O Judiciário e a Recuperação Judicial para Associações e Cooperativas

25/09/2020 às 13:53
Leia nesta página:

Tradicionalmente a Lei de Recuperação de Empresa e Falência é aplicável apenas aos empresários individuais e sociedades empresárias, mas o judiciário está revendo isso e dando essa possibilidade a associações e cooperativas.

Tradicionalmente a Lei de Recuperação de Empresa e Falência é aplicável apenas aos empresários individuais e sociedades empresárias. Leia-se: empresários individuais, sociedades empresárias e Eireli – empresas individuais de responsabilidade que exerçam atividades empresárias.

Isso ocorre no sistema brasileiro, pois adotamos duas espécies de tratamento da insolvência. Um para os empresários (recuperação de empresas e falências); e outro destinado aos não empresários (insolvência civil, que não prevê a possibilidade de recuperação). “Isso nos diferencia do direito americano, alemão, português, entre outros, já que nestes países o tratamento desta matéria é único, pois todas as pessoas estão sujeitas ao mesmo regramento, havendo apenas alguns benefícios ou normas específicas para determinados sujeitos”, explica Andrea Salles, sócia da MSA Advogados.

E até pouco tempo, os tribunais eram bastante criteriosos na análise da legitimidade para os pedidos de recuperação judicial, possibilitando o acesso a este favor legal apenas para os empresários, como consta no art. 1º da Lei nº 11.101/2005.

Diante da crise dos últimos anos e, em especial, após a pandemia, alguns produtores rurais e cooperativas começaram a pleitear recuperação judicial, que acabaram sendo deferidas pelos tribunais. O mesmo aconteceu com uma associação tradicional carioca, entre outras recuperações judiciais que estão sendo deferidas pelos tribunais brasileiros.

Em relação aos produtores rurais, a jurisprudência firmou entendimento de que é possível o deferimento da recuperação judicial, desde que haja registro na junta comercial e tenha atividade regular há mais de 2 anos (art. 48, Lei nº 11.101/2005).

O nosso Código Civil permite a opção aos empresários rurais entre o sistema civil e empresarial, bastando o registro na junta comercial para que haja equiparação aos empresários. Quanto ao prazo de 2 anos de registro prévio para o pedido, o entendimento foi de que não é necessária a migração do regime há mais de 2 anos, se o ruralista desempenhar sua atividade regularmente por este período (STJ – Resp: 1800032 MT 2019/0050498-5, Relator: Ministro Marco Buzzi, Data de Publicação: DJe 10/02/2020).

“No caso das cooperativas, sempre houve discussão quanto ao tratamento não empresarial a elas destinado, uma vez que existem grandes estruturas neste formato no Brasil. Acontece que a própria legislação dá tratamento civil às cooperativas (art. 982, CC/2002), o que afastaria a possibilidade de pedido recuperacional. Apesar disso, algumas cooperativas obtiveram deferimento de recuperação judicial, inclusive cooperativas de plano de saúde (Processo judicial nº 0812229-78.2020.8.15.2001. Requerente: Unimed Norte Nordeste – Federação Interfederativa das Sociedade Cooperativas de Trabalho Médico)”, esclarece Andrea.

Especificamente sobre as cooperativas de plano de saúde, além da sua natureza civil, ainda foi superado um outro grande obstáculo: é uma atividade regulada pela Agência Nacional de Saúde (ANS), que possui a função de promover o regime especial, para tentativa de reestruturação dos seus supervisionados.

As associações, por sua vez, são estruturas sem fins lucrativos e de natureza civil, o que as torna ainda mais distantes dos empresários, pois seu modo de operação está destinado apenas ao cumprimento da atividade e não havendo a busca pelo lucro. Apesar disso, houve o deferimento da recuperação judicial da Universidade Cândido Mendes no Rio de Janeiro, confirmado pelo Tribunal Carioca (Processo Judicial nº 0093754-90.2020.8.19.0001 – Requerente: Associação Sociedade Brasileira de Instrução).

Esse fenômeno demonstra o alargamento da legitimidade para pedir recuperação judicial, ou seja, o aumento de pessoas que podem pleitear esse favor legal. E esse movimento está do Judiciário, que vem percebendo e ratificando que o sistema atual é insuficiente para tratar das questões de crise financeira das atividades econômicas em geral.

“Tal mudança é muito bem-vinda. Inclusive, apesar de algumas questões tratadas ainda não terem sido analisadas pelos Tribunais Superiores, deve ser um caminho sem volta, já que as recuperações estão sendo processadas, as dívidas suspensas e os efeitos sobre os interessados se confirmando no tempo”, diz a sócia da MSA Advogados.

Enquanto o legislador não traz uma norma de unificação do sistema de recuperação e falência para todas as pessoas, o Judiciário precisa estar atento ao movimento econômico, possibilitando que outras pessoas possam utilizar dos benefícios da lei recuperacional.

Sobre o autor
Alexandre Archanjo

Jornalista e RP, trabalhando com comunicação há mais de 30 anos. Atualmente, sou responsável pela área de comunicação da MSA Advogados (www.msaonline.adv.br).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos