Breve ensaio sobre a fiança.

18/09/2020 às 18:56
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No direito das obrigações, um dos temas de maior relevância diz respeito à garantia, que pode ser real ou fidejussória, e, dentre essas, a fiança é a que tem maior destaque, pois muito utilizada no dia a dia em locação de imóveis, daí sua importância.

INTRODUÇÃO.

No direito das obrigações, um dos temas de maior relevância, na prática, diz respeito às garantias. Todos que celebram contratos almejam vê-los cumpridos. É para isso que os contratos são feitos. Mas a inadimplência, apesar de não ser o desejado, é uma realidade inescondível, ainda mais nos dias de hoje, com toda dificuldade econômica que o País atravessa.

Assim sendo, não é de se estranhar a exigência, do credor, de uma garantia de que a obrigação será cumprida. Essa garantia pode ser real ou fidejussória. E dentre as fidejussórias, a fiança é a que tem maior destaque.

Daí a razão desse pequeno ensaio que, longe de que pretender encerrar questão, apenas traça apontamentos sobre o tema, procurando ajudar a fomentar o debate.

A fiança é um instituto do direito civil, muito utilizado no dia a dia, estando prevista nos art. 818 a 839 do Código Civil e aplicada, especialmente, nos contratos de locação de imóveis urbanos.

 

I. DEFINIÇÃO, CONCEITO E NATUREZA.

A definição de fiança é dada pelo CC, art. 818: pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.

A fiança é, pois, um contrato, do qual consta duas partes: o fiador e o afiançado.  Por força desse contrato, uma pessoa – o fiador – garante, com a força do seu próprio patrimônio, o cumprimento da obrigação assumida por outra – o afiançado –. Estabelece-se, dessa forma, a obrigação de uma pessoa e a responsabilidade de outra.

É uma modalidade de garantia contratual acessória, em que alguém, alheio à relação contratual original, se compromete a cumprir a obrigação assumida por outrem, caso este não a cumpra.

A princípio, a fiança é uma obrigação subsidiária, de forma que o fiador só será chamado a cumprir a obrigação depois que o afiançado, demandado, não a cumprir (CC, art. 827), conforme estabelece o CPC, art. 794. Porém, poderá o fiador renunciar a esse benefício (CC, art. 828, I) ou assumir a condição de pagador principal ou de devedor solidário (CC, art. 828, II), desde que o faça expressamente no contrato.

Ainda, temos que se trata de um contrato personalíssimo (intuitu personae), resultante da confiança havida entre fiador e afiançado. Por essa razão, o contrato poderá ser denunciado pelo fiador, com a sua consequente desoneração, quando houver a quebra dessa confiança ou a substituição do devedor principal.

STJ, súmula 268. O fiador que não integrou a relação processual na ação de despejo não responde pela execução do julgado.

STJ, jurisprudência em tese, edição 101. 4) Havendo mais de um locatário, é válida a fiança prestada por um deles em relação aos demais, o que caracteriza fiança recíproca.

STJ, jurisprudência em tese, edição 104. 2) Admite-se a substituição da garantia em dinheiro por outro bem ou por fiança bancária, na fase de execução ou de cumprimento de sentença, em hipóteses excepcionais e desde que não ocasione prejuízo ao exequente.

STJ, jurisprudência em tese, edição 104. 3) É legal a exigência de prestação de garantia pessoal e de comprovação da idoneidade cadastral do estudante e do respectivo fiador, para a celebração de contrato de financiamento estudantil vinculado ao Fundo de Financiamento Estudantil (FIES).

 

I.1. Dívidas futuras.

Não há problema algum em estabelecer fiança para uma dívida futura – ou seja, que ainda não existe – e o art. 821 só vem deixar isso bem esclarecido: as dívidas futuras podem ser objeto de fiança; mas o fiador, neste caso, não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação do principal devedor. Aliás, é até bem comum, como ocorre no contrato de locação de bens imóveis urbanos: o fiador vai garantir os alugueres que ainda irão vencer.

