{C}1. {C}INTRODUÇÃO
A revenda de produtos porta-a-porta – por catálogo - é uma das mais antigas modalidades de comércio praticada no Brasil e vem demonstrando sua importância até os tempos atuais.
Os exemplos mais comuns desse tipo de negócio estão relacionados ao ramo de comércio de cosméticos, de utensílios de cozinha, de roupas intimas e de bijuterias.
De acordo com Berta Marusa Nunes Mendes (2009, p. 34) a venda direta diferencia-se da venda a distância, na medida que neste último, a venda se realiza através dos canais de marketing direto, como correio, telemarketing e canais de comunicação diretos como por exemplo a televisão. Por outro lado, a venda direta necessita da presença de um vendedor, que de forma ativa demonstra os produtos e torna-se responsável pela transação.
Segundo informações publicadas no site da ABEVD - Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas{C}[1], o setor movimentou R$ 45 bilhões no ano de 2019 e envolve cerca de 4 milhões de empreendedores independentes que levam comodidade aos consumidores que não precisa se deslocar até lojas físicas.
Por se tratar de atividade comercial de circulação de mercadorias, a legislação brasileira prevê incidência do ICMS – imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (artigo 155, II, da CF).
A atividade de venda porta-a-porta popularizou-se, de certa forma, pela sua informalidade, eis que o revendedor apenas atua como vendedor e, desta forma, está desobrigado a emitir notas fiscais ou recolher o imposto, obrigação que cabe diretamente às empresas fabricantes dos produtos na qualidade de substitutos tributários.
A problemática que se verifica nos casos concretos - motivo de inúmeras ações judiciais - diz respeito a efetiva base de cálculo do imposto. Seria o preço sugerido no catálogo ou o preço praticado pelos revendedores? Qual seria a medida adequada a evitar a injustiça tributária? A metodologia utilizada pelo Estado para fixação da base de cálculo fere algum princípio?
Considerando que a competência para legislar sobre o ICMS cabe a cada Estado da Federação e que, nesse viés, as legislações estaduais tratam a questão de formas diferentes, o presente trabalho se restringirá à reflexão de como o Estado do Paraná tem enfrentado esta problemática e qual seria a média indicada.
{C}2. {C}O ICMS E A SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
Conforme leciona a professora Regina Helena Costa (COSTA, 2020, p.39): “Dentre as múltiplas incumbências a cargo do Estado está a tributação, que consiste, singelamente, na atividade estatal abrangente da instituição, da arrecadação e da fiscalização de tributos”, ou seja, a atividade de arrecadação é indisponível, pois se trata de fundamento do interesse público.
Segundo Ruy Barbosa Nogueira (NOGUEIRA, 1995, p. 155) os tributos são receitas que o Estado recolhe do patrimônio dos indivíduos, baseado no seu poder fiscal e fundamento em normas de direito público. Já o artigo 3º do Código Tributário Nacional, nos termos do entendimento do Professor Paulo de Barros (CARVALHO, 2019, p.60), complementa a previsão constitucional e explicita a compulsoriedade da exigência do tributo, afastada qualquer cogitação de prestação voluntária.
Quanto a importância fundamental da arrecadação de tributos, Flavio Galdino (GALDINO, 2002, 139) pontua que “considerando que o Estado somente funciona em razão das contingências de recursos econômico-financeiros captados junto aos indivíduos singularmente considerados, chega-se à conclusão de que os direitos só existem onde há fluxo orçamentário que o permita”.
Dada a necessidade fundamental da arrecadação tributária, o artigo 145 da Constituição Federal determina que A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, podem instituir de três tipos de tributos: impostos; taxas e contribuição de melhoria. Igual redação, quanto às espécies de tributo, traz o artigo 5º do Código Tributário Nacional: “Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria”.
Nesses termos, denota-se que a constituição federal outorga a competência tributária – poder de criar tributos - aos entes federados, dentro da esfera territorial que lhe é conferida e nos limites da parcela de poder impositivo que lhes foi atribuída pela constituição (SABBAG, 2019, p. 480).
