A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema 998, em que teve como questão submetida a julgamento o seguinte questionamento “Possibilidade de cômputo de tempo de serviço especial, para fins de inativação, do período em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença de natureza não acidentária”, firmando-se assim a seguinte tese: “O Segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial.”
Assim, aquele segurado que esteve sujeito a condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou a sua integridade física, mesmo quando recebia auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, deve contar esse período como tempo especial para sua aposentadoria.
Entenda o caso
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), ao julgar o caso entendeu que “O período de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da relação da moléstia com a atividade profissional do segurado, deve ser considerado como tempo especial quando trabalhador exercia atividade especial.”
Inconformado com a decisão do tribunal regional, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), interpôs o Recurso Especial nº 1.759.098 – RS, sustentando como argumentos, a violação dos artigos 55, 57 e 58 da Lei 8.213/1991, 22 da Lei 8.212/1991 e 56 do Decreto 3.048/1999.
O INSS defendeu, a impossibilidade de contagem especial de tempo de serviço no período em que o Segurado está em gozo de auxílio-doença. Segundo a autarquia previdenciária, uma vez que não há exposição a agentes nocivos no período de afastamento.
O órgão aponta, que tal concessão viola a legislação vigente e o princípio da prévia fonte de custeio.
No TRF-4 o processo foi julgado na sistemática de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR){C}[1], em que fixou a seguinte orientação: “o período de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da relação da moléstia com a atividade profissional do Segurado, deve ser considerado como tempo especial quando trabalhador exercia atividade especial antes do afastamento.”
Ao relatar o processo, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, fez um breve histórico da legislação aplicável ao tema. De acordo com magistrado, a redação original, do art. 65 do Regulamento da Previdência Social (Decreto 3.048/1999), “permitia o cômputo como tempo especial os períodos correspondentes ao exercício de atividade permanente e habitual sujeita a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física do contribuinte, inclusive quanto aos períodos de férias, licença médica e auxílio-doença.”
O ministro ressalta “que os Decretos precedentes também não restringiam o cômputo do tempo em gozo de auxílio-doença como tempo especial (Decretos 53.831/1964, 83.080/1979, 2.172/1997).” (grifo no original)
Para o relator “comprovada a exposição do Segurado a condições especiais que prejudicassem a sua saúde e a sua integridade física, na forma exigida pela legislação, reconhecer-se-ia a especialidade pelo período de afastamento em que o Segurado permanecesse em gozo de auxílio-doença, seja este acidentário ou previdenciário.” (grifo nosso)
Conforme vem-se delineando até o momento, verifica-se que a legislação avocada encontra-se em total consonância com os argumentos esposados. Contudo, em 2003 tivemos a edição do Decreto 4.882/2003, acrescentou o parágrafo único ao art. 65 do Decreto 3.048/1999.
Com a inclusão do dispositivo acima, passou-se a reconhecer como cômputo especial somente o período em que o Segurado especial ficasse afastado em gozo de benefício por incapacidade de natureza acidentária, excluindo-se, assim, a contagem especial pelo afastamento na modalidade não acidentária (previdenciária).
Para conhecimento o parágrafo citado encontra-se assim redigido:
Art. 65. Considera-se tempo de trabalho permanente aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput aos períodos de descanso determinados pela legislação trabalhista, inclusive férias, aos de afastamento decorrentes de gozo de benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez acidentários, bem como aos de percepção de salário-maternidade, desde que, à data do afastamento, o segurado estivesse exposto aos fatores de risco de que trata o art. 68.
Ao mencionar a inovação legislativa, o ministro relator, lembra que “(...) nas hipóteses em que o Segurado fosse afastado de suas atividades habituais especiais por motivos de auxílio-doença não acidentário, o período de afastamento seria computado apenas como tempo de atividade comum.”
Superada essa fase argumentativa o magistrado, sustenta que a “distinção não é coerente e contraria a interpretação que se deve fazer das regras de Direito Previdenciário, como se passa a demonstrar.” (grifo nosso)
Para o julgador, “A legislação permite o cômputo, como atividade especial, por períodos em que o Segurado esteve em gozo de salário-maternidade e férias, afastamentos esses que também suspendem o seu contrato de trabalho, do mesmo modo que o auxílio-doença, e retiram o Trabalhador da exposição aos agentes nocivos.” (grifo no original)
Sustentou ainda que, se nesses casos o legislador prevê o cômputo normal desses afastamentos como atividade especial, não há, sob nenhum aspecto, motivo para que o período em afastamento de auxílio-doença não acidentário também não seja computado, desde que, à data do afastamento, o Segurado estivesse exercendo atividade considerada especial.
Para Maia Filho, “não se pode admitir a exposição do Segurado à uma condição de maior vulnerabilidade, além de ter padecido por determinado período de moléstia provocada por circunstâncias alheias à sua vontade, (...)”.
De acordo com o entendimento do ministro, negar o direito a computar esse período como tempo especial, seria retardar ainda mais a saída do segurado do mercado de trabalho. Sendo que, em outras palavras, é assegurado pela lei sua saída mais cedo do mercado de trabalho, previsão esta incrustada no “(...) texto constitucional e na Lei de Benefícios, mediante o cômputo abonado desse tempo de serviço.”
O douto julgador, entende que a Lei de Benefícios não traz qualquer distinção quanto aos benefícios auxílio-doença acidentário ou previdenciário.
No parágrafo que antecede a conclusão do seu voto, o relator, faz questão de registrar que as “três legislações ordinárias supracitadas, são hierarquicamente superiores ao Decreto 3.048/1999”, o que para ele, “(...) demonstram o propósito do legislador de conferir tratamento isonômico aos benefícios de auxílio-doença acidentário e o não acidentário, já que ambos obedecem à lógica da prévia fonte de custeio”.
E arremata nos seguintes termos “(...) revelando-se, assim, ilegal a negativa de cômputo do período de gozo de auxílio-doença não acidentário como tempo especial.”
Ao final propõe a fixação da seguinte tese: “O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse período como especial.” Negando provimento ao Recurso Especial do INSS.
[1]{C} Previsto no artigo 976 e seguintes do CPC/2015, o IRDR é um incidente que pode ser provocado perante os tribunais de segunda instância quando houver repetição de processos com idêntica controvérsia de direito e risco de ofensa aos princípios da isonomia e da segurança jurídica. Verificados esses pressupostos, o tribunal de segundo grau pode admitir o incidente para a fixação de tese, a qual será aplicada a todos os demais casos presentes e futuros em sua jurisdição.
Havendo recurso especial contra o julgamento de mérito do IRDR, a tese fixada pelo STJ “será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito” (artigo 987, parágrafo 2º, do CPC)