Mas, em caso de dívida futura, o fiador somente poderá ser cobrado depois que elas se tornarem líquidas e certas, ou seja, depois de passarem a se tornar exigíveis.

 

II. FORMA E INTERPRETAÇÃO.

Dispõe o CC, art. 819: A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.

A fiança é um contrato benéfico e, em geral, gratuito, razão pela qual não admite interpretação extensiva, sendo que o fiador só se obriga pelo que estiver expressamente pactuado no contrato, e nada mais. O fiador não pode ser obrigado ao que não estiver estabelecido no contrato de fiança.

STJ, súmula 214. O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu.

E é por essa razão que a fiança deve, obrigatoriamente, ser contratada por instrumento escrito, que pode ser público ou particular, ou mesmo no próprio corpo do instrumento contratual principal. Não se admite fiança verbal. Além disso, por se tratar de um contrato formal, a fiança nunca se presume.

STJ, jurisprudência em tese, Direito Civil, ed. 101. 1) O contrato de fiança deve ser interpretado restritivamente, de modo que a responsabilidade dos fiadores se resume aos termos do pactuado no ajuste original, com o qual expressamente consentiram.

STJ, jurisprudência em tese, Direito Civil, ed. 101. 2) Existindo, no contrato de locação, cláusula expressa prevendo que os fiadores respondam pelos débitos locativos até a efetiva entrega do imóvel, subsiste a fiança no período em que referido contrato foi prorrogado, ressalvada a hipótese de exoneração do encargo.

STJ, jurisprudência em tese, edição 104. 11) É válida a cláusula do contrato bancário que estabelece a prorrogação automática da fiança com a renovação do contrato principal.

Na fiança locatícia, a responsabilidade do fiador perdura até a devolução do imóvel pelo afiançado ainda que o contrato de locação, vencido, esteja prorrogado por prazo indeterminado, salvo se houver estipulação contratual em sentido diverso, conforme previsto no art. 39 da Lei do Inquilinato (LI):

LI, art. 39. Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei.  

O devedor não precisa assentir ou consentir com a fiança. Ela pode ser prestada à sua revelia. É o que dispõe o CC, art. 820: pode-se estipular a fiança, ainda que sem consentimento do devedor ou contra a sua vontade. O afiançado não pode, nem mesmo, impedir que a fiança seja prestada.

 

II.1. Alcance.

A fiança, como contrato benéfico que é, não admite interpretação extensiva, obrigando o fiador somente pelo que estiver expresso no contrato. Porém, caso o contrato não estabeleça a limitação de que a garantia engloba apenas a dívida principal, ela se estenderá aos juros e à correção monetárias, além das custas e despesas processuais, que serão devidas desde a citação do devedor.

Destarte, a ausência de ressalva limitatória da obrigação no contrato de fiança impõe ao fiador a garantia universal, responsabilizando-o por todos os prejuízos causados pelo afiançado, na forma do que dispõe o CC, art. 822: não sendo limitada, a fiança compreenderá todos os acessórios da dívida principal, inclusive as despesas judiciais, desde a citação do fiador.

Ainda acerca do seu alcance, por conta do seu caráter acessório, a fiança pode ser parcial, de sorte que o fiador pode garantir apenas parte da obrigação, ou seja, um valor inferior ao da obrigação principal, desde que essa limitação conste expressamente do contrato. Assim, por exemplo, sobre uma obrigação de R$ 50.000,00, o fiador pode prestar fiança apenas sobre R$ 25.000,00.

Mas a fiança não poderá ser superior ao valor total da obrigação afiançada, exatamente porque o acessório não pode ser superior ao principal. Estabelecida fiança em valor superior ao da obrigação afiançada, ela só valerá até esse limite, sendo ineficaz no que ultrapassá-lo.

