RESUMO
O papel do Direito dentro de uma sociedade é regular a conduta humana sempre visando o bem comum. Partindo desse pressuposto não é nada comum uma visão que olhe para o Direito sem pressupor que ali há um litígio, ou seja, em síntese uma pretensão resistida. Com a evolução do modelo jurídico, o litigio vem perdendo seus encantos e inicia-se uma nova tendência, o da medicação e da conciliação. Neste viés, o presente artigo ciêntifico tem como objetivo discorrer acerca dos institutos da conciliação e da mediação presentes no ordenamento pátrio como instrumentos capazes de dar efetividade ao acesso a justiça, abandonando a concepção de que a jurisdição é o único caminho capaz de dirimir uma lide. A técnica metodológica utilizada para coleta de dados e para análise da pesquisa será a revisão bibliográfica, fazendo uso de diversos recursos como: doutrinas, periódicos, internet etc.
Palavras-Chave: Conciliação. Mediação. Resolução de conflitos. Acesso à justiça.
1 INTRODUÇÃO
O Brasil vive uma crise intensa dentro dos fóruns do Poder Judiciário, são milhões de processos judiciais que criam poeiras em prateleiras nos prédios públicos, o número de servidores não são suficientes para a grande demanda e não há a efetiva prestação jurisdicional, visto que a morosidade em se prolatar uma sentença, o bem da vida pretendido no processo se perde, fazendo com que o individuo fique sem seu direito ferido.
Este cenário não coaduna com os ditames da justiça social e do estado democrático de direito, que tem como função máxima a proteção dos direitos e das garantias fundamentais consagrados no texto constitucional de 1988, que tem como valor maior a dignidade da pessoa humana que deve iluminar todo o ordenamento jurídico, muito mais que um principio deve este valor axiológico ser presente em todas as decisões e sentenças.
O presente trabalho acadêmico consiste na abordagem bibliográfica dos institutos de autocomposição da conciliação e da mediação. Será discorrido acerca da sua concepção e suas características, além de suas distintas finalidades e procedimentos. Ademais, insta analisar como estes institutos consagrados nos diplomas legais atuais são importantes para a sociedade brasileira, visto que hoje a jurisdição está sobrecarregada.
Outrossim, busca-se com o presente a concepção de acesso a justiça muito mais que um direito, uma garantia fundamental do cidadão, e como a conciliação e a mediação podem ser vantajosos para a obtenção da justiça. Para isso será utilizado uma metodologia de revisão bibliográfica de textos já publicados, a fim de embasar o que será explanado a seguir.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
A ciência do Direito se desenvolveu juntamente com a sociedade visto que um necessariamente necessitou do outro para a sua estruturação e harmonização social. Miguel Reale (2006, p. 62) apud Fortes (2010, online) conceitua o direito como sendo “a ordenação das relações de convivência”. Logo, para a existência de uma pacificação social de forma justa e isonômica cria-se o Direito, para evitar período como o da vingança privada. Paulo Nader (2007, p. 76) apud Fortes (2010, online) reza que “direito é um conjunto de normas de conduta social, imposto coercitivamente pelo Estado, para a realização da segurança, segundo os critérios de justiça”.
O papel do Direito dentro de uma sociedade é regular a conduta humana sempre visando o bem comum. Partindo desse pressuposto não é nada comum uma visão que olhe para o Direito sem pressupor que ali há um litígio, ou seja, em síntese uma pretensão resistida. Sendo assim, existe o dogma que diante de eventuais litígios sempre há de existir através do método judicial, um processo. Composto por seus personagens, que mantém a aspiração que no final este resultará em uma sentença resolutiva do mérito, favorável ou não há uma das partes, Ocorre que, apesar do Direito tentar dirimir todos os conflitos socias, este não consegue ceifar todos os litígios em uma sociedade dinâmica de constante transformações sociais, culturais, morais e econômicas (FORTES, 2010).
