RESUMO
Na presente pesquisa serão abordados princípios norteadores do Direito de Família, conceito e origem de poliamor e seus modelos. Serão feitas considerações sobre a monogamia como valor e não como princípio. Veremos como o Estado deve se portar em relação a entidades familiares diversas. Também será abordado como integrantes do poliamor poderiam fazer parte da ordem de vocação hereditária no Direito Sucessório.
ABSTRACT
In this research, guiding principles of Family Law, concept and origin of polyamory and its models will be addressed. Considerations will be made about monogamy as a value and not as a principle. We will see how the State should behave in relation to different family entities. It will see how members of the polyamory could be part of the order of hereditary vocation in Succession Law.
SUMÁRIO
- INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9
- DIREITO DE FAMÍLIA .......................................................................................9
2.1. Conceito de Família ..............................................................................................9
2.2. Princípios gerais e especiais do Direito de Família .............................................10
2.3. Princípio da afetividade e consideração sobre a monogamia ..............................13
2.4. Intervenção mínima do Estado nas relações familiares .......................................15
3- POLIAMOR..........................................................................................................16
3.1. Conceito e origem do Poliamor...........................................................................16
3.2. Características e Modelos de relações de poliamor..............................................17
3.3. Liberdade nas relações familiares........................................................................18
3.4. Pluralismo das entidades familiares....................................................................19
4- DIREITO SUCESSÓRIO .....................................................................................20
4.1. Conceito..............................................................................................................20
4.2. Uma nova ordem de vocação hereditária ............................................................20
4.3. Efeitos jurídicos possíveis na sucessão oriundos do Poliamor ............................22
5-CONCLUSÃO .......................................................................................................24
6- REFERÊNCIAS ....................................................................................................25
- INTRODUÇÃO
No presente artigo analisaremos a família sob a ótica de uma nova formação, que apesar de não ser recente, ainda confunde muitos juristas e estudiosos, até a sociedade em si é tomada por dúvidas, como uma família composta por 3 ou mais pessoas, sendo todas elas parceiras emocionais e sexuais, se comportariam diante de um cenário de sucessão?
Ainda não possuimos essa previsão em nosso ordenamento, porém, com os pontos levantados nesse estudo veremos que facilmente poderemos sugerir soluções, com as normas já existentes a casos de poliamor.
- DIREITO DE FAMÍLIA
2.1. Conceito de Família
É curioso pensar que, em um passado não tão distante, família só era entendida e reconhecida na sociedade como o pai, sendo um homem, a mãe, uma mulher e os filhos biológicos desse casal.
Para a antropologia, por exemplo, família é definido pelas relações sexuais entre as partes envolvidas, para a história e a sociologia, família é um conjuto de pessoas que coabitam sobre o mesmo teto, porém, no direito, como explicita muito bem Fábio Ulhoa Coelho (2012), o conceito de família é definido pelas relações jurídicas possíveis entre aqueles individuos, que podem ser separadas em relações horizontais, amplamente entendidas como toda relação adulta entre pessoas, que não sejam irmãs, e, relações verticais, que envolvem ascendentes e descentendes de tais indivíduos.
Em um outro sentido, escrevem Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2013, pg 38):
A família é, sem sombra de dúvidas, o elemento propulsor de nossas maiores felicidades e, ao mesmo tempo, é na sua ambiência em que vivenciamos as nossas maiores angústias, frustrações, traumas e medos.
E, ainda, Maria Berenice Dias (2013, pg 42) ressalta a família pós-moderna, de que forma que:
É necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar o elemento que permite enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, independentemente de sua conformação. O desafio dos dias de hoje é achar o toque identificador das estruturas interpessoais que autorize nominá-la como família. Esse referencial só pode ser identificado no vínculo que une seus integrantes.
Como podemos perceber, o conceito de família é muito abrangente, sendo um dos ramos mais propícios a mudanças e transformações, não sendo possível apresentar um único conceito preciso, além da família ser um instituto que se monta e remonta com o passar dos anos e desenvolvimento da sociedade, o que podemos identificar é que família é revestido de significados sociais, jurídicos e psicológicos, em belo português, não é tão simples assim.
