UMA APLICAÇÃO PRÁTICA DO PDV E DA REDUÇÃO DOS SALÁRIOS

16/09/2020 às 10:04
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE IMPORTANTE ACORDO COLETIVO DE TRABALHO.

UMA APLICAÇÃO PRÁTICA DO PDV E DA REDUÇÃO DOS SALÁRIOS

Rogério Tadeu Romano

I – O FATO

Segundo o site do Estadão, em 15 de setembro do corrente ano, “em assembleia realizada nesta terça-feira, 15, no pátio da fábrica da  Volkswagen em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, a maioria dos trabalhadores aprovou a proposta de abertura de um Programa de Demissão Voluntária (PDV) para reduzir em cerca de 35% o número de funcionários da empresa. Para os que permanecerem no grupo, haverá garantia de emprego até 2025. A unidade emprega 8,6 mil funcionários.”

Eles também aceitaram a adoção de suspensão de contratos de trabalho (lay-off) por até dez meses com salários inferiores aos pagos até agora, congelamento de reajuste salarial e mudanças em benefícios como plano médico e participação nos lucros.

II – OS PLANOS DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA

No caso dos planos de demissão voluntária, a jurisprudência oscilou consideravelmente entre o reconhecimento e o não reconhecimento da validade da quitação geral do contrato individual do trabalho; no entanto, a jurisprudência mais contemporânea vinha inclinando-se em favor da tese do não reconhecimento. Assim, por exemplo, no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, evidenciam-se decisões mais antigas, favoráveis à quitação ampla (Proc. TRT-23-RO-01579.2003.004.23.00-9, DJMT 13/04/2005; Proc. TRT-3-RO-2394/01, DJMG 12/05/2001; Proc. TRT-7-0146900-29.2000.5.07.0002, DOJT 05/12/2003), e decisões mais recentes, a ela francamente desfavoráveis (Proc. TRT-2-RO-00010942120105020464, DeJT 29/08/2014; Proc. TRT-16-01860-2005-002-16-00-9, DeJT 04/05/2011; Proc. TRT-4-RO-0069500-05.2009.5.04.0002, DeJT 30/10/2012).

Mas no âmbito dos planos de demissão voluntária, o Tribunal Superior do Trabalho consolidou, mediante a Orientação Jurisprudencial n. 270 da sua SBDI-1, o entendimento de que “A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho ante a adesão do empregado a plano de demissão voluntária implica quitação exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo”, descartando a possibilidade de renúncia genérica a direitos, ainda que o plano de demissão voluntária tenha esteio em acordo coletivo de trabalho, como decidido no julgamento do Incidente de Uniformização de Jurisprudência suscitado nos autos do ROAA 111500-48.2002.5.12.0000 (DJ 16/03/2007), derivado de ação anulatória de cláusula de acordo coletivo de trabalho proposta pelo Ministério Público do Trabalho, que concluiu pela invalidade de cláusula de acordo coletivo de trabalho que estabelece a quitação plena do contrato individual de trabalho em razão da adesão do empregado a plano de demissão incentivada.

Assim, se no próprio âmbito do Tribunal Superior do Trabalho a questão chegou a ser controvertida, podendo-se encontrar acórdãos mais antigos favoráveis à quitação ampla (RR 515.987/98.2, DJ 09/11/2001; RR 475.180-89.1998.5.12.5555, DJ 28/09/2001; RR 679586-20.2000.5.15.5555, DJ 17/08/2001) e acórdãos mais recentes a ela desfavoráveis (RR 222400-80.2003.5.02.0020, DeJT 24/02/2012; ED-RR 180500-21.2004.5.02.0461, DeJT 09/09/2011; RR 115400-28.2001.5.02.0008, DeJT 12/08/2011), o fato é que a jurisprudência trabalhista amadureceu, evoluindo no sentido de limitar a abrangência da quitação.

Lembra-se a aplicação do precedente firmado no RE 591415, referente ao Tema 152 da sistemática da repercussão geral.

Naquela oportunidade, o Plenário do STF decidiu, em apertada síntese, ser válida a cláusula de quitação ampla e irrestrita de parcelas referentes ao contrato de trabalho quando da adesão a plano de demissão voluntária, desde que preenchidos dois requisitos: a cláusula será expressa; e, fundamentalmente, originar da vontade coletiva dos trabalhadores, por meio da participação do Sindicato ou outro órgão representativo na elaboração, desenvolvimento e aprovação do plano.

Nos termos da decisão do STF (RE nº 590.415), a adesão do empregado ao PDV apenas implicará eficácia liberatória geral do contrato de trabalho quando forem preenchidos dois requisitos cumulativos, quais sejam, (a) que "essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano", (b) bem como nos "demais instrumentos celebrados com o empregado". No caso dos autos, o PDV não foi instituído por meio de acordo coletivo de trabalho, mas sim unilateralmente pela reclamada, circunstância que por si só afasta a eficácia liberatória geral do contrato de trabalho. Os instrumentos individuais assinados pelo empregado, ainda que contenham previsão de quitação total, não dispensam a existência de acordo coletivo nos moldes estabelecidos. Foi o que entendeu o TST, em sede de recurso de revista.