Diante de um conflito cada parte presente em uma demanda apresenta a sua verdade dos fatos, e quer convencer ao julgador que a sua versão dos fatos é a que deve prevalecer. No entanto, no Direito contemporâneo, é necessário ter a plena convicção que o Direito não se resume ao conflito e que eventual discordância entre as partes deverá ser analisada exclusivamente por um magistrado. Neste sentido ensina Francisco Jose Cahali apud Silva (2018, online) ao afirmar que na autocomposição, “embora possa participar um terceiro como facilitador da comunicação (inclusive com propostas de solução, conforme o caso), o resultado final depende exclusivamente da vontade das partes”.
Esses conflitos caracterizam-se por situações em que uma pessoa, pretendendo para si determinado bem, não pode obtê-lo – seja porque (a) aquele que poderia satisfazer a sua pretensão não a satisfaz, seja porque (b) o próprio direito proíbe a satisfação voluntária da pretensão [...] (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2009, p.20 apud SILVA, 2012, p. 24).
Em um mundo contemporâneo onde há a falsa ideia de que litigio judicial é a única via para as pretensões resistidas, ganham cada vez mais importância os novos métodos sadios de solucionar os conflitos existentes. Neste sentido é importante delimitar, de forma suscita, alguns conceitos básicos de lide e jurisdição, usando para tanto os ensinamentos de Carnellutti (1936) apud Valente (2009, p. 1) que em sua conceituação dogmática define lide como, “o conflito de interesses, qualificado por uma pretensão resistida ou contestada”. Continua Carnelluti (1936) apud Valente (2009, p. 1) que interesse é a “posição favorável para a satisfação de uma necessidade assumida por uma das partes” e pretensão, “a exigência de uma parte de subordinação de um interesse alheio a um interesse próprio”;
Dentre as várias condutas geradoras de conflitos pode-se destacar, além da existência de interesses particulares, a existência de uma comunicação deficiente entre as pessoas, preponderando a falta de diálogo e a incapacidade de saber ouvir a outra parte, a tentativa de imposição de interesses pessoais sobre o outro, bem como as diferenças culturais, e ainda, a concepção de que da solução de um conflito gera-se apenas uma relação de ganhar versus perder, onde se encontra apenas, de um lado, um ganhador e de outro, um perdedor. O conflito, no entanto, pode ser visto como algo positivo, agindo como um agente de mudança. Assim, o conciliador deve conduzir as partes de forma construtiva, fazendo apontamentos pertinentes ao caso, sugerindo soluções com o intuito de auxiliar na reorganização do conflito, observando sempre os limites do direito dos envolvidos, com o escopo de, ao final, estabelecer uma relação “ganha-ganha‟, na qual ambas as partes saiam satisfeitas (SILVA, 2012, p. 24).
Já a jurisdição é a retirada do poder de autotutela para conceder este poder ao Estado, por meio de um juiz que diante de uma controvérsia irá dirimir esse conflito, haja vista ser o Estado-juiz o detentor da tutela jurisdicional. Neste sentido Theodoro Júnior (2012, p. 45), apud Domingues (2017, p. 32) defende que “[...] em vez de conceituar a jurisdição como poder, é preferível considera-la como função estatal [...]”. ou seja, nas lições de Dinamarco (2012. p. 31) apud Domingues (2017, p. 33) “a tutela jurisdicional se expressa por meio de um amparo dado pelos juízes aos que detém a razão no litígio trazido ao processo judicial, melhorando a situação destes indivíduos”.
Diante de todas as inovações da sociedade, o Código de Processo Civil de 1973 mostrou-se ultrapassado, necessitando assim ser ajustado à nova realidade jurídica e social. Com o advento da Constituição Federal de 1988, pela qual contemplam-se direitos e garantias dos cidadãos, a população começou a se conscientizar dos seus direitos, exigindo a concretização dos mesmos. Entretanto, hoje busca-se a efetivação da prestação jurisdicional, uma vez que a justiça vem ganhando descrédito em virtude da crise jurisdicional, decorrente também de uma crise do Estado (TRENTIN; TRENTIN, 2013, p. 02).
A heterocomposição é um dos métodos que é adotado em resoluções de conflitos, onde os indivíduos é que definem de que forma será resolvido. Existe discordância em meio aos doutrinadores ao explicar o procedimento em foco, inclusive quando se tratando da presença de terceiros. Existe, ainda, quem conceitue que a pequena participação possa caracterizar a heterocomposição, independentemente de este não impor a sua opinião, contudo meramente se manifesta por meio de aconselhamento (PAES, 2017).