2.2. Princípios gerais e especiais do Direito de Família
Na gama de um Estado Democrático de Direito, que além de se basear em costumes e legislação, os princípios fazem parte desse parâmetro para verificar validade de normas. Contudo, seria impossível trabalharmos todos os princípios oriundos do Direito de Família, então usaremos como principal base, um esquema escalonado, que Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho diagramaram com maestria em seu Curso de Direito de Família, separando os princípios em gerais, os quais são dignidade da pessoa humana, igualdade e vedação ao retrocesso, já os princípios especiais, escolhemos trabalhar com a solidariedade familiar, afetividade e intervenção mínima do Estado, cujos dois últimos trabalharemos em subtópicos separados, devido a sua importância ao nosso tema em discussão.
Primeiramente trabalharemos os princípios gerais, que são aplicáveis ao Direito de Família. Iniciaremos com um dos mais importantes, e que teceremos um pouco mais de tempo, que é o princípio da dignidade da pessoa humana.
Se ficarmos presos a definição dicionarista de dignidade, “qualidade de quem ou daquilo que é digno” não atingiremos a real profundidade, com dimensão objetiva e metaindividual que esse princípio tem a nos oferecer, assim preceitua Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2013, pg 76):
“...que a noção jurídica de dignidade traduz um valor fundamental de respeito à existência humana, segundo as suas possibilidades e expectativas, patrimoniais e afetivas, indispensáveis à sua realização pessoal e à busca da felicidade.”
Ressaltamos ainda que tal princípio é constitucional, vem disposto na Carta Magna, em seu artigo 1º, III, que dispõe:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Fedederal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III – a dignidade da pessoa humana.”
Para ilustrarmos mais um ponto de vista, segue a lição de Guilherme Calmon Nogueira Gama (2008, pg 70):
A noção de dignidade da pessoa humana envolve o núcleo existencial que é essencialmente comum a todos os seres humanos como pertencentes ao gênero humano, impondo, no que tange à dimensão pessoal da dignidade , um dever geral de respeito, de proteção e de intocabilidade, não sendo admissível qualquer comportamento ou atividade que “confisque” a pessoa humana (...). Na esfera da entidade familiar, incumbe a todos os seus integrantes promover o respeito e a igual consideração de todos os demais familiares, de modo a propiciar uma existência digna para todos e de vida em comunhão de cada familiar com os demais.
Assim, podemos elucidar que quando o Estado reconhece o poliamor, ele reconhece e prove o mínimo existencial para seus praticantes, sendo assegurado o respeito para que essa entidade seja inserida na sociedade, da forma como é relacionada.
Nesse contexto, Maria Berenice Dias (2013, pg 66), com brilhantismo afirma que:
O direito das famílias está umbilicalmente ligado aos direitos humanos, que têm por base o princípio da dignidade da pessoa humana, versão axiológica da natureza humana. O princípio da dignidade humana significa, em última análise, igual dignidade para todas as entidades familiares. Assim, é indigno dar tratamento diferenciado às várias formas de filiação ou aos vários tipos de constituição de família, com o que se consegue visualizar a dimensão do espectro desse princípio, que tem contornos cada vez mais amplos.
Podemos entender então que, o princípio da dignidade da pessoa humana deve garantir o respeito não só ao indivíduo como ser único, mas principalmente no seu âmbito pessoal, com as relações sociais.
Seguindo nossa linha de raciocínio, falaremos do princípio da igualdade, outro princípio constitucional. Observando tal princípio voltado ao Direito de Família podemos ver que ele sempre foi bem aplicado durante os anos, garantindo a igualdade entre homens e mulheres, entre filhos biológicos e afetivos e entre entidades familiares homoafetivas.
Tal princípio possui duas dimensões, uma formal e uma material, como explica Luis Roberto Barroso (2011, pg 120):
A igualdade formal, que está na origem histórica liberal do princípio, impede a hierarquização entre pessoas, vedando a instituição de privilégios ou vantagens que não possam ser republicanamente justificadas. Todos os indivíduos são dotados de igual valor e dignidade. O Estado, portanto, deve agir de maneira impessoal, sem selecionar indevidamente a quem beneficiar ou prejudicar. A igualdade material, por sua vez, envolve aspectos mais complexos e ideológicos, de vez que é associada à ideia de justiça distributiva e social: não basta equiparar as pessoas na lei ou perante a lei, sendo necessário equipará-las, também, perante a vida, ainda que minimamente.
