A responsabilidade do FED na crise de 2008

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A pesquisa busca analisar, de forma breve, a crise-norte americana de 2008, notadamente o contexto do seu surgimento e a atuação do Federal Reserve Bank (FED) sobre ela. Para tanto, foi utilizado como principal método a pesquisa bibliográfica.

  1. A crise norte-americana de 2008 

Em 2008, os Estados Unidos e o mundo passaram pela maior crise financeira desde a Grande Depressão. As populações de diversos países sofreram um forte impacto causado pelo estouro da bolha imobiliária, cujas consequências ainda se fazem presentes. Apenas nos Estados Unidos, o número de desempregados passou de 20 milhões para 50 milhões de pessoas no final de 2009, conforme informações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) (CECHIN; MONTOYA, 2017).  Nesse cenário de crise sistêmica, o Federal Reserve Bank (FED) destacou-se por sua negligência e irresponsabilidade.

As raízes desse colapso do sistema financeiro podem ser concebidas a partir da crise dos subprimes, ou, mais especificamente, das hipotecas de risco. A forte desregulação financeira, associada à política monetária expansionista do FED, provocaram uma forte onda de valorização dos ativos imobiliários, resultando em uma bolha especulativa.

A facilidade no acesso ao crédito hipotecário foi sucedida pela inclusão dos denominados subprimes, um segmento de agentes econômicos que, pelas normas convencionais de concessão de crédito, não teriam condições de arcar com as parcelas de seus respectivos financiamentos (BORÇA JUNIOR; TORRES FILHO, 2008, p. 295).

Ressalta-se que nos anos anteriores, o sistema financeiro internacional incorporou-se a operações financeiras securitizadas que possuíam uma relevante fragilidade por resultarem do agrupamento de vários ativos de risco.

O palco em que a crise se desenvolveu, principalmente, entre os anos de 2006 e 2008 encontra-se nas consequências da cadeia de securitização de derivativos complexos no mercado imobiliário. Essa cadeia inicia-se com os bancos, que concediam empréstimos imobiliários para pessoas que desejassem adquirir um imóvel mediante garantia de hipoteca. A grande questão é que os bancos comerciais estadunidenses não exigiam requisitos pré-definidos e criteriosos para a concessão de empréstimos imobiliários, de forma que o histórico de crédito do devedor ou a sua renda não tinham grande relevância para a autorização de empréstimos. Sendo assim, o risco de inadimplência era alto. 

A respeito dessa flexibilização na concessão dos empréstimos, há duas correntes. Por um lado, há aqueles que defendem que essa postura dos bancos é oriunda da falta de regulamentação do sistema financeiro pelo governo (CECHIN; MONTOYA, 2017). Por outro, há aqueles que acreditam que a ausência de parâmetros rígidos para a concessão de empréstimos é resultado do excesso de intervenção estatal, uma vez que os bancos eram pressionados pelo governo, que utilizava da narrativa de inclusão social das classes mais pobres, para fazerem empréstimos mais arriscados (ROQUE, 2018).

Os bancos, a fim de liquidar imediatamente os créditos oriundos de empréstimos imobiliários, os vendiam para as empresas Fannie Mae e Freddie Mac, que eram seguradas pelo governo americano. Quando essas empresas optavam por vender os títulos lastreados em hipotecas (MBS) para investidores, faziam uma espécie de “empacotamento” com outros créditos (como, por exemplo, créditos oriundos de financiamento de veículos, empréstimos estudantis e dívidas de cartão de crédito) para criar um derivativo complexo nomeado Collaterized Debt Obligation (CDO). Nesses atos, muitas vezes eram misturados bons ativos com ativos ruins, provenientes de devedores com nenhum histórico de crédito ou com baixa renda.

As agências de rating, por sua vez, avaliavam irresponsavelmente os derivativos complexos e davam classificação máxima para os CDOs arriscados, os subprimes. Sendo assim, quando bancos de investimento e outros investidores acreditavam estar comprando títulos seguros, na verdade, estavam comprando subprimes com alto risco de inadimplência.