Tipificando tais que levam a mediação em consideração, como parâmetros heterocompositivos a conciliação; em contraparte levamos os estudantes que levam a ideia que para que haja a existência da heterocomposição, deve ocorrer a injunção de terceiro em nexo com as partes, ao que tomam como heterocomposição meramente a jurisdição e a arbitragem, dispondo da conciliação e mediação na alçada da autocomposição (DONIZETTI, 2017).
Nos entendimentos do célebre doutrinador Mauricio Godinho Delgado:
A heterocomposição ocorre quando o conflito é solucionado através da intervenção de um agente exterior à relação conflituosa original. Em vez de isoladamente ajustarem a solução de sua controvérsia, as partes (ou até mesmo unilateralmente uma delas, no caso da jurisdição) submetem a terceiro seu conflito, em busca de solução a ser por ele firmada ou, pelo menos, por ele instigada ou favorecida. Na heterocomposição também não há exercício de coerção pelos sujeitos envolvidos. Entretanto pode haver, sim, exercício coercitivo pelo agente exterior ao conflito original- como se passa no caso da jurisdição. A heterocomposição, em sua fórmula jurisdicional, distingue-se, pois, da autocomposição (e até mesmo das demais modalidades heterocompositvas) pelo fato de comportar exercício institucionalizado de coerção ao longo do processo de análise do conflito, assim como o instante de efetivação concreta do resultado final estabelecido (DELGADO, 2011, p. 1.371).
Em conformidade com o doutrinador Amauri Mascaro (2010, p.1.405): “heterocomposição é a forma de composição do conflito por meio de uma fonte ou de um poder supra partes, por estas admitido, ou imposto pela ordem jurídica”. Diante da elucidação explanada verifica-se somente a inclusão da esta aprecia somente a arbitragem e a jurisdição como meios heterocompositivos, estipulando da seguinte forma: “A arbitragem é a atividade por uma pessoa ou um órgão supra partes destinadas a proferir uma decisão que será acatada pelos litigantes. Jurisdição é o poder do Estado de decidir os conflitos” (MASCARO, 2010).
Digno de registro que existem doutrinadores que resguardam a ideia de que a interferência do Estado é um elemento deliberativo para a definição de heterocomposição, em virtude de sua laboração ágil. Neste caso, a jurisdição seria o único meio heterocompositivo, sendo a mediação, a conciliação e a arbitragem todos meios autocompositvos. Nesta senda, existem quatro modalidades de heterocomposição sendo elas, a mediação, a conciliação, a jurisdição e a arbitragem. Porém, alguns doutrinadores só considerem a jurisdição e a arbitragem como forma de heterocomposição (DONIZETTI, 2017).
Pode-se dizer que a prática da mediação ainda é incipiente no Brasil, embora esteja em estágio avançado de desenvolvimento, principalmente com as reformas na legislação. De acordo com o artigo 1º, parágrafo único da lei 13.140/2015, Mediação é a “atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.” (MOREIRA, 2016, p. 09).
Seguindo a linha de pensamento do nobre doutrinador Maurício Ferreira Cunha (2016), o papel conciliador sugere ou pressupõe soluções ao caso a ser discutido, tendo em vista que normalmente as relações entre os conflitantes são instantâneas, não pressupondo vínculo anterior entre eles, objetivando realizar uma transação entre as partes. O mediador estimula ou cria o ambiente necessário para eventuais soluções, mas sem apresentar propostas, pois a finalidade principal é o restabelecimento da comunicação entre as partes, e a transação é na verdade resultado desta retomada, pois normalmente as relações entre os conflitantes são continuadas já havendo um vínculo anterior. Todavia é uma linha muito tênue que separa os conceitos de conciliação e mediação, e presente dificuldade de separar tais institutos na prática.