Podemos facilmente encaixar o poliamor à igualdade formal.
Para fechar os princípios gerais aplicados ao direito de família, falaremos da vedação ao retrocesso, que como o próprio nome diz, impossibilita a diminuição ou eliminação de direitos já conquistados .
Seguindo para os princípios especiais, trabalharemos brevemente nesse tópico a solidariedade familiar, que concretiza uma especial forma de responsabilidade social aplicada à relação familiar, culminada pelo amparo, assistência moral e material recíprocas entre todos os familiares.
2.3. Princípio da afetividade e consideração sobre a monogamia
Não é nossa intenção definir amor nessa pesquisa, deixemos esse trabalho para os filósofos e poetas, que a fazem com maestria, aqui, trataremos da afetividade como princípio, que é importante para nos diferenciar uma entidade familiar de outra organização social não familiar, não tem que se falar de família sem afeto. Contudo é inegável que o amor no sentido afetivo tem uma força propulsora e essencial na base de qualquer relacionamento.
Como podemos perceber, o afeto é o princípio mais importante para os integrantes do poliamor, que significa que muitos conceitos da relação poliamorosa devem ser analisados sob a ótica da afetividade e da confiaça, não tendo nenhum fator para não aceitar tal princípio como inerente ao Direito de Família.
Ressaltamos que nessa pesquisa não identificaremos a monogamia como princípio, como fazem alguns autores como Maria Helena Diniz e Caio Mário da Silva Pereira, pois se assim fosse, ela se restringiria apenas ao casamento como instituto, acarretando assim o dever da fidelidade recíproca. Alguns autores, como Elpídio Donizetti e Felipe Quintella (2013, pg 910), restringem a monogamia como princípio apenas ao casamento:
(...) o princípio constitucional vigente é o da pluralidade dos modelos de família e não há, no ordenamento, norma acerca da monogamia no tocante a uniões estáveis ou a relacionamentos eventuais. Conforme asseverado, trata-se, muito mais, de uma questão cultural, influenciada por algumas religiões e pela moral. Por essa razão, não pode o Direito discriminar comportamentos sexuais não monogâmicos, ante a necessidade de proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e à proibição da discriminação (art. 3º, IV, da CF). Afinal, deve haver coerência jurídica. Não se pode, por um fundamento cultural – e não jurídico – negar reconhecimento a padrões de comportamento diversos do mais comum (...).
Nesse sentido, destaca-se Maria Berenice Dias (2013, pg 63), quando diz:
Uma ressalva merece ser feita com relação à monogamia. Não se trata de um princípio do direito estatal de família, mas sim de uma regra restrita à proibição de múltiplas relações matrimonializadas, constituídas sob chancela do Estado. Ainda que a lei recrimine de diversas formas quem descumpre o dever de fidelidade, não há como considerar a monogamia como princípio constitucional, até porque a Constituição não a contempla. Ao contrário, tanto tolera a traição que não permite que os filhos se sujeitem a qualquer discriminação, mesmo quando se trata de prole nascida de relações adulterinas ou incestuosas.
E, a mesma autora, assevera ainda (2013, pg 64):
Pretender elevar a monogamia ao status de princípio constitucional autoriza que se chegue a resultados desastrosos. Por exemplo, quando há simultaneidade de relações, simplesmente deixar de emprestar efeitos jurídicos a um ou, pior, a ambos os relacionamentos, sob o fundamento de que foi ferido o dogma da monogamia, acaba permitindo o enriquecimento ilícito exatamente do parceiro infiel. Resta ele com a totalidade do patrimônio e sem qualquer responsabilidade para com o outro. Essa solução, que vem sendo apontada pela doutrina e aceita pela jurisprudência, afasta-se do dogma maior de respeito à dignidade da pessoa humana, além de chegar a um resultado de absoluta afronta ética.
Portanto, entende-se que a monogamia é uma identidade relacional que estabelece certas regras de convivência entre membros de um relacionamento íntimo, sexual e ou amoroso, possuindo como peça chave a exclusividade afetiva e sexual dos parceiros dessa relação.