O artigo 155, incisos I a III{C}[2], outorga aos Estados e a ao Distrito Federal a competência tributária para instituir impostos sobre a transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos - ITCMD; sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior – ICMS, e sobre a propriedade de veículos automotores - IPVA.
No que interessa ao presente estudo, convém tecer considerações a respeito do ICMS – imposto sobre circulação de mercadorias e serviços.
Considerado o imposto mais importante dos Estados Membros e do Distrito Federal, eis que responsável pela maior parte das suas receitas tributárias, possui, de certa forma, feição nacional, muitas vezes motivo de “guerra tributária” em razão de seu caráter multifásico – incidência em cada operação – vedada a cumulatividade (COSTA, 2020, p. 402).
A regulamentação do ICMS tem previsão na Lei Complementar nº 87/96 – mais conhecida como Lei Kandir - que traz aspectos gerais de incidência, fato gerador, imunidades, base de cálculo e, em especial, define o sujeito passivo do tributo{C}[3] – aquele a quem cabe o pagamento do tributo – nos seguintes termos: a) pessoas que pratiquem operações relativas a circulação de mercadoria; b) importadores de bens de qualquer natureza; c) prestadores de serviços de transporte interestadual e intermunicipal; d) prestadores de serviços de comunicação; sendo autorizada, ainda, no contexto da substituição tributária, a escolha de uma pessoa para recolher o tributo antes da ocorrência do fato gerador (SABBAG, 2019, p. 1372).
De acordo com o Professor Paulo de Barros Carvalho (CARVALHO, 2019, apud SOUZA,1954, pg. 56) a substituição tributária ocorre quando “em virtude de uma disposição expressa de lei, a obrigação tributária surge desde logo contra uma pessoa diferente daquela que esteja em relação econômica com o ato, ou negócio tributado: nesse caso, é a própria lei que substitui o sujeito passivo direito por outro indireto”.
Trata-se da chamada substituição tributária progressiva ou “para frente”, na qual ocorre a presunção de ocorrência do fato gerador, antes mesmo que o fato tenha se realizado, ou seja, se presume a ocorrência de fato futura e provável, fazendo surgir o nascimento antecipado da obrigação tributária (COSTA, 2020, p. 242).
Nesse contexto, a conclusão que se apresenta é que o regime de substituição tributária do ICMS somente existe por razões de praticabilidade tributária, uma vez que a prática de atos de fiscalização e controle perante um único responsável tributário se torna muito mais cômoda e eficaz do que se pratica no universo varejista, por exemplo.
Imperioso, contudo, destacar que, conforme pontua a Professora Regina Helena Costa (COSTA, 2020, p. 246), a prática do instituto da substituição tributária, com a presunção do fato gerador, pode trazer consequências patrimoniais gravosas ao substituto tributário, isso porque a base de cálculo do tributo – valor da operação – será calculada em abstrato, não refletindo o seu valor à vista do caso concreto.
O fato gerador do ICMS relativo a operações de circulação de mercadorias (SABBAG, 2019, p. 1374) decorre de qualquer negócio em que ocorra a circulação de mercadorias, independe da natureza jurídica de cada um, devendo entender-se o termo “circulação” como a mudança de titularidade do bem e não a mera movimentação física e “mercadoria” como bem ou coisa móvel que se constitui objeto de venda.
Nesse passo, tem-se que a cada etapa da operação de circulação da mercadoria há incidência do tributo, em razão de seu caráter multifásico (VASCONCELLOS, 2014, p 650), sendo comum que as fases do mesmo processo produtivo sejam realizadas em diferentes regiões do país.
Em decorrência dessa característica, deve ser observada na incidência do tributo o princípio da não cumulatividade, o qual, nas palavras do professor Paulo de Barros Carvalho (CARVALHO, 2019, p. 199) “impõe técnica segundo a qual o valor de tributo devido em cada operação será compensado com a quantia incidente sobre as anteriores”.
Cito como exemplo uma indústria de sapatos que vende seus produtos ao distribuidor, que, por sua vez, revende ao estabelecimento varejista, que, por fim, revende ao consumidor final. Considerando que a cada etapa de transferência o produto agrega valor maior, a cada etapa incidirá o ICMS, sempre com desconto do valor que já foi pago na operação anterior.