A conciliação mostra-se como um meio de solução de conflitos, no qual as pessoas procuram sanar as divergências com a ajuda de terceiro, o qual é conhecido como conciliador. Este conciliador deve ser um terceiro imparcial, com competência para aproximar as partes, controlar as negociações, sugerir e formular propostas, apontar vantagens e desvantagens, objetivando sempre a resolução do conflito, por meio de um acordo. O conciliador tem poder de sugerir um possível acordo, após uma criteriosa avaliação das vantagens e das desvantagens que tal proposição trará às partes. A conciliação, em muito, assemelha-se à mediação. A diferença fundamental, contudo, está na forma de condução do diálogo entre as partes (SALES, 2010, p.38 apud TRENTIN; TRENTIN, 2013, p. 03).
Na realidade, não há de se ter uma relevante preocupação entre a diferenciação de mediação e conciliação, pois caso o fim almejado seja alcançado, em tese não há relevância se fora usado a mediação ou a própria conciliação. É de fundamental importância ressaltar que poderá haver “conciliação” sem as partes transacionarem, ocorrendo tal fato por exemplo quando uma a parte autora renúncia o direito, postulado na ação. Com advento da lei 13.105 de 16 de março de 2015, ou seja, o Novo Código de Processo Civil, se intensificou a transação através de medidas alternativas, como preconiza o Novo Código de Processo Civil, que antes mesmo da contestação, deverá se realizar em regra, caso não haja recusa das partes, uma audiência de conciliação e/ou mediação na forma do artigo 334 do CPC. Portanto é uma medida que busca a solução de litígios sem prolongar um exaustivo processo, podendo-lhe tal transação ser homologada logo de início, mostrando deste modo que a melhor solução para os conflitos é resolvida entre as partes, sem lhe ser imposto por um poder jurisdicional, facilitando ainda de forma essencial o andamento das demais demandas.
Compreende-se que a solução negociada não é apenas um meio eficaz e econômico de resolução dos litígios: trata-se de importante instrumento de desenvolvimento da cidadania, em que os interessados passam a ser protagonistas da construção da decisão jurídica que regula as suas relações. Neste sentido, o estímulo à autocomposição pode ser entendido como um reforço da participação popular no exercício do poder- no caso, o poder de solução dos litígios. Tem, também por isso, forte caráter democrático. O propósito evidente é tentar dar início a uma transformação cultural- da cultura da sentença para a cultura da paz (DIDIER JÚNIOR, 2015, p. 305).
A esse respeito escreveu Lima (2016, online): “a adoção de técnicas diferenciadas de tratamento de conflitos exige uma substancial modificação da visão do operador do direito, do jurisdicionado e do administrador da justiça”, é nesse sentido que o direito contemporâneo e seus personagens devem seguir, perdendo essa malícia criada no sentido de que um acordo realizado não supera uma sentença favorável, há sempre expectativa econômica, que a própria sentença irá arbitrar um valor maior do que o acordado como no caso de uma indenização. Mas ocorre que a transação traz em seu bojo total segurança jurídica tendo em vista que será homologada por uma sentença de mérito.
A mediação é feita a partir de um profissional qualificado para atender as exigências sociais de algo tão delicado quanto a justiça, principalmente na esfera do Poder Judiciário, abarrotado com ações em que há a lenda de que o litígio é a única solução possível.
[...] é importante considerar que as práticas sociais de mediação se configuram em um instrumento de realização da autonomia, da democracia e da cidadania, na medida em que educam, facilitam e ajudam a produzir diferenças e a realizar tomadas de decisões sem a intervenção de terceiros que decidem pelos afetados por um conflito. (WARAT, 1998, p. 5 apud KUNDE; CAVALHEIRO, 2016, p. 10).
Em 2015, inaugurou-se um novo cenário no Direito, com o advento da Lei nº 13.105, que deu origem ao novo Código de Processo Civil, e em conformidade com este código que enaltece os meios de autocomposição, foi criado no mesmo ano a Lei nº 13.140/2015, que traz a seguinte redação: “art. 2º A mediação será orientada pelos seguintes princípios: I - imparcialidade do mediador; II - isonomia entre as partes; III - oralidade; IV - informalidade; V - autonomia da vontade das partes; VI - busca do consenso; VII - confidencialidade; VIII - boa-fé”.