Nesse cenário, os empréstimos imobiliários foram concedidos em larga escala, não obstante muitos devedores desses empréstimos não tivessem condições financeiras para adimplir totalmente a dívida, ao passo que muitos investidores, que partiam do pressuposto de que os títulos lastreados em hipotecas eram investimentos sólidos e de baixo risco, compravam em massa os CDOs, inclusive, os subprimes que haviam sido classificados como de baixo risco. O mercado imobiliário, portanto, cresceu sustentando-se em uma cadeia de empréstimos baseados em devedores insolventes (BRESSER-PEREIRA, 2009).

Entre 2001 e 2006, com o grande aumento nas demandas por imóveis, graças a facilidade de aquisição de empréstimos imobiliários, houve uma supervalorização dos imóveis, fazendo com que os preços aumentassem cada vez mais (CECHIN; MONTOYA, 2017). No entanto, ao longo dos anos, a política monetária americana elevou a taxa de juros para estes empréstimos. Entre 2004 e 2007, a taxa partiu de 1% para 5,25% ao ano (HERMANN, 2009). Em face disso, houve uma recessão no setor imobiliário, na medida em que houve uma diminuição na procura por imóveis e, por conseguinte, uma redução em seus preços.

A soma de todos esses fatores explicados até então levou a consequências desastrosas. Nesse contexto, as pessoas começaram cada vez mais a parar de pagar as hipotecas. Por um lado, porque, com a elevação dos juros, tornou-se impossível adimplir as hipotecas, sendo certo que muitos tomadores de empréstimo já não possuíam condições financeiras razoáveis no momento da sua concessão. Por outro, porque a redução dos valores dos imóveis fez com que a atividade especulativa não trouxesse mais lucros. Como resultado, o ciclo de valorização de ativos imobiliários foi, então, substituído por um ciclo deflacionário. 

O ponto nevrálgico de agravamento da crise financeira, contudo, deu-se com a falência, em setembro de 2008, do Banco de Investimento Lehman Brothers, após a recusa do FED em fornecer respaldo financeiro a uma possível operação de compra da instituição. O ato rompeu com a ideia de que as autoridades monetárias dos Estados Unidos fossem socorrer todas as instituições financeiras consideradas, até então, “too big to fail”. O impacto sobre a confiança dos mercados financeiros resultou em um aumento da preferência pela liquidez dos bancos, destruindo o processo de venda de ativos em grande escala e resultando na maior crise econômica desde a Grande Depressão. É neste cenário que se passa a analisar a atuação do FED. 

  1. O comportamento do Federal Reserve Bank 

Primeiramente, cabe destacar o que é o Federal Reserve Bank (FED) e quais as suas principais atribuições. Em suma, o FED é o Banco Central dos Estados Unidos, e, tem como funções (i) promover a segurança e solidez de instituições financeiras individuais; (ii) promover a estabilidade do sistema financeiro; (iii) conduzir a política monetária; (iv) promover proteção do consumidor e o desenvolvimento da sociedade; e (v) promover a segurança e eficácia do sistema de pagamento e liquidação.

São funções extremamente importantes no âmbito estrutural da economia dos Estados Unidos. O item iii, a Condução da Política monetária, é  o mais visado pelos investidores e o mais discutido quando se fala da atuação do FED durante a Crise dos Subprime, em 2008. Isto porque, nesta área de atuação, o FED tem como objetivo a maximização do emprego, a entrega de preços estáveis, e a constante busca por taxas de juros moderadas no longo prazo para a economia.

    Não existe um consenso entre qual deve ser a atuação do Banco Central diante da formação de uma bolha especulativa. Normalmente, há duas correntes: (i) uma parte de um pressuposto mais intervencionista, onde o BC deve agir durante a formação da bolha, para minimizar seus efeitos no país; e (ii) outra parte advoga para o dito benign neglect, ou negligência benigna, na tradução direta, que é a vertente que diz que o BC só deve atuar após o estouro da bolha. 