Assim se dizia naquele RE nº 590.415:

“DIREITO DO TRABALHO. ACORDO COLETIVO. PLANO DE DISPENSA INCENTIVADA. VALIDADE E EFEITOS. 1. Plano de dispensa incentivada aprovado em acordo coletivo que contou com ampla participação dos empregados. Previsão de vantagens aos trabalhadores, bem como quitação de toda e qualquer parcela decorrente de relação de emprego. Faculdade do empregado de optar ou não pelo plano. 2. Validade da quitação ampla. Não incidência, na hipótese, do artigo 477, parágrafo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, que restringe a eficácia liberatória da quitação aos valores e às parcelas discriminadas no termo de rescisão exclusivamente. 3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual. 4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção 98/1949 e na Convenção 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida. 5. Os planos de dispensa incentivada permitem reduzir as repercussões sociais das dispensas, assegurando àqueles que optam por seu desligamento da empresa condições econômicas mais vantajosas do que aquelas que decorreriam do mero desligamento por decisão do empregador. É importante, por isso, assegurar a credibilidade de tais planos, a fim de preservar a sua função protetiva e de não desestimular o seu uso. 7. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: [...].” (STF, Pleno, RE 590.415/SC, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 30.04.2015).

A CLT permitia a redução geral dos salários dos empregados em até 25%, respeitado o salário mínimo regional, em caso de força maior ou prejuízos comprovados da empresa. Mas com o advento da atual Constituição Federal, essa possibilidade deixou de existir, sendo indispensável que a redução no salário seja negociada com o sindicato profissional.

Como dizia Gustavo Felipe Barbosa Garcia, em artigo para o Consultor Jurídico(A demissão incentivada na atual jurisprudência):

“Tendo em vista essa importante decisão, torna-se imperioso distinguir os planos de incentivo à demissão que são estabelecidos de forma unilateral, ou seja, apenas pelo empregador, daqueles pactuados por meio de negociação coletiva, com a participação dos sindicatos das categorias econômicas, constando de acordos coletivos de trabalho.

Na última hipótese, havendo cláusula que prevê a quitação ampla, geral e irrestrita de todos os direitos decorrentes do contrato de trabalho, que se extinguiu justamente em razão da adesão voluntária do empregado ao plano de incentivo à demissão, conferindo eficácia liberatória geral, prevaleceu o entendimento quanto à sua plena validade, justamente por ser prevista em instrumento normativo pactuado com o sindicato que representa a categoria profissional, no exercício da autonomia da vontade coletiva.

Ainda assim, em termos reais e concretos, a nova orientação da jurisprudência parece não se sensibilizar com o fato de que, apesar de a cláusula que institui o plano de incentivo à demissão ser pactuada na esfera das relações coletivas de trabalho, mais especificamente por meio de negociação coletiva, em que as partes estão em condição relativamente isonômica, a adesão, em si, é feita pelo próprio empregado, no âmbito da relação individual de emprego, na qual vigora o princípio da indisponibilidade, pois a sua posição é de nítida assimetria, bem como de vulnerabilidade social e econômica em face do empregador.

Em regra, o empregado, ciente da irremediável perda do emprego, apenas adere formalmente ao plano de demissão incentivada, por já saber da inviabilidade de manutenção do contrato de trabalho.

Em verdade, também não se pode confundir o pagamento, como forma de extinção das obrigações (artigos 304 e seguintes do Código Civil de 2002), com a transação, que é modalidade contratual (artigos 840 e seguintes do Código Civil de 2002).

A rigor, a mera adesão a plano de demissão incentivada não possui natureza jurídica de transação, ainda que extrajudicial, pois ausente qualquer litígio, ainda que em potencial, por não se verificar o requisito da controvérsia, a ser solucionada por meio de concessões recíprocas das partes envolvidas.”

III – A REDUÇÃO DOS SALÁRIOS

No caso de redução da jornada ser acompanhada de diminuição do salário, existem duas possibilidades. A primeira, da mesma forma anteriormente exposta, é que norma coletiva determine essa redução, tanto da jornada, quanto do salário.

A segunda é que a redução seja acordada de forma individual com o trabalhador, mas desde que isso, de fato, se caracterize como uma vantagem para ele. Por exemplo, o empregado que cumpra oito horas diárias, mas que em virtude do ingresso em um curso superior prefira diminuir sua jornada para poder conciliar os estudos com o trabalho. Nesse caso, demonstrado seu real interesse, ele poderia, em comum acordo, ter sua jornada diminuída com a correspondente redução do salário.

O artigo 7º, VI, da Constituição Federal garante a irredutibilidade salarial.