2.4. Intervenção mínima do Estado nas relações familiares
O Direito das Famílias integra o direito privado, sendo assim, o Estado tem pouca intervenção em suas particularidades, imagine bem, o Estado determinar com quem você pode se casar, salvo as exceções legais previstas, ou, melhor exemplo, o Estado dizer que você não pode se divorciar, nem ter filhos, assim salienta, Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenvald (2013), que “(...) toda e qualquer ingerência estatal somente será legítima e justificável quando tiver como fundamento a proteção dos sujeitos de direito, notadamente daqueles vulneráveis, como a criança e o adolescente, bem como a pessoa idosa (...)”.
Compreende-se que tal princípio, consagrado pelo Código Civil, através do artigo 1513, que salienta ser proibido a qualquer pessoa de Direito Público ou de Direito Privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família, da intervenção mínima do Estado é a tradução da projeção da autonomia privada.
Sobre o tema, Leonardo Barreto Moreira Alves (2010, pg 157) diz:
Nota-se que este dispositivo chama a atenção para o fato de que não só o Estado, mas qualquer pessoa, seja de direito público ou privado, está impedida de interferir na comunhão de vida instituída pela família. A proteção à privacidade familiar, portanto, é máxima, somente comportando exceções se a intervenção for feita pelo Estado, em tutela aos direitos fundamentais dos participantes da família e desde que expressamente prevista em lei. Do contrário, a liberdade afetiva ou, em outros termos, a comunhão plena de vida deve prevalecer (...).
Explana ainda, Leonardo Alves (2010, pg 154):
Em verdade, o Estado somente deve interferir no âmbito familiar para efetivar a promoção dos direitos fundamentais dos seus membros – como a dignidade, a igualdade, a liberdade, a solidariedade etc.-, e, contornando determinadas distorções, permitir o próprio exercício da autonomia privada dos mesmos, o desenvolvimento da sua personalidade e o alcance da felicidade pessoal de cada um deles, bem como a manutenção do núcleo afetivo. Em outras palavras, o Estado apenas deve utilizar-se do Direito de Família quando essa atividade implicar uma autêntica melhora na situação dos componentes da família.
Isso significa que os membros das famílias podem desenvolver livremente, seus projetos de vida familiar, sendo ilegítima a intervenção do Estado quando a relação familiar é travada por pessoas livres e iguais.
3-POLIAMOR
3.1 Conceito e origem do Poliamor
Poliamor é um relacionamento simultâneo entre 3 ou mais pessoas, tendo todas elas conhecimento, já que tal prática é baseada na poligamia, ou não monogamia.
A origem correta e inicial é difícil de mensurar, tendo em vista que as pessoas se relacionam de forma não monogâmica há muitos anos, Gley P. Costa (2007, pg 29) cita como exemplo:
(...) no reinado do imperador da França Luís, o Piedoso (814-840), a Igreja inseriu na realidade social a proibição do divórcio, institucionalizando uma situação intolerável, em especial, aos nobres, que praticavam a poligamia de forma corriqueira, principalmente em virtude de os casamentos serem realizados conforme preferências e interesses familiares.”
Contudo, a origem do poliamor como identidade relacional é uma construção de certa forma recente, realizada em torno de 1990, surgindo de movimentos sociais, onde a pessoa era livre para amar e manter relações sexuais com mais de uma pessoa ao mesmo tempo, tendo comunicação mútua acerca de tais escolhas.
3.2 Características e Modelos de relações de poliamor
Passemos então para a análise das caractéristicas do poliamor, os quais devem possuir para sua existência, são elas:
- a não exclusividade amorosa e sexual
- a autonomia das pessoas
- a transparência e a honestidade no trato com seus parceiros
- a valorização da intimidade, carinho, igualdade e comunicação
Ressalta-se que, para que um relacionamento de poliamor funcione é necessária a extrema honestidade entre seus parceiros, não havendo espaço para enganações e mentiras, pois, as relações paralelas decorrentes de traição não são compreendidas como relações poliamorosas.
No poliamor todos os integrantes tem ciência de tudo e se sentem confortáveis com isso, sempre tendo espaço para conversas e negociações de como proceder caso algo não esteja bem, já que se trata de um relacionamento colaborista.
