A posição jurídica do direito ao acesso à justiça face os apontamentos de Cappelletti.

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O presente artigo versa sobre a atual posição jurídica do princípio do acesso à justiça, cotejando-o com os apontamentos proferidos pelo doutrinador Cappelletti,Trazendo nuances e formas de manifestação desse princípio.

Desenvolvimento:

O direito de acesso à justiça é classificado como direito humano e princípio constitucional (direito fundamental) pois integra o rol de direito concebidos e estatuídos na seara internacional, assim como direito previsto na Constituição Federal de 1988.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas - ONU, em 10 de dezembro de 1948[1], apresenta dispositivo relativo ao princípio do acesso à justiça nos seguintes moldes: “VIII. Todo homem tem direito a receber, dos tribunais nacionais competentes, remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei” (grifo do autor).

Ainda na esfera internacional, o Pacto de São José da Costa Rica, através do qual editou-se a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em 22 de novembro de 1969[2], firma a seguinte proposição:

Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza (grifos do autor).

Além de figurar como norma de direito internacional, o princípio foi contemplado de maneira esparsa na Constituição federal de 1988, seguindo a tendência dos Estados democráticos contemporâneos em explicitar, nas Constituições, prerrogativas humanas oriundas da evolução político-doutrinária, atribuindo-lhes exigibilidade como técnica de política jurídica (MELO, 2000).

A ideia de acesso à justiça não permite a fixação de uma definição capaz de abarcar a sua dimensão pois abrange os diversos meios à consecução de uma ordem jurídica justa

(CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2004). No atual estágio de conquistas é possível asseverar que o acesso à justiça não trata apenas da admissão do jurisdicionado ao processo, nem apenas do direito de ingressar em juízo. Trata-se atualmente do oferecimento de solução justa, eficaz, célere e imparcial.

            Em meio ao aprimoramento das melhores técnicas para garantir a justiça à todos, percebe-se a propensão em se consolidar direitos sociais através da ação judicial, cabendo ao juiz a efetivação de direitos humanos e fundamentais. O acesso à justiça  apresenta-se, então, como um princípio motor da oferta legal e constitucional de direitos, pois entende-se como necessidade  de efetivação e implementação de tais direitos, para tanto exige não apenas à universalidade de acesso à justiça, mas  também a observação da probidade e integridade das normas processuais, a participação das partes na formação do convencimento do juiz e a concessão de uma solução justa e célere. A esse respeito,  enumera Cintra:

(a) oferece-se a mais ampla admissão de pessoas e causas ao processo (universalidade da jurisdição), depois (b) garante-se a todas elas (no cível e no criminal) a observância das regras que consubstanciam o devido processo legal, para que (c) possam participar intensamente da formação do convencimento do juiz que irá julgar a causa (princípio do contraditório), podendo exigir dele a (d) efetividade de uma participação em diálogo -, tudo isso com vistas a preparar uma solução que seja justa, seja capaz de eliminar todo resíduo de insatisfação. Eis a dinâmica dos princípios e garantias do processo, na sua interação teleológica apontada para a pacificação com justiça.

Apesar de firmado como um direito social básico e instrumental à efetivação dos demais direitos fundamentais, o acesso à justiça — ponto de convergência de inumeráveis princípios e garantias fundamentais, carece de efetividade, dados os empecilhos atualmente presentes, dentre os quais destaca-se a demora do processo, a publicidade dos atos processuais, a participação no processo, dentre outros, exercem efeito refratário à solução efetiva das demandas judiciais.

Cappelletti admite que o enunciado “acesso à justiça” é uma expressão de difícil definição, porém revela duas finalidades elementares ao sistema jurídico: O sistema deve ser igualmente acessível a todos e ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.

            A concepção de acesso à justiça mudou drasticamente desde o período liberal-burguês vigente entre os séculos XVIII e XIX. À época, o Estado adotava uma postura absenteísta, permanecendo passivo à questão da aptidão das pessoas agravadas e ofendidos em defender-se devidamente por meio de uma atuação judicial. A incapacidade que muitas pessoas tinham de utilizar integralmente a justiça e suas instituições não era observada pelo Estado. A justiça era reservada a pessoas que pudessem arcar com as custas ou que detivessem ciência, dos veículos  informacionais, ou acesso, aos mecanismos técnicos, aos meios usuais de provocação do Judiciário. Dessa maneira o acesso à justiça equiparava-se ao direito, apenas formal, de liberdade reinante nesse período.

O engendramento de uma Estado, e com isso um poder judiciário, atento e receptivo à implementação material de direitos surge com a consolidação de uma segunda geração de direitos fundamentais, destacada como uma dimensão de direitos notadamente sociais, econômicos e culturais. O estudo jurídico passa a considerar a experiência e a complexidade da realidade, agora marcada pela coletivização de direitos (presente na tendência coletivização das relações e das ações sociais).

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Emergem os direitos e deveres sociais do governo, evidenciando a impossibilidade de um Estado inerte  e ausente, demandando das esferas governamentais uma atuação comissiva  no sentido de revitalizar direitos vistos como inexpressivos devido a uma ordem conjuntural e que escapavam do domínio de manifestação dos seus titulares por fatores alheios às suas vontades.

            Uma nova seara de direitos (direito ao trabalho, educação, saúde e segurança) passam a ser reconhecidos como legítimos encargos estatais, pois dependem de sua intervenção na atividade econômica e social estabilizando e propiciando condições mínimas necessárias ao seu gozo.

            Neste interim o acesso à justiça reveste-se de uma utilidade singular, já que na medida em que o Estado sedimenta reformas de welfare state, os indivíduos imbuídos de direitos substanciais assumem novos papeis sociais, como agentes e sujeitos sociais – consumidores, alunos, beneficiários de sistemas de saúde e etc., cria-se concomitantemente demandas estatais. Dada a titularidade de direitos é premente a necessidade de efetivação de tais posições jurídicas, ao passo que o acesso a justiça é instrumento incontornável à efetivação de reinvindicações sociais. Decorre que o direito ao acesso à justiça assume a posição de direito axial de qualquer sistema jurídico que se proponha, não apenas anunciar, mas garantir e efetivar direitos.

O acesso à justiça encontra-se estreitamente alinhavado ao direito processual. Em meio a essa relação destacam-se os questionamentos acerca da necessidade e utilidade de um processo dado a feições intrusivas e burocráticas, e o modo como o objeto de materialização do direito pode ser, ao mesmo tempo, seu verdugo. Boa parte dessa discussão tende a ser dirimida quando se orienta a aplicação da norma processual a partir de sua função social.

Cappelletti associa o acesso à justiça ao conceito de efetividade, dispondo que a efetividade perfeita poderia ser entendida como a 'igualdade de armas', atando-a à garantia de que a conclusão da demanda dependeria unicamente "dos méritos jurídicos relativos das partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetem a afirmação e reivindicação dos direitos" (CAPPELLETTI, 1985, p. 14). Como esse efetividade integral é utópica, cabe apenas indagar quais obstáculos ao acesso efetivo à justiça podem ser atacados e debelados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Os direitos humanos nos 60 anos da Declaração – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2008.

BRASIL. Decreto n.º 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 28 jul. 2020.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Sérgio Antônio Fabris Editor. Porto Alegre, 1988.

ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos; PELLEGRINI, Ada; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25 ed. São Paulo: Malheiros. 2009.

MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de política jurídica. Florianópolis: OAB-SC, 2000.


1 A República Federativa do Brasil encontra-se cingida à Declaração Universal dos Direitos Humanos desde a data de sua elaboração. O Brasil, na ocasião de sua edição, integrava o rol de 58 Estados-membros da ONU (BRASIL, 2008).

[2] A República Federativa do Brasil recepciona a  Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) através do Decreto n. 678, de 06 de novembro de 1992. Entrando em vigor na data da publicação do decreto.

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Sobre os autores
Antonio Saulo de Brito Pereira

Acadêmico de Direito

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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