum para as situações (HABERMAS, 2016).
Nesse ponto, posso introduzir o conceito de mundo da vida, inicialmente, como correlato dos processos de entendimento. Sujeitos que agem comunicativamente buscam sempre o entendimento no horizonte de um mundo da vida. O mundo da vida deles constitui-se de convicções subjacentes mais ou menos difusas e sempre isentas de problemas. Esse pano de fundo ligado ao mundo da vida serve como fonte de definições situacionais que podem ser pressupostas pelos partícipes como se fosem isentas de problemas. Em suas realizações interpretativas, os envolvidos em uma comunidade de comunicação estabelecem limites entre o mundo objetivo único e seu mundo social intersubjetivamente partilhado, de um lado, e os mundos subjetivos de indivíduos de (outras) coletividades (HABERMAS, 2016, p. 138).
É por essa razão que o entendimento do agir comunicativo possibilita ao gestor a oportunidade de transmitir a essência e os valores da marca ao cliente. No entanto, para isso, é preciso que ele investigue e compreenda o mundo de vida de seu público-alvo. Esse conceito habermasiano é importante, pois quebra o paradigma do senso comum, de que bastaria fazer uma ficha com os dados pessoais do cliente para “conhecê-lo”.
Maciel (1999) explica que a teoria de Habermas pressupõe uma racionalidade segundo a perspectiva da linguagem, que rompe com qualquer dogmatismo ou pretensão última de verdade. Ademais, comporta “a totalidade do sujeito no que ele traz de expectativas, vivências, sentimentos, afetos, valores, normas, crenças, enfim, todos os aspectos que contextualizam seu mundo vital” (MACIEL, 1999, p. 62).
Isso é essencial para que se estabeleça o valor da marca, de modo que seu posicionamento deve priorizar os aspectos de identidade a serem focalizados na comunicação com os consumidores. Sobre isso, Keller (2003, p. 75) propõe quatros passos para a construção de marcas sólidas:
a. Garantir a identificação da marca com os clientes e associação, em suas mentes, da marca com uma categoria de produtos específica ou com uma necessidade dos clientes;
b. Estabelecer o significado/essência da marca na mente dos clientes, criando uma ligação entre as associações tangíveis e intangíveis da marca com determinadas propriedades;
c. Verificar as respostas dos clientes à identidade a ao significado da marca;
d. Converter a resposta à marca num relacionamento de lealdade entre os clientes e a marca.
Dito isso, vislumbramos uma relação umbilical entre a teoria habermasiana e a construção do valor das marcas: as ações comunicativas têm uma função de natureza coordenadora, consensual, que se relaciona com o primeiro passo delineado por Keller (2003). Em decorrência disso, assinala Maciel (1999), elas fazem com que falante e ouvinte estabeleçam uma relação intersubjetiva, ancorada em pretensões de validade que têm de ser suscitadas – segundo passo – ao mesmo tempo que obriga os falantes a justificarem as razões de sua fala – terceiro passo. Tudo isso ocorre no intuito de se buscar, enfim, uma possível união verdadeira do discurso, no que se baseia o quarto passo de Keller (2003) para a construção de uma marca sólida.
Para Oliveira e Simonetti (2011), as MPEs normalmente possuem um quadro funcional limitado e, por conseguinte, toda a equipe precisa estar engajada no atendimento, salientando a importância do marketing interno. Os autores ainda enfatizam que o marketing de relacionamento, facilitado pelos avanços da tecnologia da informação, é o maior diferencial das MPEs. Sendo assim, é imperioso entender a racionalidade comunicativa:
As ações reguladas normativamente, as auto-apresentações expressivas, e também as expressões valorativas suplementam os atos de fala constantivos na constituição de uma prática comunicativa que, contra um pano de fundo de um mundo-da-vida, é orientada para alcançar, sustentar e renovar o consenso - e, na verdade, um consenso que se baseia no reconhecimento intersubjetivo de pretensões de validades criticáveis. A racionalidade inerente a esta prática é mostrada no fato de que um acordo alcançado comunicativamente deve ser baseado no final em razões. E a racionalidade daqueles que participam dessa prática comunicativa é determinada pelo fato de que, se necessário, podem, sob circunstâncias convenientes, fornecer razões para suas expressões (HABERMAS,1988, p.17).