Passemos ao estudo dos modelos de poliamor, como já dito antes nessa pesquisa, não há limitações no número de pessoas que podem compor essa relação, sendo a partir de 3, portanto, o número de modelos também é ilimitado. Não iremos padronizar todos os comportamentos poliamorosos, citaremos de forma genérica, de acordo com Daniel dos Santos Cardoso (2010), em sua dissertação para a Universidade de Lisboa, os principais modelos são:
- Polifidelidade, que é o mais conhecido, se tratando de uma espécie de “casamento” entre mais de duas pessoas, onde todos se relacionam amorosamente e sexualmente apenas com o grupo fechado, sem se envolver com pessoas de “fora”.
- Poliamorismo aberto, aqui os integrantes admitem a existência de outros parceiros e relacionamentos, de diversas intensidades. Esse caso é o mais complicado juridicamente para a formação de uma decisão, pois seriam definidas famílias originárias e derivadas.
- Poliamorismo com redes de relacionamentos íntimos hierarquizados, tal modelo se assemelha muito ao anterior, portanto se difere na hierarquização, como o próprio nome diz, aqui temos relações primárias, secundárias, terciárias, que podem variar de acordo com o compromiso assumido, a proximidade e a intimidade.
- Poliamorismo individual, em suma, o indivíduo vive diversos relacionamentos sem um compromisso principal com nenhum, ou seja, a pessoa não busca parceiros para viver relacionamentos a longo prazo.
3.3. Liberdade nas relações familiares
Seguindo o mesmo racicínio do princípio da intervenção mínima do Estado nas relações familiares, Luís Roberto Barroso (2011, pg 123-124) leciona:
Duas concepções de liberdade se contrapõem historicamente. No sentido aristotélico, ela traduz o poder de autodeterminação, de deliberação sem interferências externas. Liberdade, assim, é um ato de decisão e escolha entre várias alternativas possíveis. Na concepção oposta, a liberdade não é um ato de escolha do indivíduo, mas o produto de um contexto externo a ele, seja a natureza ou uma infraestrutura econômica. É preciso que a realidade concreta lhe dê condições para ser livre. Modernamente, uma terceira concepção tem prevalecido, reunindo elementos de uma e de outra. A liberdade, efetividade, tem um conteúdo nuclear que se situa no poder de decisão, de escolha entre diversas possibilidades. Mas tais escolhas são condicionadas pelas circunstâncias naturais, psíquicas, culturais, econômicas e históricas. Portanto, trata-se de uma capacidade que não é apenas subjetiva, mas consiste na possibilidade objetiva de decidir.
Portanto, entende-se que o Estado não pode impossibilitar que os indivíduos exercam a sua liberdade, se entenderem que sua felicidade e personalidade serão melhor evoluídas através da prática do poliamor.
Mestre Rafael da Silva Santiago (2015, pg 166), com excelência assevera que:
O raciocínio é simples: a Constituição assegura a liberdade nas relações familiares, conferindo aos indivíduos o poder de escolha acerca do modelo de constituição de suas famílias, respeitando sua autonomia e sua autodeterminação afetiva. Destarte, em atenção a essa liberdade, cabe ao Estado reconhecer o poliamorismo, uma identidade relacional digna e compatível com a Constituição, capaz de dar origem a famílias que exercem muito bem o seu papel de instrumento voltado à promoção da dignidade e da personalidade de seus integrantes.
Entende-se assim, que o não reconhecimento da liberdade dos indivíduos de praticar o poliamor é inconstitucional, sendo necessário garantir a escolha do projeto de vida dessas pessoas, que só será efetivo realmente com o reconhecimento jurídico.
3.4 Pluralismo das entidades familiares
Tivemos uma nova visão de entidade familiar com a Constituição de 1988, deixando no passado a configuração de que só o casamento era constituidor de uma família, admitindo assim a realidade de novas configurações, como a união estável por exemplo.
Nesse sentido, Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenvald (2013, pg 88), estabelecem que:
De fato, o legislador constituinte apenas normatizou o que já representava a realidade de milhares de famílias brasileiras, reconhecendo que a família é um fato natural e o casamento uma solenidade, uma convenção social, adaptando, assim, o Direito aos anseios e às necessidades da sociedade. Assim, passou a receber proteção estatal, como reza o art. 226 da Constituição Federal, não somente a família originada através do casamento, bem como qualquer outra manifestação afetiva (...).