 

II.2. Fiança e obrigações nulas.

Obrigações nulas são aquelas que não reúnem as condições de validade: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e forma prescrita ou não defesa lei.

 Se a obrigação é nula, ela não produz efeito algum. Por essa razão, não poderá ser garantida por fiança. A única exceção diz respeito à capacidade do devedor.

É o que está escrito no art. 824: as obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor.

 

III. REQUISITOS PARA SER FIADOR.

Os requisitos para ser fiador encontram-se no CC, art. 825. O fiador da obrigação deve ser pessoa idônea, deve residir no município onde a fiança deve ser prestada, e possuir bens suficientes para fazer frente à obrigação. Se não for assim, o credor não estará obrigado a aceita-lo, podendo recusá-lo.

Se, no curso do contrato, o fiador vier a se tornar insolvente, ou incapaz, o credor pode exigir do devedor a sua substituição.

Nessas duas situações, não haverá garantia, seja porque o fiador não terá como pagar (pela insolvência) ou não poderá pagar (pela incapacidade), razão pela qual autoriza-se a substituição do fiador.

 

IV. FIANÇA E OUTORGA UXÓRIA.

A fiança exige, para o seu aperfeiçoamento, a outorga uxória, na forma do CC, art. 1.647, III, que é o consentimento marital, ou seja, a anuência do cônjuge.

Assim, caso o fiador seja casado, a fiança prestada deverá contar com o assentimento do seu cônjuge, sob pena de ineficácia total da garantia (STJ, súmula 332). A exceção fica por conta das pessoas casadas sob o regime de separação absoluta.

STJ, súmula 332. A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia.

Será válida a garantia, no entanto, se o fiador, embora casado, tenha feito declaração falsa, omitindo seu estado civil no ato da assinatura do contrato de fiança.

STJ, jurisprudência em tese, Direito Civil, ed. 101. 7) A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia (Súmula n. 332/STJ), salvo se o fiador emitir declaração falsa, ocultando seu estado civil de casado.

Não se exige outorga uxória no caso de conviventes em união estável, sendo válida e eficaz a garantia prestada por um dos conviventes sem o consentimento do outro.

STJ, jurisprudência em tese, Direito Civil, ed. 101. 8) A fiança prestada por fiador convivente em união estável, sem a outorga uxória do outro companheiro, não é nula, nem anulável.

A legitimidade para demandar a nulidade da fiança concedida sem a outorga uxória é exclusiva do cônjuge que a ela não consentiu (CC, art. 1.642, IV), ou dos herdeiros deste no caso do seu falecimento.

STJ, jurisprudência em tese, Direito Civil, ed. 101. 9) A nulidade da fiança só pode ser demandada pelo cônjuge que não a subscreveu ou por seus respectivos herdeiros.

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V. FIANÇA CONJUNTA.

É possível ter mais de um fiador para a mesma obrigação. É a fiança conjunta, prestada por mais de uma pessoa a um só débito. Quando isso ocorre, em regra, forma-se um vínculo de solidariedade entre os fiadores, salvo se eles expressamente declararem a reserva do benefício da divisão, conforme previsão do CC, art. 829.

Pelo benefício da divisão, que deve constar expressamente do contrato, cada fiador poderá estipular a sua quota-parte na obrigação, respondendo unicamente por ela, de forma proporcional.

Havendo fiança conjunta, o CC, art. 830 autoriza aos fiadores, entre si, estabelecerem a parte da dívida que lhe cabe a responsabilidade. Pode se estabelecer por porcentagem, por exemplo. Uma vez estabelecida a parte da dívida que cada fiador toma sob sua responsabilidade, nenhum deles poderá ser obrigado por mais. Mas isso deverá constar expressamente no contrato, salvo contrário importará na solidariedade entre eles.