Para Habermas (1988), a razão comunicativa se relaciona a uma dinâmica de ação social que poderia restabelecer a subjetividade do indivíduo, restaurando o pluralismo e o intersubjetivismo na vida social. Acerca do assunto, Maciel (1999) explica que o processo de compreensão que leva à modificação do sujeito ocorre quando este é capaz de ascender à fala do interlocutor e ao seu próprio enunciado: “Há, portanto, uma situação de diálogo com vista a um entendimento mútuo cujos participantes dessa conversa necessitam acordar sobre os significados e fundamentos dos proferimentos utilizados” (MACIEL, 1999, p. 63).
As MPEs devem, então, buscar um alto Brand Equity por meio da dialogicidade, vez que a potência de uma marca estaria naquilo que fica gravado na mente do consumidor (KELLER; MACHADO, 2006). Isso porque Habermas acredita que, através do diálogo, o indivíduo possa construir sentido às suas ações para retomar o seu papel de sujeito – é na perspectiva habermasiana do agir comunicativo que se fundamenta a construção social dos sujeitos (GONÇALVES, 1997).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esta pesquisa, foi possível compreender que o marketing possui um papel decisivo para o sucesso ou não de uma MPE. Se o microempreendedor perpassar sua visão, frequentemente amadora, atrelada a ações de marketing intuitivas e ineficazes, e buscar compreender a dimensão valorativa da marca, isso reverberá em todo seu planejamento estratégico.
Uma marca, ao contrário do que pensa o senso comum, não é só um símbolo, mas congrega os valores formadores da essência de uma empresa, isto é, consiste em sua própria identidade. Assim, é imprescindível que a MPE adote um posicionamento com fins a fortalecer o Brand Equity, o que lhe é mais adequado fazer, em razão de todas as suas limitações, mediante a ferramenta do marketing de relacionamentos.
Assim, a MPE deve explorar a proximidade com o consumidor para que ambos estabeleçam um diálogo coordenado para o consenso, estruturado de tal forma a corresponder às expectativas do interlocutor. Desse modo, será possível que os clientes, através de uma verdadeira ação comunicativa, fidelizem-se aos valores da marca em virtude da ocorrência de uma ação social de natureza transformadora e dialógica.
Enfim, ressalte-se que a pesquisa não teve a pretensão de esgotar esta temática, que merece ser amplamente estudada sob diversos ângulos. Indica-se, portanto, a continuidade de pesquisas neste sentido, tendo em vista a relevância do tema, que diz respeito a toda sociedade.
REFERÊNCIAS
AAKER, David. On Branding. Trad. Francisco Araújo Costa. Porto Alegre: Bookman, 2015.
ALMEIDA, M. I. S.; CAMARGO FILHO, A.; COELHO, R. L. F.; FREITAG, M. S. B.; MIRANDA, J. R. de. Gestão do marketing em micro e pequenas empresas. Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas, v. 4, n. 2, 2015.
ARMSTRONG, Gary; KOTLER, Philip. Princípios de marketing. Trad. Cristina Yamagami. 12 ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.
BARBOS, Betânia Palmeirim de Andrade; COSTA, Robson Antonio Tavares. Marketing nas Micro e Pequenas Empresas: Como o Marketing de Relacionamento Pode se Tornar uma Ferramenta de Diferenciação e Fidelização de Clientes. Revista de Empreendedorismo e Gestão de Micro e Pequenas Empresas. Brasil, v. 1, n. 6, p. 116-133, nov./dez.2016. Disponível em: <http://files.comunidades.net/robsontavares/9_ARTIGO_OFICIAL_1.pdf>. Acesso em: 5 out. 2019.
CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Habermas e o Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
FARIA, Alexandre; VIEIRA, Francisco. Interdisciplinaridade e crítica em marketing. Revista Interdisciplinar de Marketing. V. 1, n. 1, jan./abr.2002. Disponível em: <http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/rimar/article/view/26260/14066>. Acesso em: 3 dez. 2019.