Nessa toada, Maria Berenice Dias (2013, pg 39) assevera que:
A vastidão de mudanças das estruturas políticas, econômicas e sociais produziu reflexos nas relações jurídico-familiares. Ainda que continue a família a ser essencial para a própria existência da sociedade e do Estado, houve uma completa reformulação do seu conceito. Os ideais do pluralismo, solidarismo, democracia, igualdade, liberdade e humanismo voltaram-se à proteção da pessoa humana. A família adquiriu função instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes. Nesse contexto de extrema mobilidade das configurações familiares, novas formas de convívio vêm sendo improvisadas em torno da necessidade – que não se alterou – de criar filhos, frutos de uniões amorosas temporárias que nenhuma lei, de Deus ou dos homens, consegue mais obrigar a que se eternizem.
Nota-se que as famílias deixaram de ser vistas apenas como núcleos reprodutivos e econômicos, para serem entendidas compreendidas também como núcleo socioafetivo de ajuda mútua.
4-DIREITO SUCESSÓRIO
4.1 Conceito
A expressão “sucessão” significa vir depois, em seguida, isso em sentido amplo, no sentido jurídico, sucessor é a pessoa que toma o lugar de outra, tanto por causa de ato entre vivos ou por ato decorrente do falecimento do outro, assim ensina Silvio de Salvo Venosa (ano, pg 17) que:
Quando se fala, na ciência jurídica, em direito das sucessões, está se tratando de um campo específico do direito civil: a transmissão de bens, direitos e obrigações em razão da morte. É o direito hereditário, que se distingue do sentido lato da palavra sucessão, que se aplica também à sucessão entre vivos.
4.2 Uma nova ordem de vocação hereditária
A ordem de vocação hereditária estabelece quais herdeiros irão receber a herença e em qual ordem, obedencendo as regras da sucessão legítima. Esta ordem, é preferencial e excludente, recebendo os herdeiros da primeira classe, nada receberão os das demais classes.
Consta em nosso Código Civil, no artigo 1829, a seguinte ordem de vocação:
Art. 1829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I-aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou separação obrigatória de bens (art.1640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II-aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III-ao cônjuge sobrevivente;
IV-aos colaterais.
Podemos notar que os companheiros de união estável não estão encaixados nesse rol de herdeiros legítimos, apesar de serem, eles vem retratados no mesmo código no artigo 1790:
Art. 1790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I-se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II-se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III-se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV-não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Com base em tais normas legais, assevera o Mestre Cristiano Pereira Moraes Garcia (2012, pg 35) que:
A colocação do artigo 1790 nesse capítulo se mostra equivocada, já que é regra que deveria estar inserida no próprio artigo 1829 do Código Civil, na ordem de vocação hereditária. Não obstante esta imperfeição técnica do legislador, entendemos que o estudo da ordem de vocação hereditária deve levar em consideração dois dispositivos-base, quais sejam os arts. 1829 e 1790, que se complementam.
Com esse parâmetro, baseado em tudo que já foi exposto nessa pesquisa, não é errôneo supor que, apesar de não existir norma legal que se remete especificamente ao relacionamento poliamoroso na sucessão, este pode ser observado e normatizado de acordo com o existente, sendo cada integrante do relacionamento de poliamor cônjuge, se casado for, e os demais companheiros, podendo participar da sucessão em sua cota parte determinada.
4.3 Efeitos jurídicos possíveis oriundos do Poliamor
Maria Berenice Dias (2013, pg 54), ao tratar da polifidelidade insere a definição dos efeitos decorrentes da natureza familiar do poliamor:
Eventual rejeição de ordem moral ou religiosa à dupla conjugalidade não pode gerar proveito indevido ou enriquecimento injustificável de um ou de mais de um frente aos outros partícipes da união. Negar a existência de famílias poliafetivas como entidade familiar é simplesmente impor a exclusão de todos os direitos no âmbito do direito das famílias e sucessório. Pelo jeito, nenhum de seus integrantes poderia receber alimentos, herdar, ter participação sobre os bens adquiridos em comum. Nem seria sequer possível invocar o direito societário como o reconhecimento de uma sociedade de fato, partilhando-se os bens adquiridos na sua constância, mediante a prova da participação efetiva na constituição do acervo patrimonial.