Os métodos de resolução de conflitos através da mediação e conciliação]ao buscam a composição do litigio de forma dialogada e pacifica, sem a necessidade de uma providência jurisdicional que leva ao desgaste das partes, dando efetividade ao acesso a justiça. Neste viés os instrumentos normativos aptos a lidarem com essas questões foram a Resolução 125/2012 do Conselho Nacional de Justiça, com a finalidade de redução da judicialização dos conflitos, o Código de Processo Civil que fora esculpido sob a égide da mediação e de meios de desafogar o Poder Judiciário e a Lei nº 13.140/2015, que disciplina o instituto da mediação e como ela será procedida.
3 METODOLOGIA
A técnica metodológica utilizada para coleta de dados e para análise da pesquisa é a revisão bibliográfica, fazendo uso de diversos recursos como: doutrinas, periódicos, internet etc., no entanto, a pesquisa se apoiará em fundamentação teórica que sustentará a formulação do problema. No que tange às técnicas de pesquisa, prefere-se a revisão de literatura sob o formato sistemático. Por tal, buscar-se-á informações em artigos científicos, monografias e trabalhos acadêmicos que se fizerem necessários no decorrer do trabalho, por meio da plataforma Google Acadêmico. De forma simultânea, as informações serão obtidas através de revisão bibliográfica em fontes teóricas, como doutrinas jurídicas, a saber: Didier Júnior; Donizetti; Bueno; Neves, dentre outros trabalhos autorais.
4 RESULTADOS
Os mecanismos de autocomposição foram enaltecidos na redação do Código de Processo Civil de 2015, a fim de dar efetividade ao acesso à justiça, o qual todos os cidadãos tem direito. Nos fóruns do Poder Judiciário há milhões de processos litigiosos que levam meses para serem sequer distribuídos, quiçá sentenciados, o que inviabiliza muitas das vezes o acesso democrático e humano a uma decisão justa. Neste cenário salienta Oliveira; Fernandes (2017, p. 281) “percebe-se que o legislador objetivou a desburocratização do procedimento e a obtenção de resultados mais rápidos e eficazes para todos os envolvidos”.
É neste contexto que surge o modelo de justiça multiportas, onde, para cada tipo de controvérsia, há um método mais adequado de solução, de modo que em alguns casos o melhor será a mediação e em outros, a conciliação e, ainda, em determinadas situações, será a arbitragem a alternativa ideal e, por fim, sem menor importância, o juízo estatal (OLIVEIRA; FERNANDES, 2017, p. 282).
O Brasil é construído a base de um Estado Democrático de Direito, que respeita os direitos humanos e resguarda o maior valor axiológico do ser humano, a sua dignidade. Tanto é que no artigo 1 da Constituição Cidadã de 1988, um dos fundamentos da Republica Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana. Isso ajuda a compreender a necessidade de um processo ser justo, isonômico e com todas as garantias legais, constitucionais e processuais inerentes ao devido processo legal e suas vertentes.
Neste norte, o direito ao acesso à justiça esta consagrado de forma explicita na Carta Política de 1988, no rol das garantias fundamentais, esculpido dentro do art. 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988). O mesmo dispositivo é reproduzido novamente no Novo Código de Processo Civil, no seu 3º artigo: “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito” (BRASIL, 2015).
No plano internacional, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, internalizado no Brasil através do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, dispõe em seu artigo 8 a respeito das Garantias Judiciais:
Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza (BRASIL, 1992).
A definição de acesso à justiça é de difícil acepção, conforme demonstrado abaixo:
O “acesso à justiça”, segundo o entendimento de Mauro Capelletti e Bryant Garth, trata-se de expressão, reconhecidamente, de difícil definição, haja vista as transformações sociais ocorridas ao longo dos séculos, porém, que fixa duas finalidades básicas do sistema jurídico, quais sejam, “o sistema deve ser igualmente acessível a todos” e “ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos”, asseverando, ainda, que “o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para a sua efetiva reivindicação.” (BENTO, 2012, p. 13).
A efetivação do direito ao acesso à justiça é um requisito básico de direitos humanos do sistema jurídico moderno, ele representa a possibilidade de quando do ferimento de um direito a pessoa pode procurar a justiça para reaver a sua garantia, este direito tem íntima ligação com a pacificação social, uma vez que retira do individuo a autotutela para serem apreciados por um Estado-juiz formalmente estabelecido. Oliveira; Fernandes (2017, p. 283) “destaca-se, todavia, que este princípio não pode ser auferido apenas sob o viés do acesso, simplesmente. Isto porque aquele que procura a tutela jurisdicional deve recebê-la de maneira justa e num prazo razoável”.