    Segundo Michael D. Bordo e Olivier Jeanne na obra Boom-Busts in Asset Prices, Economic Instability, and Monetary Policy de maio de 2002 (BORDO; JEANNE, 2002), momento que precede a crise em questão, a visão dominante entre os Bancos Centrais é a do benign neglect de forma que a estabilidade dos preços garantiria a estabilidade financeira. Desta forma, o BC não deveria se preocupar com o preço dos ativos (que serão voláteis), tendo em vista que é impossível o Banco Central saber da existência de uma bolha antes do mercado, e que se o mercado tomasse conhecimento dessa bolha, ele a corrigiria de imediato.

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    A atuação do Federal Reserve, nos anos antes da Crise Imobiliária de 2008, aponta um comportamento de benign neglect, explicado anteriormente. Importante ressaltar, também, a política monetária expansionista mantida pelo FED a partir de 2001, que foi um enorme propulsor para o desencadeamento da crise. 

    Com a adoção dessa política, a taxa básica de juros estava bem abaixo da praticada nas décadas anteriores, o que desencadeou uma enorme procura pelo mercado imobiliário, que estava em constante crescimento. Porém, ao longo dos anos as taxas de juros aumentaram, e a inadimplência cresceu.

Quando as taxas de juros de curto prazo subiram e voltaram aos níveis que eram usuais em períodos anteriores, a demanda por imóveis começou a declinar, o que foi reduzindo acentuadamente os preços e a contratação de novas construções; O resultado foi o aumento das taxas de default e a quebra no mercado subprime e de seus derivados (OLIVIA; FERRARA; CUNHA, CARVALHO, 2011).

    Durante a Crise Imobiliária, o FED atuou como “emprestador de última instância” onde forneceu créditos a bancos que, devido a crise, não encontram liquidez no mercado. Como é responsável pela estabilidade do sistema bancário como um todo, o FED se sentiu no dever de emprestar, também, para bancos insolventes, instituições não bancárias, como seguradoras e bancos de investimento, principalmente após a quebra do Lehman Brothers. Entretanto, o FED não possuía formas de verificar quais garantias desses bancos eram boas ou não, devido ao abalo da precificação dos mercados de títulos.

    O não resgate ao Lehman Brothers, por parte do FED, é uma incógnita, tendo em vista que foi uma decisão que exacerbou os efeitos da crise. A justificativa do FED foi de que o banco foi incapaz de apresentar o nível mínimo de garantias, embora também não soubessem se esse parâmetro era cumprido pelos demais bancos.

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Crise e recuperação da confiança. Revista de Economia Política, [S. l.] vol. 29, nº 1, p. 133-144, jan. 2009.

BORÇA JÚNIOR, G. R.; TORRES FILHO, E. T. Analisando a crise do subprime. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 15, n. 30, p. 295, 2008.

BORDO, Michael; JEANNE, Olivier. Monetary Policy And Asset Prices: Does 'Benign Neglect' Make Sense?. International Finance, v5 (2,Summer), dez. 2002.

CECHIN, Alícia; MONTOYA, Marco Antônio. Origem, causas e impactos da crise financeira de 2008. Teoria e Evidência Econômica, Ano 23, n. 48, p. 150-171. , jan. 2017

HERMANN Jennifer.  Da liberalização à crise financeira norte-americana: a morte anunciada chega ao Paraíso. Revista de Economia Política, [S. l.] vol. 29, nº 1 (113), jan. 2009.

ROQUE, Leandro. Como ocorreu a crise financeira americana. Mises Brasil. [S. l.], 2018.

BULLIO, Olívia; FERRARA, Daniel Nicolau; CUNHA, Patrícia; CARVALHO, Carlos Eduardo. A atuação do Fed antes e depois da bolha imobiliária: discricionariedade e mandato de bancos centrais em contexto de desregulamentação financeira. Econ. soc.,  Campinas, v. 20, n. 2, p. 329-364,  Ago. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-06182011000200005&lng=en&nrm=iso>

Sobre os autores
Carolina Cotta Barbosa de Sá Alvarenga

Graduanda em Direito e Pesquisadora pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Estagiária no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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