Mozart Victor Russomano, ao observar que a natureza alimentar do salário reclama regulamentação cuidadora, por parte do legislador, expôs que no Brasil essa proteção assume três aspectos fundamentais:

  1. Irredutibilidade;
  2. Integridade;
  3. Intangibilidade.

Recordo que, no direito anterior, já era reconhecida a irredutibilidade do salário, por força do preceituado no artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho, que estabelecia a impossibilidade de alterações unilaterais do contrato individual de trabalho. Não obstante, a concordância do empregado, ainda assim, ela é nula de pleno direito, pois presume-se sempre que seja prejudicial ao trabalhador(CLT, artigo 468, parte final).

Mas não serão consideradas reduções salariais aquelas diminuições resultantes da menor quantidade de trabalho realizado, quando o salário é reajustado por tarefa, peça, comissões, percentagem etc.

Há ainda, como já realçado, as hipóteses de força maior ou prejuízos devidamente comprovados à empresa.

Mozart Victor Russomano fixou como condição para a redução com fundamento nessas hipóteses: a) seja geral; b) não prejudique o salário mínimo; c) não ultrapasse na proporção de 25% a remuneração habitual.

Mas, observe-se, a Constituição de 1988 fixou a regra da irredutibilidade do salário, abrindo tão-somente duas exceções, para o disposto em convenções ou acordos coletivo.

Pelo texto original do artigo 7º, VI, da Constituição onde se traça uma verdadeira garantia institucional, ficam absolutamente excluídas as reduções de salários, ainda que feitas com a concordância do empregado, assim como as diminuições advindas, da força maior, ou de prejuízos devidamente comprovados para a empresa.

A reforma trabalhista, por sua vez, não alterou essas regras.

No caso de redução da jornada ser acompanhada de diminuição do salário, existem duas possibilidades. A primeira, da mesma forma anteriormente exposta, é que norma coletiva determine essa redução, tanto da jornada, quanto do salário.

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A segunda é que a redução seja acordada de forma individual com o trabalhador, mas desde que isso, de fato, se caracterize como uma vantagem para ele. Por exemplo, o empregado que cumpra oito horas diárias, mas que em virtude do ingresso em um curso superior prefira diminuir sua jornada para poder conciliar os estudos com o trabalho. Nesse caso, demonstrado seu real interesse, ele poderia, em comum acordo, ter sua jornada diminuída com a correspondente redução do salário.

Por último, a empresa não pode dispensar o empregado e, em seguida, admiti-lo somente para recontratá-lo com um salário menor. Essa prática é uma espécie de fraude e, caso isso aconteça, será considerado como se não houvesse ocorrido a dispensa.

Esse o quadro constitucional.

Há algum tempo, Délio Maranhão(Direito do Trabalho, 14ª edição, pág. 2016) ensinou que “em princípio, a alteração da jornada de trabalho que lhe diminua o número de horas, favorecendo o empregado será lícita. Desde, porém, que não lhe acarrete prejuízo salarial, sem o que deixaria de lhe ser favorável. Por acordo, no entanto, a título de exceção, poder-se-á legitimar uma diminuição da quantidade de trabalho em função do tempo, com a consequente redução do salário a ser pago, fato quando da redução salarial não resultar, na verdade, prejuízo, mas vantagens para o empregado...”

 IV – A SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

Ensinavam Orlando Gomes e Elson Gottschalk(Curso de direito do trabalho, 1971, pág. 321) que a suspensão pode ocorrer por motivo de fato alheio à vontade do empregado ou de fato que dependa dependa de sua vontade.

Suspenso o contrato de trabalho, por óbvio, estão suspensas as obrigações dele resultantes, para ambas as partes. Aliás, o tempo de paralisação não é compatível com o tempo de trabalho.

suspensão do contrato de trabalho consiste na cessação da prestação de serviço, bem como da contraprestação. Ou seja: ocorre a paralisação da obrigação principal do trabalhador (prestar o serviço) e também a do empregador (pagar o salário). Mas, obrigações acessórias de ambas as partes permanecem.

A suspensão é a sustação temporária dos principais efeitos do contrato de trabalho no tocante às partes, em virtude de um fato juridicamente relevante, sem ruptura, contudo, do vínculo contratual formado. É a sustação ampliada e recíproca de efeitos contratuais, preservado, porém, o vínculo entre as partes.

Na vigência de um fato suspensivo o empregador perde a faculdade de romper o contrato de trabalho, a não ser que seja por justo motivo.

O contrato de trabalho continua em plena vigência, durante a suspensão, mas, no direito laboral, o período de trabalho, como regra, não é computado no tempo do serviço do empregado.

V – CONCLUSÕES

O acordo noticiado representa importante momento por que estão vivendo as relações trabalhistas diante de uma economia que dá traços de recessão.

Na medida do possível garantem-se empregos aos trabalhadores com sacrifício de redução de salários diante da redução da produtividade que deve ser o norte no pagamento das vantagens trabalhistas.

De outro modo, dá mais uma aplicação concreta aos chamados planos de demissões voluntárias onde, através de um negócio jurídico que se assemelha à transação, objetiva-se enxugar a chamada folha de salários diante de um momento grave, visando à sobrevivência do mercado.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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