Sendo assim, sob pena de se excluir direitos fundamentais de forma indevida e injustificável, atentando contra o Estado Democrático de Direito, contra a dignidade de seus integrantes, todos os efeitos dos Direitos das Familias, Sucessões, Previdenciário, etc são aplicáveis às uniões poliamorosas.
No especial tema levantado nessa pesquisa, explana brilhantemente Rafael da Silva Santiago (2015, pg 218-219):
Pode-se questionar acerca de situações nas quais os bens a serem eventualmente partilhados sejam suficientes para a garantia da dignidade de todos os envolvidos nas relações de poliamor. É possível, por exemplo, que cinco poliamorosos formem uma união estável regulada, na sua esfera patrimonial, pelo regime de comunhão parcial dos bens (nos termos do art. 1725 do Código Civil), mas, quando da sua dissolução, o único bem a ser partilhado era um pequeno apartamento, insuficiente para garantir uma vida digna a todos os envolvidos. Nesses casos, respeitando a dignidade da pessoa humana e a solidariedade, o Estado, em conduta que deve se estender a todos os arranjos familiares que passem por situação semelhante, deve concretizar não só a priorização do indivíduo, mas também a especial proteção à família, prevista no caput do art. 226 da Constituição, assegurando auxílio material aos integrantes dessa entidade familiar dissolvida até que eles consigam o mínimo economicamente necessário para prover sua vida com dignidade.
Vale ressaltar que os efeitos gerados do poliamor, tem grande importância em sua idenficação. Quando a relação poliamorosa originar várias famílias derivadas, mesmo que os membros da família originária não tenham contato com os membros das famílias derivadas de seus parceiros, é possível que os efeitos de uma família repercutam na outra, o que tornaria mais difícil a partilha do patrimônio, por exemplo, porém não impossível.
Nessas hipóteses, o magistrado analisará os fatos, cabendo as partes o ônus de trazer ao processo o maior número de provas possíveis para seu convencimento. Cabe ao integrantes do poliamor esse ônus, tendo em vista se tratar de causa exepcional.
Nesse sentido, enfatisa Rafael da Silva Santiago, (2015, pg 220):
Certo é que, ao julgar uma causa que envolva o poliamor, o magistrado deve estar atento à dignidade da pessoa humana e à igualdade, garantindo, no que for possível, a plena fruição de direitos fundamentais, sendo guiado, sobretudo, pelo princípio da proporcionalidade, no sentido de proferir uma solução justa e razoável para todos os envolvidos, que respeite sua condição de fragilidade social em virtude da prática de uma identidade relacional que não conta com um grande número de adeptos na sociedade.
5-CONCLUSÃO
Concluimos portanto, que, a organização familiar do poliamor tem direito a participação na sucessão de seus parceiros, pautada em princípios muito importantes em nosso ordenamento jurídico, como a dignidade da pessoa humana e a igualdade. Os magistrados ao analisarem casos que envolvam poliamor devem sempre prezar pelo bem estar de todos os seus membros, se assegurando de provas da existência das relações derivadas para prolatar uma sentença.
Entendemos ainda que os integrantes das famílias aqui chamadas de derivadas podem usufruir da participação do Direito Sucessório como companheiros de união estável, e os integrantes das famílias originárias, se casados forem, usufruirão tal qual os cônjuges, tendo total participação na ordem de vocação hereditária, conforme artigos 1790 e 1829, ambos do Código Civil Brasileiro.
Por fim, salienta-se que, sabemos que tal entidade familiar ainda é vista com maus olhos pela sociedade, talvez por ainda não entenderem, e tudo o que é desconhecido tende-se a ser julgado, ou talvez por motivos religiosos ou morais, contudo, ressaltamos que a entidade familiar poliamorosa é tão respeitosa quanto a monogâmica, arriscamos a dizer que em muitos casos mais respeitosa ainda, pois tudo que é feito entre seus integrantes é de conhecimento de todos, não havendo traições nem mentiras, o que muitas vezes é visto acontecendo no relacionamento monogâmico. Sendo assim, devemos ter respeito aos indivíduos que escolheram essa forma de vivenciar uma relação, tanto respeito jurídico e estatal como social, não excluindo-os de normas beneficiadoras nem tão pouco restritivas com base em uma escolha privada, que diz respeito apenas aos seus membros.
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