3. DO ICMS INCIDENTE SOBRE AS VENDAS DIRETAS NO ESTADO DO PARANÁ
Conforme abordado na introdução deste trabalho, atividade de venda porta-a-porta popularizou-se, de certa forma, pela sua informalidade, eis que o revendedor apenas atua como vendedor e, desta forma, está desobrigado a emitir notas fiscais ou recolher o imposto, obrigação que cabe diretamente às empresas fabricantes dos produtos na qualidade de substitutos tributários.
No Estado do Paraná, a norma que rege atualmente a substituição tributária para as operações com mercadorias destinadas a revendedores para venda porta-a-porta está prevista no artigo 113 do Regulamento do ICMS do Estado. Confira-se:
Art. 113. As empresas estabelecidas neste ou em outro Estado, que utilizem o sistema de "marketing" direto na comercialização de seus produtos, ficam responsáveis, na condição de contribuinte substituto, pela retenção e recolhimento do ICMS devido nas operações subsequentes praticadas por (Convênios ICMS 45/1999 e 6/2006; Convênios ICMS 92/2015 e 139/2015; Convênio ICMS 155/2015):
A venda direta por revendedores informais impõe uma série de dificuldades ao fisco na arrecadação do ICMS, justamente porque não há possibilidade fática de a fiscalização tributária atingir tais pessoas, uma vez que os revendedores autônomos não estão obrigados a emitir notas fiscais, recibos, escriturar informações em livros contábeis, emitir GIA/ICMS, ou seja, não estão sujeitos ao cumprimento das mais diversas obrigações acessórias ligadas ao imposto estadual em exame, razão pela qual, a nosso entender, foi a opção do legislador estatal.
Segundo o Professor Eduardo Sabbag (SABBAG, 2019, p. 866), três fatores foram preponderantes para que fosse criado o instituto da substituição tributária: a) dificuldade de fiscalização de contribuintes pulverizados; b) necessidade de se evitar a evasão fiscal e c) necessidade de otimização da arrecadação.
A informalidade desse ramo de atividade tem origem na própria inércia do Estado que não cria regras e, de forma confortável, impõe às fabricantes o cumprimento de todas as obrigações fiscais – inclusive as assecuratórias do recolhimento integral do ICMS devido na cadeia econômica/comercial.
Denota-se, assim, que as empresas que pretendem se valer da prática mercantil da venda direta no Estado do Paraná, são erigidas pela norma como substitutas tributárias do recolhimento antecipado do ICMS, antes mesmo que a venda seja efetuada pelos revendedores.
No caso da venda direta, a simples figuração como substituto tributário não teria tamanha relevância econômica se, verdadeiramente, houvesse apenas a responsabilidade de “antecipação do recolhimento do tributo”.
A grande problemática que emana da aplicação do instituto no caso concreto é a formação da base de cálculo do ICMS, posto que, em uma operação normal, a base de cálculo seria o valor real da operação, simples assim. Contudo, no regime de substituição, deve a substituta recolher antecipadamente o valor do tributo, fazendo incidir a alíquota sobre uma base de cálculo presumida, ou seja, aquela que o Fisco entende como reflexo do valor que seria praticado pelo revendedor.
Como exemplo, se pode citar a situação em que a consultora adquire um produto para revenda, contudo, por situações econômicas diversas, não consegue vender e utiliza o produto para consumo próprio ou para a sua família. Neste exemplo, o fato gerador que se presumia não se realizou, contudo já foi antecipadamente tributado, tratando-se de clara antecipação financeira que provocará impactos para o substituto tributário e para o substituído.
A correta formação da base de cálculo é fator imprescindível para a formação do tributo.
O mestre Paulo de Barros Carvalho (CARVALHO, 2019, p.362) conclui qu a base de cálculo tem três funções essenciais: “a) função mensuradora, pois mede as proporções reais do fato; b) função objetiva, porque compõe a específica determinação da dívida; e c) função comparativa, porquanto, posta em comparação com o critério material da hipótese, é capaz de confirma-lo, infirmá-lo ou afirmar aquilo que consta no texto da lei, de modo obscuro”.