 

VI. OBRIGAÇÃO DO FIADOR.

O fiador obriga-se, pela fiança, a cumprir a obrigação do afiançado, quanto este não a cumprir. Na condição de devedor subsidiário, a responsabilidade do fiador decorre do inadimplemento do afiançado.

O fiador responde pelo principal e pelos juros de mora e atualização monetária da dívida, além de eventuais perdas e danos causados pelo afiançado (CC, art. 822).

No caso de fiança prestada em locação de imóvel urbano, regida pela Lei 8.245/1991, o imóvel do fiador, mesmo que lhe seja o único, não estará protegido pela lei da impenhorabilidade (Lei 8.009/1990), estando sujeito, pois, à penhora, conforme art. 3º, VII dessa lei [A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: ... VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação].

 

VII. BENEFÍCIO DE ORDEM.

Benefício de ordem, previsto no art. 827, é o benefício concedido ao fiador, quando acionado judicialmente para pagar a dívida, de poder exigir que primeiro sejam executados os bens do afiançado-devedor. Esse benefício pode ser exercido até o oferecimento da contestação, no processo de conhecimento, ou até antes do oferecimento dos embargos, no processo de execução. 

Ao alegar o benefício de ordem no processo, o fiador deverá desde logo indicar os bens do devedor que sejam livres e desembaraçados e suficientes para garantir a dívida. Além disso, os bens devem estar no mesmo município, vale dizer, na comarca onde corre o processo.

Nesse sentido, é o CPC, art. 794:

Art. 794. O fiador, quando executado, tem o direito de exigir que primeiro sejam executados os bens do devedor situados na mesma comarca, livres e desembargados, indicando-os pormenorizadamente à penhora.

§ 1º Os bens do fiador ficarão sujeitos à execução se os do devedor, situados na mesma comarca que os seus, forem insuficientes à satisfação do direito do credor.

§ 2º O fiador que pagar a dívida poderá executar o afiançado nos autos do mesmo processo.

§ 3º O disposto no caput não se aplica se o fiador houver renunciado ao benefício de ordem.

O art. 828 retrata as situações em que o fiador não poderá se valer do benefício de ordem:

a) se renunciou expressamente ao benefício – o benefício de ordem é um direito subjetivo e pessoal do fiador e, como tal, passível de renúncia. A renúncia é um ato unilateral, que não depende da concordância de ninguém, e que produz efeito imediato. Se o fiador renunciou, expressamente, ao benefício, não poderá fazer uso dele posteriormente.

b) se se obrigou como principal pagador ou como devedor solidário – a fiança, em geral, é obrigação acessória e subsidiária, razão de existência do benefício de ordem. Todavia, se o fiador assume, no contrato, a posição de principal pagador ou de devedor solidário, ela deixa de ser subsidiária.

c) se o devedor for insolvente ou falido – a insolvência ou a falência sujeita os bens do devedor ao concurso de credores, não sendo possível, pois, indica-los como exige o parágrafo único do art. 827.

Jornada de Direito Civil IV, enunciado 364. Arts. 424 e 828: No contrato de fiança é nula a cláusula de renúncia antecipada ao benefício de ordem quando inserida em contrato de adesão.

 

VIII. SUB-ROGAÇÃO.

Sub-rogação é a transferência dos direitos do credor para aquele que solveu a obrigação ou emprestou o necessário para solvê-la. Pode-se dizer que o terceiro interessado que paga a dívida se sub-roga nos direitos do credor.

O art. 831 reconhece que o fiador, ao pagar a dívida do afiançado, se sub-roga em todos os direitos do credor. Isso significa que ele terá direito de ação contra o afiançado (pela dívida toda), e contra os cofiadores, se houver, mas este apenas no limite da quota-parte de cada um.

Havendo fiador insolvente, a parte deste será rateada entre os demais.

 

IX. RESPONSABILIDADE DO AFIANÇADO.

A responsabilidade do afiançado para com o fiador vai além do que este pagou da dívida original, mas abrange também o que este pagou ao credor a título de perdas e danos, e as perdas e danos que ele próprio sofreu com a fiança (CC, art. 832).