GILMORE, A.; KRAUS, S.; O’DWYER, M; MILES, M. Editorial: Strategic marketing management in small and medium-sized enterprises. Internacional Entrepreneurship and Management Journal, v. 8, n. 2, p. 141-143, 2012.
GOMES, Fábio B. Manual de direito empresarial. 6ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
GONÇALVES, M. A. S. Teoria da ação comunicativa de Habermas: possibilidades de uma ação educativa de cunho interdisciplinar na escola. Educação & Sociedade. Campinas, Ano XX, N.66, p. 125-140, abr, 1997.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Universitário, 2012.
HABERMAS, Jürgen. Teoria de la accion comunicativa: tomo II, critica de la razón funcionalista. Madrid: Taurus, 1988.
HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social (vol. 1).Trad. Flávio Beno. São Paulo: Martins Fontes, 2016.
HARRIGAN, P.; RAMSEY E.; IBBOTSON, P. Entrepreneurial marketing in SMEs: the key capabilities of e-CRM. Journal of Research in Marketing and Entrepreneurship, v. 14, n. 1. p. 40-64, 2012.
KELLER, Kevin Lane; MACHADO, Marcos. Gestão estratégica de marcas. Trad. Arlete Simille Marques. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006.
KELLER, Kevin Lane. Strategic brand management: building, measuring and managing brand equity, 2. Ed. New Jersey: Prentice Hall, 2003.
KOTLER, Philip. Administração de Marketing. São Paula: Pretince Hall, 2008.
MACIEL, Maria Inês Etrusco. A pesquisa-ação e Habermas: o novo paradigma. Belo Horizonte: UNA: 1999.
MARITIZ, A.; FREDERICK H.; VALOS, M. A discurive approach to entrepreneurial marketing: integrating academic and practice theory. Small Enterprise Research, v. 17, n. 1, p. 74-86, 2010.
MORIN, Edgar. Da necessidade de um pensamento complexo. In: MARTINS, Francisco Menezes Martins; e SILVA, Juremir Machado da. (Orgs.). Para navegar no século 21 – Tecnologias do imaginário e cibercultura. 3ª ed. Porto Alegre: Sulina/EDIPUCRS, 2003. P. 13-36.
OLIVEIRA, Sonia Regina Martins de; SIMONETTI, Vera Maria Medina. Planejamento de Marketing na Gestão de Micro e Pequenas Empresas. VIII Congresso Virtual Brasileiro de Administração. (2011). Disponível em: <http:// www.convibra.com.br/upload/paper/adm/adm_3184.pdf>. Acesso em: 3 ago. 2019.
Panorama dos Pequenos Negócios 2017. Disponível em:<https://m.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/UFs/SP/Pesquisas/Panorama%20dos%20Pequenos%20Negocios%202017.pdf>. Acesso em 18 nov. 2019.
Pequenos negócios em números. Disponível em: <https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/sp/sebraeaz/pequenos-negocios-em-numeros,12e8794363447510VgnVCM1000004c00210aRCRD>. Acesso em: 20 nov. 2019.
ROLING, Liciana; VIEIRA, Francisco Giovanni David. Interdisciplinaridade em Marketing: Perspectivas de aplicação dos conceitos teóricos de campo e habitus de Pierre Bourdieu às pesquisas em Marketing. Revista de Negócios – Studies in emerging countries. V. 19, n. 3, p. 58-64, 2014. Disponível em: <http://proxy.furb.br/ojs/index.php/rn/article/view/4129/2729>. Acesso em: 3 dez. 2019.
SERIO, Luiz Carlos di; VASCONCELOS, Marcos Augusto de. Estratégia e competitividade empresarial: inovação e criação de valor. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
Sobrevivência e Mortalidade. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2012/02/sobrevivencia-e-mortalidade>. Acesso em: 20 nov. 2019.
SOLÉ, M. Entrepreneurial marketing: conceptual exploration and link to performance. Journal of Research in Marketing and Entrepreneurship, v. 15, n. 1, p. 23-28, 2013.
STROKES, D. Putting entrepreneurship into marketing: the processes of entrepreneurial marketing. Journal of Research in Marketing and Entrepreneurship, v. 2, n. 1, p. 1-16, 2000.
TEIXEIRA, Tarcisio. Direito empresarial sistematizado. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019.