A Professora Regina Helena Costa (COSTA, 2020, p. 242) pontua de forma profícua que “a utilização de abstrações generalizantes, tais como as presunções e ficções, deve ser efetuada com parcimônia e apenas nas hipóteses em que não seja possível a prova direta do fato, sem demasiado custo ao Poder Público”, tudo em homenagem ao princípio da verdade material ou da realidade.
A abstração da base de cálculo induz à abstração do próprio imposto a ser pago, resultando num montante fictício que contraria veemente os princípios da segurança e da certeza do crédito tributário (MELO, 2005, p. 185).
Buscando reduzir possíveis discrepâncias ocorridas pela discricionariedade da administração público na fixação da base de cálculo presumida, o legislador entendeu que seria necessário a elaboração de um fator único, capaz de prever a margem de agregação a ser adicionada ao valor do produto, já considerando o consumidor final, o qual chamou de Margem de Valor Agregado – MVA.
A Lei Complementar nº 87/96, de âmbito nacional, dispõe que a MVA deverá observar os preços usualmente praticados no mercado considerado, sendo que, a partir destes montantes, deve-se aplicar uma média ponderada:
Art. 8º A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será:
(...)
§ 4º A margem a que se refere a alínea c do inciso II do caput será estabelecida com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo os critérios para sua fixação ser previstos em lei.
A Lei Estadual nº 11.580/96, então, tratou da base de cálculo para fins de substituição tributária, fazendo referência à maneira de calcular a MVA:
“Art. 11. A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será:
I - em relação às operações ou prestações antecedentes ou concomitantes, o valor da operação ou prestação praticado pelo contribuinte substituído;
II - em relação às operações ou prestações subsequentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes:
a) o valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário;
b) o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço;
c) a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subsequentes. § 3º A margem a que se refere a alínea ‘c’ do inciso II deste artigo será estabelecida com base nos seguintes critérios:
I - levantamentos, ainda que por amostragem, dos preços usualmente praticados pelo substituído final no mercado considerado;
II - informações e outros elementos, quando necessários, obtidos junto a entidades representativas dos respectivos setores;
III - adoção da média ponderada dos preços coletados”.
Com efeito, o que se observa das normas é a necessidade de que o preço de cada produto individualizado observe aquilo que é efetivamente praticado no mercado, com as devidas comprovações das operações, fazendo-se uma média ponderada com prudência, considerando o peso de cada valor, as circunstâncias inerentes a cada produto, as circunstâncias inerentes ao consumidor final e, por fim, uma análise atenta e detalhada de todos estes elementos, não de forma isolada, mas em conjunto, de forma a chegar na MVA praticada nas operações reais.
A base de cálculo do imposto para fins de substituição tributária, bem como a Margem de Valor agregado exigido pelo Estado do Paraná para produtos comercializados através de venda direta estão previstos no artigo 114 e seu § 1º do Regulamento do ICMS. Confira-se:
Art. 114. A base de cálculo do imposto, para fins de Substituição Tributária - ST, será o valor correspondente ao preço de venda a consumidor, constante de tabela estabelecida por órgão competente ou, na falta desta, o preço sugerido constante de catálogos, listas de preços ou similares, emitidos pelo fabricante ou remetente, ou utilizados pelos revendedores, acrescido, em ambos os casos, do valor do frete quando não incluído no preço (Convênios ICMS 45/1999 e 6/2006).
§ 1.º Na falta dos valores de que trata o “caput”, a base de cálculo do imposto será o preço por ele praticado, incluídos os valores do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, do frete e das demais despesas cobradas ou debitadas ao destinatário, adicionado da parcela resultante da aplicação, sobre o referido montante, do percentual de MVA estabelecido em Resolução do Secretário de Estado da Fazenda (Convênios ICMS 45/1999 e 6/2006).