E, além das perda e danos, por força do CC, art. 833, o afiançado deverá pagar ao fiador, também, os juros sobre o capital desembolsado por este, na taxa estipulada na obrigação principal. Se não houver estipulação, pagará a taxa dos juros de mora, na forma do CC, art. 406.

 

X. EXONERAÇÃO DA FIANÇA.

O fiador tem o direito de se exonerar da obrigação, sempre que a fiança não tiver prazo determinado (CC, art. 835). Basta, para tanto, que notifique o credor, denunciando o contrato de fiança. Essa notificação – que pode ser judicial ou extrajudicial – produz efeito imediato, mas o fiador ficará obrigado pelos efeitos da fiança pelo prazo de 60 dias.

Mas se a fiança tiver prazo determinado não vencido, o fiador somente poderá exonerar-se, com justo motivo, através de ação judicial.

STJ, jurisprudência em tese, Direito Civil, ed. 101. 10) A retirada dos sócios-fiadores, per si, não induz à exoneração automática da fiança, impondo-se, além da comunicação da alteração do quadro societário, a formulação de pedido de exoneração das garantias mediante notificação extrajudicial ou ação judicial própria.

STJ, jurisprudência em tese, Direito Civil, ed. 101. 11) A decretação de falência do locatário, sem a denúncia da locação, nos termos do art. 119, VII, da Lei n. 11.101/2005, não altera a responsabilidade dos fiadores junto ao locador.

Jornada de Direito Civil VI, enunciado 547. Na hipótese de alteração da obrigação principal sem o consentimento do fiador, a exoneração deste é automática, não se aplicando o disposto no art. 835 do Código Civil quanto à necessidade de permanecer obrigado pelo prazo de 60 (sessenta) dias após a notificação ao credor, ou de 120 (cento e vinte) dias no caso de fiança locatícia.

 

X.1. Exoneração do fiador na locação urbana.

Nos contratos de locação de imóveis urbanos, o fiador poderá exonera-se caso o contrato esteja prorrogado por prazo indeterminado, notificando o locador, mas ficando obrigado pelo prazo de 120 dias após a notificação, conforme LI, art. 40, X:

LI, art. 40. O locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia, nos seguintes casos: [...] X – prorrogação da locação por prazo indeterminado uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador. 

O fiador poderá exonerar-se, também, se houver alteração na titularidade do contrato por conta de separação, divórcio ou dissolução de sociedade conjugal. Nesse caso, o fiador deverá notificar o locador, permanecendo responsável pelas obrigações da fiança no prazo de 120 dias contados da notificação, nos termos da LI, art. 12, § 2º:

LI, art. 12.  Em casos de separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da união estável, a locação residencial prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel. 

§ 2o  O fiador poderá exonerar-se das suas responsabilidades no prazo de 30 (trinta) dias contado do recebimento da comunicação oferecida pelo sub-rogado, ficando responsável pelos efeitos da fiança durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador. 

 

XI. A MORTE DO FIADOR E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA FIANÇA.

A fiança é um contrato personalíssimo, de sorte que, morrendo o fiador, cessa a garantia por ele prestada.

Todavia, as obrigações decorrentes da fiança prestada pelo falecido passarão aos seus herdeiros (CC, art. 836), observando-se duas questões importantes:

a) as obrigações ficam limitadas ao período de tempo decorrido até a morte do fiador, cessando com esta. Ou seja, estando em mora o afiançado, a responsabilidade do fiador vai se dar apenas pelas obrigações vencidas até o dia da sua morte.

b) as obrigações do fiador falecido transmitem-se com a herança e não podem ultrapassar as forças destas. Ou seja, a obrigação do fiador passará aos seus herdeiros apenas na medida da herança deixada, não podendo ultrapassar o seu valor. Vale lembrar que cada herdeiro responde pelas obrigações do falecido na medida do quinhão recebido, na proporção da parte que na herança lhe coube, na forma do disposto no CC, art. 1.997.