O acesso à justiça hoje não é tão fácil como se pensa, há diversos entraves que dificulta, quando não obstam este direito básico. A jurisdição não consegue mais dirimir todas as lides, o que deixa de efetivar o acesso à justiça, foi a partir desta concepção que o legislador precisou buscar novos métodos de solucionar os litígios, como a mediação e a conciliação. Noutro giro o Poder Judiciário vive uma crise no cenário brasileiro.
O Poder Judiciário, um dos três poderes clássicos do Estado, vem assumindo (e a cada dia de forma mais acentuada) uma função fundamental na efetivação do Estado Democrático de Direito. É o guardião da Constituição, cuja finalidade, basicamente, repousa na preservação dos valores e princípios que a fundamentam – cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, além do pluralismo político (art. 1º, CF/88) (SENA, 2011, p. 115 apud SILVA, 2012, p. 14).
Há alguns fatores para que o Poder Judiciário chegasse ao patamar que se encontra hoje, Silva (2012, p. 14) “desse modo, o que se percebe é o surgimento de uma insatisfação generalizada e um total descrédito por parte dos jurisdicionados perante o sistema judiciário nacional”. Outrossim, as mudanças vivenciadas na sociedade brasileira que criaram novos litígios e conflitos, além da consagração de novos direitos. Outro grande problema a ser sanado é a falta de interesse de uma política forte que retire o litigio como o método único de resolução de conflitos, que opte por outras vias.
Entretanto, nota-se que apesar dos esforços adotados na utilização dos meios alternativos de resolução de conflitos, em especial a conciliação e a mediação, pelo Conselho Nacional de Justiça, pelos Tribunais de Justiça da grande maioria dos Estados da Federação e pelos Tribunais Regionais Federais, não existe uma política nacional abrangente de tratamento adequado dos conflitos de interesses, que seja de observância obrigatória por todo o Judiciário brasileiro (FERNANDES, 2015, p. 30).
Também, neste mesmo entendimento:
Portanto, atualmente já não se mostra mais satisfatório o fato de a parte simplesmente conseguir ingressar com sua demanda no Poder Judiciário, não mais se mostra suficiente ter uma sentença em mãos, mesmo que em tempo hábil. É preciso fazer uma nova leitura do artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988, que disciplina a garantia do acesso à justiça. De forma que, ao garantir que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, o Estado estará dizendo ao cidadão que ele tem direito a “garantia de acesso à ordem jurídica justa, de forma efetiva, tempestiva e adequada” (WATANABE, 2011, p.5 apud SILVA, 2012, p. 15).
Neste sentido, explana Oliveira; Fernandes (2017, p. 284) “o acesso à jurisdição, especialmente sob a ótica da duração razoável do processo, não está sendo satisfatoriamente fruído pela sociedade, razão pela qual se faz necessário uma urgente e imediata mudança de perspectiva”. Devido a grande massa de processos que abarrotam o Poder Judiciário o princípio da celeridade processual não consegue expressar sua máxima efetividade.
Em razão de um novo ethus vivendi proclamado pela sociedade de consumo, do reconhecimento de direitos até então não tutelados, aludidos pela Constituição Cidadã de 1988, da concepção de ferramentas voltadas à proteção, não apenas de interesses individuais, mas também difusos, coletivos e individuais homogêneos, a exacerbação das contendas oriundas das querelas ditadas pelas desigualdades sociais, enfim, fruto de diversos fatores, a cada dia mais se constata o vertiginoso aumento do número de ações judiciais, as quais, somadas àquelas já existentes, assoberbam e ameaçam inviabilizar os sistemas tradicionalmente utilizados e concebidos para promover e restabelecer a paz social por meio da intervenção do Poder Judiciário, uma das principais missões do Estado (BUZZI, 2011, p. 41 apud SILVA, 2012, p. 15).
