DA REVOLTA DA VACINA AOS TEMPOS ATUAIS
Rogério Tadeu Romano
Entre os dias 10 e 18 de novembro de 1904, a cidade do Rio de Janeiro viveu o que a imprensa chamou de a mais terrível das revoltas populares da República.
O cenário era desolador: bondes tombados, trilhos arrancados, calçamentos destruídos, tudo feito por uma massa de 3 mil revoltosos. A causa foi a lei que tornava obrigatória a vacina contra a varíola.
Na época, a cidade era assolada por varíola, peste bubônica, febre amarela.
Diante do quadro assustador, o governo aprovou uma lei que determinava que a população fosse, compulsoriamente, vacinada contra a varíola
Rui Barbosa estimulou a rebelião de alguns militares e a maior revolta popular do Rio de Janeiro. Tudo em nome dos princípios do liberalismo político.
Rui Barbosa era um liberal que professava as lições de economia política sobre o mercado.
Aliás, é mister lembrar a Lei nº 1.152, de 5 de janeiro de 1904, que, no artigo 1º, § 20, dispôs:
"Não podem a justiça sanitária, nem as autoridades judiciárias, quer federais, quer locais, conceder interditos possessórios contra atos da autoridade sanitária, exercidos rationie imperii, nem modificar ou revogar os atos administrativos, medidas de higiene e salubridade por ela determinadas a nesta mesma qualidade. FIca salvo à pessoa lesada as perdas e danos que lhe couberem, perante a justiça federal, de autoridade sanitária, tiver sido ilegal e promover a punição, se houver sido criminosa. Em caso de desapropriação, esta se fará segundo a Constituição e as leis respectivas".
Por certo, o ministro Pedro Lessa fez crítica com relação a esse dispositivo legal, pois "permite que um funcionário administrativo, um agente do Poder Executivo, sem recurso para autoridade judiciária alguma, prive injustificável, absurda, caprichosa ou criminosa que seja a ordem da autoridade sanitária, esta, segundo a lei, deve ser cumprida, para depois se processar criminalmente a autoridade arbitrária e criminosa e pedirem-se perdas e danos(Rev. de Dir., volume 17, pág. 114).
No mesmo voto, sustentava o insigne juiz a inconstitucionalidade do dispositivo, em face das garantias outorgadas à propriedade pelo art. 72, 17 §, da Constituição de 1891.
Antes, em 1902, a Lei nº 939, em seu artigo 16 estatuiu:
"Não podem as autoridades judiciárias, quer federais quer locais, modificar ou revogar as medidas e atos administrativos, nem conceder interditos possessórios contra atos do governo municipal, exercidos ratione imperii".
Com o Código Civil de 1916, cujos artigos 499, 501 e 506 não fazem restrição alguma à proteção possessória, cessou essa lei de ser vigente.
Em menos de uma semana a oposição ao presidente Rodrigues Alves lançaria a Liga contra a Vacina Obrigatória. Organizava-se a revolta popular que contaria com o apoio dos positivistas, misto de filosofia e religião secular muito influente na época, sobretudo entre militares. Rui Barbosa discursava contra a vacina.
Determinada a vacinação compulsória, como meio preventivo contra a varíola, ex vi da Lei nº 1.251, de 31 de outubro de 1904, suscitou essa providência alguns descontentamentos, culminando com ameaças de surtos revolucionários.
Cerca de 19 horas do dia 14 de novembro de 1904, o General de Brigada Silvestre Rodrigues da Rocha Travassos, sublevando a Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, assumiu-lhe o comando. Prendendo ato continuo o General José Alípio Macedo da Fontoura Contaliat, comandante deste estabelecimento de ensino militar, marchou para o centro da cidade, à frente da tropa, com o fim, segundo ficaria mais tarde apurado, de depor o chefe do Governo, Presidente Rodrigues Alves e entregar a suprema direção do País a um governo de fato.
Em mensagem de 16 de novembro de 1904, pediu o Presidente Rodrigues Alves a decretação do estado de sítio para a Capital Federal e Niterói, apontando ao mesmo tempo ao Congresso os nomes do senador Tte-Cel Lauro Sodré e deputados Major Alexandre José Barbosa Lima e Alfredo Varela(Civil) como implicados no movimento.
Foi autorizada a decretação do estado de sítio, consoante os termos do decreto nº 1.270, de 18 de novembro, sendo encarregado do inquérito o bacharel Antônio Augusto Cardoso de Castro, chefe de polícia do Distrito Federal, vindo o relatório a ser publicado em suplemento ao Diário Oficial de 23 de restrição alguma à proteção possessória, cessou essa lei de ser vigente.