 

XII. DESOBRIGAÇÃO DO FIADOR.

Fiança é o contrato pelo qual uma pessoa se obriga pelo cumprimento de uma obrigação caso o devedor principal não a cumpra (CC, art. 818), e o CC, art. 838 traz as hipóteses em que o fiador, mesmo que solidário, ficará desobrigado da fiança, em razão de ato praticado pelo credor:

a) se, sem consentimento seu, o credor conceder moratória ao devedor (inciso I): conceder moratória, aqui, significa dilatar o prazo para o cumprimento da obrigação. Se o credor, sem consentimento do fiador, dá ao devedor mais prazo para o pagamento, além do que permite o contrato, o fiador ficará desobrigado, exonerando-se da fiança prestada.

b) se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus direitos e preferências (inciso II): o fiador tem o direito de sub-rogar-se nos direitos do credor (CC, art. 831) e se, por ato do credor, essa sub-rogação se tornar impossível, o fiador também ficará desobrigado.

c) se o credor, em pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do devedor objeto diverso do que este era obrigado a lhe dar, ainda que depois venha a perdê-lo por evicção (inciso III): a aceitação de objeto diverso implica em pagamento, que extingue a obrigação principal, extinguindo, por conseguinte, a fiança, de sorte que, em tal situação, fica desobrigado o fiador, mesmo que, posteriormente, o credor venha perder a coisa dada em pagamento por evicção.

O fiador ficará desobrigado, também, se o credor firmar acordo com o devedor, sem anuência dele (CC, art. 844, § 1º).

Mais um motivo para desobrigação do fiador está no CC, art. 839: quando for invocado o benefício de ordem previsto no art. 827 pelo fiador, e houver o retardamento da execução, caindo em insolvência o afiançado, o fiador poderá exonerar-se se provar que os bens por ele indicados eram bastantes para a garantia do juízo.

 

CONCLUSÃO.

Instituto importante que é para o mundo das relações obrigacionais, a fiança possui inúmeros detalhes que devem ser conhecidos e observados pelos operadores do direito, desde a forma como deve ser realizada, o seu alcance, as obrigações do fiador e, principalmente, as situações em que este se desobrigará ou se exonerará da garantia prestada.

Nesse pequeno ensaio, tentamos trazer, ainda que brevemente, alguns desses detalhes, na pretensão de poder ajudar a todos que, de alguma forma, vão se utilizar dela.

Sobre o autor
Fernando Augusto Sales

Advogado em São Paulo. Mestre em Direito. Professor da Universidade Paulista - UNIP, da Faculdade São Bernardo - FASB e do Complexo de Ensino Andreucci Proordem. Autor dos livros: Direito do Trabalho de A a Z, pela Editora Saraiva; Súmulas do TST comentadas, pela Editora LTr; Manual de Processo do trabalho; Novo CPC Comentado; Manual de Direito Processual Civil; Estudo comparativo do CPC de 1973 com o CPC de 2015; Comentários à Lei do Mandado de Segurança e Ética para concursos e OAB, pela Editora Rideel; Direito Ambiental Empresarial; Direito Empresarial Contemporâneo e Súmulas do STJ em Matéria Processual Civil Comentadas em Face do Novo CPC, pela editora Rumo Legal; Manual de Direito do Consumidor, Direito Digital e as relações privadas na internet, Manual da LGPD, Manual de Prática Processual Civil; Desconsideração da Personalidade Jurídica da Sociedade Limitada nas Relações de Consumo, Juizados Especiais Cíveis: comentários à legislação; Manual de Prática Processual Trabalhista e Nova Lei de Falência e Recuperação, pela editora JH Mizuno.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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