Neste mesmo sentido, leciona Pedro Arthur Ribeiro Fernandes:
A crise da Justiça, representada principalmente por sua inacessibilidade, morosidade e custo, põe imediatamente em realce o primeiro fundamento das vias conciliativas: o fundamento funcional. Trata-se de buscar a racionalização na distribuição da Justiça, com a subsequente desobstrução dos tribunais, pela atribuição da solução de certas controvérsias a instrumentos institucionalizados que buscam a autocomposição. E trata-se ainda da recuperação de certas controvérsias, que permaneceriam sem solução na sociedade contemporânea, perante a inadequação da técnica processual para a solução de questões que envolvem, por exemplo, relações comunitárias ou de vizinhança, a tutela do consumidor, os acidentes de trânsito etc. Os Juizados Especiais ocupam-se dessas controvérsias, mas eles também estão sobrecarregados, por força da competência muito alarga- da que lhes atribuiu a lei. Trata-se de objetivos que dizem respeito aos esforços no sentido de melhorar o desempenho e a funcionalidade da justiça, colocando-se, portanto, numa dimensão inspirada em motivações que foram chamadas eficientistas (FERNANDES, 2015, p. 29).
A sociedade dinâmica e cada dia mais integrada espera uma solução rápida e justa de suas controvérsias, o que não é atendido pela jurisdição, exercida por um Estado-juiz, neste sentido surge a necessidade de se repensar com equilíbrio processual quais são as soluções viáveis para esta problemática que se instalou no Brasil há anos. Como já falado os meios de autocomposição dão hoje a resposta de maior efetividade e que perfaz o acesso à justiça muito mais que a jurisdição, haja vista ser célere e de maior eficácia. Frisa-se, ainda, segundo Tarso Genro (s.d, p.13) apud Fernandes (2015, p. 27) "o acesso à Justiça não se confunde com o acesso ao Judiciário, tendo em vista que não visa apenas levar as demandas dos necessitados àquele Poder, mas realmente incluir os jurisdicionados que estão à margem do sistema".
Para maior efetividade do acesso a justiça, como determinação de uma constituição cidadã e plural, foram implantados os Centros Judiciários de Resolução de Conflito e Cidadania (CEJUSCS), os quais foram criados a partir da Resolução 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça. Nota-se que com a criação destes centros os conflitos tendem a serem solucionados de forma mais célere e proveitosa para as partes envolvidas, haja vista que não precisaram percorrer todos os ritos processuais.
5 CONCLUSÃO
A sociedade que antes se organizava de forma primitiva e protegia seus direitos na base da autotutela, foi se transformando até chegar em um patamar de jurisdição, o qual um conflito é analisado por um juiz. Esta evolução foi de grande valia para a humanidade, porém hoje, o Poder Judiciário enfrenta uma crise devido a diversos fatores como o número de servidores, o abarrotamento dos processos judiciais cada vez em maior números. Estes fatores contribuíram para a uma sociedade que não acredita mais na eficiência da justiça.
Assim, o Direito, que deve acompanhar as transformações sociais teve que procurar outros meios de solucionar os conflitos, visto que apenas a jurisdição estava sendo inviável. Assim, surge os institutos da conciliação e da mediação que dão suporte ao Poder Judiciário que se encontra abarrotado de processos sem fins, não respeitando a celeridade processual e a dignidade da pessoa humana, direitos básicos consagrados na Constituição Federal de 1988.
Assim, com o advento do Código de Processo Civil de 2015 a conciliação e a mediação ganharam lugar de destaque, as outras formas de solucionar os litígios sem ser pela jurisdição ganham um contorno jamais visto no cenário brasileiro. Ocorre que, infelizmente muitas pessoas não optam por este tipo de autocomposição, ficando a mercê de um processo moroso e desgastante.
O acesso à justiça pelas vias da conciliação e da mediação fazem com que as partes sejam disciplinadas a um dialogo que permite uma celeridade e efetividade sem igual. Estes institutos apresentam uma evolução jurídica que precisa de maior atenção por parte dos operadores do Direito, que buscam em todo e qualquer caminho a justiça e a harmonização social. Pois com a celeridade que se espera com as mediações e conciliações há que se falar em acesso a justiça, pois quando a justiça tarda para ser efetivada, ela se torna uma injustiça.
REFERÊNCIAS
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