Da leitura do caput do artigo supra colacionado, extrai-se que o Estado do Paraná prevê que a base de cálculo do ICMS-ST, no caso de venda direta, será fixada de duas formas: 1ª) mediante o valor correspondente ao preço de venda a consumidor, constante de tabela estabelecida por órgão competente, ou, na falta desta: 2ª) com base no preço sugerido constante de catálogos, listas de preços ou similares, emitidos pelo fabricante ou remetente, ou utilizados pelos revendedores, acrescido, em ambos os casos, do valor do frete quando não incluído no preço.
Desde logo se descarta o uso da primeira hipótese: a um porque a norma não define qual seria o órgão competente para emiti-la e a dois porque o tabelamento de preços fere o princípio da livre iniciativa e da livre concorrência, sendo previamente inconstitucional e, portanto, sem aplicação imediata.
Com relação à segunda opção que impõe o uso dos valores indicados em catálogos ou congêneres como montante de base de cálculo, da mesma forma não se revela a medida mais justa.
Conforme registra BERTA (2019, p. 39), “Em qualquer modelo de venda direta, o vendedor assume uma condição de empresário independente, sendo inteiramente responsável pela gestão do seu próprio negócio. Ele adquire os produtos da empresa por um preço de atacado (ou com desconto) e pode revendê-los pelo preço sugerido pela empresa de venda direta ou não, auferindo o lucro que deseja obter em cada transação”. (...) “Neste caso, o revendedor efetua a compra dos produtos, a preço de atacado, diretamente do fabricante e repassa o valor do produto para o consumidor final com uma margem de lucro que varia entre 20% a 50%, dependendo da empresa”.
Nesse contexto, a regra que prevalece é a de que o preço de catálogo se trata de mera sugestão ao revendedor, tanto o é, que no próprio artigo 114 do Regulamento do ICMS consta a expressão “preço sugerido” e há previsão expressa em seu § 5º da possibilidade de comprovação, pelo substituído, de tal circunstância:
§ 5.º Para o substituto tributário que comprovar, com base nos critérios de determinação de base de cálculo estabelecidos no art. 13 deste Regulamento, que o preço a consumidor final constante em catálogo não é o usualmente praticado no mercado paranaense em condições de livre concorrência, poderá ser aplicado sobre o preço constante do catálogo o percentual de redução apurado, que será divulgado em ato expedido pelo Diretor da CRE.
Ultrapassada a viabilidade das hipóteses de base de cálculo imposta no caput do artigo 114 do Regulamento do ICMS, o seu § 1ª traz a previsão de que, nesse caso, a base de cálculo do ICMS-ST “será o preço por ele praticado, incluídos os valores do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, do frete e das demais despesas cobradas ou debitadas ao destinatário, adicionado da parcela resultante da aplicação, sobre o referido montante, do percentual de MVA estabelecido em Resolução do Secretário de Estado da Fazenda”.
De fato, em pesquisa ao site da Secretaria da Fazenda do Estado do Paraná{C}[4], se encontra facilmente a resolução SEFA nº 571/2019 que estabelece os percentuais de MVA - Margem de Valor Agregado original a serem utilizados nas operações com mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária.
Contudo, o conteúdo da norma traz apenas tabelas com a numeração do item descrito, com os códigos CEST e NCM/SH, com a descrição da mercadoria e seus protocolos junto ao Confaz e, por fim, o valor a ser aplicado a título de MVA, nada mais. A precariedade das informações é de tal tamanho, que sequer há descrição das siglas utilizadas, cabendo ao leitor um exercício de adivinhações ou deduções.
Nesse liame, constata-se que o ato administrativo que fixa as margens de valor agregado a serem observadas pelo substituto tributário, conforme determina o § 1º do artigo 114 do RICMS, contraria as disposições do § 4ª do artigo 8º da Lei Complementar nº 87/96 e também o que prevê o artigo 11, inciso II, alínea “c” da Lei Estadual nº 11.580/96, na medida em que não traz qualquer informação a respeito da forma que se alcançaram os percentuais de MVA, quais foram os estudos e análises de mercado realizados ou qual a fórmula de cálculo que deu origem à tais valores.