Em menos de uma semana a oposição ao presidente Rodrigues Alves lançaria a Liga contra a Vacina Obrigatória. Organizava-se a revolta popular que contaria com o apoio dos positivistas, misto de filosofia e religião secular muito influente na época, sobretudo entre militares. Até Rui Barbosa discursava contra a vacina.
Em 1907 a febre amarela estava erradicada do Rio (em sua forma urbana a doença desapareceria do Brasil em 1942). No surto seguinte de varíola, em 1908, a população correu para os postos de vacinação.
Chegamos ao presente.
Segundo o que noticia-se, em conversa com seguidores, o presidente disse que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”. “O governo do Brasil preza pela liberdade dos brasileiros”, afirmou, nas redes sociais.
O Estatuto da Criança e do Adolescente afirma que a vacinação de menores de 12 anos é obrigatória “nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. E a lei que estabeleceu as medidas de combate à pandemia, sancionada pelo atual presidente, prevê a “realização compulsória” de “vacinação e outras medidas profiláticas”.
Há a permissão, por lei, de exercício de poder de polícia.
Aliás, o exercício do poder de polícia não é mera providência educativa.
As medidas tomadas a partir da edição da Lei nº 13.979/2020, serão aplicadas no contexto do poder de polícia. Portanto, não são meras medidas indicativas ou educativas, mas impositivas.
São elas:
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Medida Provisória nº 926, de 2020)
......
d) vacinação e outras medidas profiláticas;
.......
Ora, o não cumprimento dessas determinações normativas determinará responsabilidades.
Quando o Poder Público interfere na órbita do interesse privado para salvaguardar o interesse público, restringindo direitos individuais, atua no exercício do poder de polícia.
A finalidade de todo ato de polícia é voltado ao interesse público. É uma manifestação do princípio da supremacia do interesse público.
Ensinou Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, 26ª edição, pág. 823) que “o poder de polícia tem, contudo, na quase totalidade dos casos, um sentido realmente negativo, mas em acepção diversa da examinada. É negativo no sentido de que através dele o Poder Público, de regra, não pretende uma atuação do particular, pretende uma abstenção. Por meio dele normalmente não se exige nunca um facere, mas um non facere”.
Trata-se de executoriedade dos atos administrativos unilaterais. Através dele a Administração pode modificar, por sua única vontade, situações jurídicas, sem o consentimento dos atingidos pelo ato.
É a chamada execução forçada na via administrativa, que consiste em uma via jurídica especial, própria do ato administrativo, fazendo a Administração prescindir da declaratio iuris do Poder Judiciário.
Pois a executoriedade dos atos administrativos tem fundamental importância no exercício do poder de polícia administrativo, na faculdade que tem a Administração Pública de disciplinar e limitar, em prol de interesse público adequado, os direitos e liberdades individuais, como já ensinou Caio Tácito (O poder de policia e seus limites. in Rev. De Dir. Adm., volume 27, páginas 1 e seguintes).
A autoexecutoriedade constitui uma das características fundamentais da maior parte dos atos administrativos imperativos, como revelou Flávio Bauer Novelli (Eficácia do ato administrativo, in Revista de Direito Administrativo, volume 61, pág. 36). Será a executoriedade um poder que a lei atribui a certas autoridades administrativas, e não, precisamente, um predicado dos atos dessas mesmas autoridades.
É a chamada execução forçada na via administrativa, que consiste em uma via jurídica especial, própria do ato administrativo, fazendo a Administração prescindir da declaratio iuris pelo Poder Judiciário.
A executoriedade é a manifestação do poder de autotutela da Administração Pública, pelo qual esta tem a possibilidade de realizar, coativamente, o provimento, no caso de oposição do sujeito passivo.
Por certo a execução forçada por via administrativa pode ser precedida de autorização legal expressa, como ensinou Seabra Fagundes (O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, 1957, páginas 248 e 249).
A execução forçada administrativa propriamente dita é a que se realiza através de meios direitos, que visam a obter o mesmo resultado prático que se teria obtido, se o devedor tivesse cumprido, voluntariamente, a obrigação ou, pelo menos, resultado equivalente. Já as medidas de coerção indireta, aplicáveis, diretamente pela Administração, e, portanto, executórias, salvo as multas, visam a reforçar a execução forçada.
Portanto, a vacinação de que se fala é exercício compulsório do poder de polícia.
As pessoas, portanto, devem se vacinar assim que lançada a campanha para tal.