A ausência de informações que fundamentam a norma, fere o princípio da segurança jurídica tributária, o qual, segundo lição da professora Regina Helena Costa (2020, p. 88) consagra que: “Na seara da tributação, a segurança jurídica expressa-se, especialmente, pelas noções de legalidade, formal e material (arts. 5º e 150, I, CR), de isonomia e pelo caráter vinculado da atividade administrativa de cobrança do crédito tributário”.
Há que se ponderar, ainda, que a referida resolução não observa o Princípio da Praticabilidade Tributária, que, nas palavras da Professo Regina (2020, p. 102) apresenta a seguinte formulação: “as leis tributárias devem ser exequíveis, propiciando o atingimento dos fins de interesse público por elas objetivado, quais sejam, o adequando cumprimento de seus comandos pelos administrados, de maneira simples e eficiente, bem como a devida arrecadação de tributos”.
No intuito de complementar o presente estudo, no sentido de demonstrar a imprecisão das normas que tratam da base de cálculo do ICMS-ST nas vendas diretas, imperioso trazer à reflexão a recente decisão da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no julgamento do recurso de apelação cível nº 0002907-08.2006.8.16.0004, que conheceu e deu provimento ao recurso de apelação da Natura S/A para acatar os termos da conclusão do laudo pericial e fixar o valor cabível a Margem de Valor Agregado no percentual de 40,57%.
O laudo pericial produzido nos autos chegou à conclusão de que a MVA real era de 40,57% com base em densa pesquisa de material contábil, em entrevistas com 1.412 consultoras da Natura, bem como com 22 visitas a encontros de consultoras, concluindo o perito que muitos produtos eram adquiridos para consumo e que a maioria das vendedoras concediam descontos sobre o preço de catálogo, razão pela qual não poderia ser mantido o percentual de 72% praticado pelo Estado do Paraná.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O instituto da substituição tributária progressiva relativo ao ICMS, em que pese represente inovação na efetividade da fiscalização tributária, carece de normas claras e de necessária adequação aos princípios da segurança jurídica, da praticabilidade tributária, da eficiência, da publicidade e da capacidade contributiva.
A formulação de normas fiscais que prescindem de estudos técnicos e fundamentados, impondo obrigações que não retratam a realidade dos fatos tributários, contraria os princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e do desenvolvimento social, pois elevam sobremaneira a carta tributária de setores essenciais à sociedade.
Não se nega a essencialidade da arrecadação tributária para a promoção dos objetivos do Estado, contudo, se esta passa a prejudicar injustamente o contribuinte cidadão, deixa de cumprir o seu papel fundamental: o bem-estar social.
REFERÊNCIAS
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AMARO, Luciano. (1997) Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 30 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 11 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: constituição e código tributário nacional. 10 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
GALDINO, Flávio. O custo dos direitos. In Torres, Paulo Lobo (org). Legitimação dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
MELO, Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 8ª ed. São Paulo: Dialética, 2005.
MELO FILHO, João Aurino de. Racionalidade legislativa do processo tributário. Salvador. Juspodivm, 2018.
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NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
ESTADO DO PARANÁ. Resolução SEFA nº 571/2019. Secretaria de Estado e Fazenda, 2019. Disponível em http://www.fazenda.pr.gov.br/modules/conteudo /conteudo.php?conteudo=580. Acesso em 08 de setembro de 2020.
_______________. Regulamento ICMS - Decreto 7.871/2017. Secretaria de Estado e Fazenda, 2019. Disponível em http://www.fazenda.pr.gov.br/ modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=464
_______________. Lei Orgânica do ICMS - 11.580/1996. Secretaria de Estado e Fazenda, 2019. Disponível em http://www.fazenda.pr.gov.br/ modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=464
VASCONCELLOS, Mônica Pereira Coelho de. ICMS: distorções e medidas de reforma/ Mônica Pereira Coelho de Vasconcellos – Vol XIII - São Paulo: Quartier Latin, 2014
[1] https://www.abevd.org.br/quem-somos/
[2] Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
III - propriedade de veículos automotores.
[3] Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial:
I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade;
II - seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior;
III – adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados;
IV – adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização.
[4] https://www.sefanet.pr.gov.br/dados/SEFADOCUMENTOS/101201900571.pdf