SEMI-IMPUTABILIDADE E EXAME PERICIAL
Rogério Tadeu Romano
Por entender que o reconhecimento da inimputabilidade ou da semi-imputabilidade depende da prévia instauração de incidente de insanidade mental e do respectivo exame médico-legal, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) contra acórdão que havia declarado a semi-imputabilidade do réu apenas com base no depoimento de vítima de estupro. O acórdão questionado invocou o artigo 26, parágrafo único, do Código Penal.
Com o provimento do recurso, em razão de dúvida sobre a sanidade do réu, o colegiado determinou a realização do exame médico-legal, nos termos do artigo 149 do Código de Processo Penal (CPP).
No recurso apresentado ao STJ, o MPRS sustentou que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) contrariou o Código Penal ao reconhecer a semi-imputabilidade – e, em consequência, aplicar a causa especial de redução da pena – somente com base nas declarações da vítima, sem determinar a realização de exame médico para verificar se, na época do crime, o autor realmente não era capaz de entender por completo o caráter delituoso de sua conduta.
A matéria foi objeto de abordagem no site do STJ em 25 de setembro do corrente ano.
Seguiu o Brasil o sistema biopsicológico, ao invés dos sistemas biológico(segundo o qual aquele que apresenta uma anomalia psíquica é sempre inimputável), e do sistema psicológico(que verifica apenas as condições psíquicas do autor no momento do fato, afastada qualquer preocupação com relação a respeito da existência ou não da doença mental ou distúrbio psíquico‐patológico). No critério seguido, do que se vê do artigo 26 do Código Penal, deve‐se verificar, de início, se o agente é doente mental ou que tem desenvolvimento incompleto ou retardado. Em caso negativo, não é inimputável. Em caso positivo, averigua‐se se ele era capaz de entender o caráter ilícito do fato; será inimputável se não tiver essa capacidade.
O incidente de insanidade mental, destinado a saber se o agente é ou não inimputável, dirá se essa patologia ocorreu, para o caso, e se o investigado poderá ser, se comprovada a materialidade e autoria do crime, submetido a uma medida de segurança, que se assenta na periculosidade que, como ensinou Nelson Hungria, é um estado positivo, mais ou menos duradouro, de antissociabilidade, que se funda no perigo de reincidência.
Pela Lei 7.209/84, ou a periculosidade é presumida, ex vi legis, no caso de inimputáveis, ou deve ser reconhecida pelo juiz ao condenar o semi‐imputável(se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar‐se de acordo com esse entendimento ‐ artigo 26, parágrafo único, CP ‐ quando poderá reduzir a pena de 1/3 a 2/3, conforme o grau de perturbação, ou impor medida de segurança).
De acordo com o Código Penal atual, a medida de segurança é aplicada apenas aos inimputáveis e semi-imputáveis. Duas são as espécies de medidas de segurança: internação em hospital de custódia e tratamento ambulatorial. Importante frisar que o critério determinante para a escolha da espécie de medida de segurança a ser aplicada no caso concreto não é especificamente a inimputabilidade ou a semi-imputabilidade mas a natureza da pena privativa de liberdade a ser aplicada.
O inimputável, a princípio, tem a sua pena substituída pela aplicação da medida de segurança detentiva, qual seja, internação em hospital de custódia e tratamento (art. 97, caput, 1ª parte, do CP). Porém existe a possibilidade de o inimputável ter a sua internação convertida em tratamento ambulatorial, se o fato previsto como crime for punível com detenção (art 97, caput, 2ª parte, do CP)., examinadas as condições pessoais do agente..
De acordo ainda com o art. 97, § 4°, o tratamento ambulatorial poderá ser substituído por internação hospitalar, em qualquer tempo, caso exista a necessidade para o indivíduo.
Já com respeito ao semi-imputável, o juiz possui duas alternativas, de acordo com o art. 26, § único, c/c o art. 98 do CP: redução obrigatória da pena aplicada ou substituição da pena privativa de liberdade por medida de segurança (internação hospitalar ou tratamento ambulatorial, conforme o caso).
Como tal é de bom alvitre o exame pericial para aquilatar se o acusado é semi-imputável.
A inimputabilidade compreende a ausência da imputabilidade. Observa-se que o Código Penal adota o critério biopsicológico, e deve-se atender a correta comprovação das condições biológicas e psicológicas do momento do ato ilícito.
Já a semi-imputabilidade é a perda parcial da compreensão da conduta ilícita e da capacidade de auto-determinação ou discernimento sobre os atos ilícitos praticados, compreende a redução da imputabilidade. Tem como implicação a atenuação da pena conforme elenca o artigo 26, parágrafo único, do Código Penal, que diz:
A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Ou, ainda, ocorrendo necessidade, pode existir a substituição da pena para tratamento curativo, internação ou tratamento ambulatorial, conforme dispõe o artigo 96 do Código Penal:
Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 a 3 anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1.º a 4º.
Disse bem Fabbrini Mirabete(Manual de direito penal, volume I, 7ª edição, pág. 205) que “embora se fale, no caso, de semi-imputabilidade, semi-responsabilidade ou responsabilidade diminuída, as expressões são passíveis de críticas. Na verdade, o agente é imputável e responsável por ter alguma consciência na ilicitude da conduta, mas é reduzida a sanção por ter agido com culpabilidade diminuída em consequência das suas condições pessoais. O agente é imputável mas para alcançar o grau de conhecimento e de autodeterminação é lhe necessário maior esforço. Se sucumbe ao estímulo criminal, deve ter-se em conta que sua capacidade de resistência diante dos impulsos passionais é, nele, menor que em um sujeito normal, e esse defeito origina uma diminuição de reprovabilidade e, portanto, do grau de culpabilidade”. Tal é a linha de pensamento de Maurach.
Por sua vez, Celso Delmanto e outros(Código penal comentado, 6ª edição, pág. 53) aduziram que “aqui possui o agente “meia culpabilidade” daqueles entendimentos, razão pela qual se diz que ele tem responsabilidade atenuada ou imputabilidade diminuída.”
Como tal recomenda-se ao juiz para optar pelo que é mais necessário ao condenado, em vista de suas condições atuais, imposição de pena reduzida ou, alternativamente, a internação em hospital e tratamento psiquiátrico(se o crime era punível com reclusão) ou o tratamento ambulatorial(se era prevista pena de detenção).
De toda sorte a perícia médica é preponderante na avaliação da responsabilidade diminuída.
Para Guilherme de Souza Nucci(Código penal comentado, 8ª edição, pág. 275), tendo em vista que a lei penal adotou o critério misto(biopsicológico), é indispensável haver laudo médico para comprovar a doença mental ou o desenvolvimento mental incompleto ou retardado, situação não possível de verificar diretamente pelo juiz.
Mas, é certo, que se diz que o magistrado não fica vinculado ao laudo pericial, valendo-se, inclusive, do artigo 182 do Código de Processo Penal. Já se entendeu que “de se observar que nosso estatuto processual penal adota o sistema liberatório na apreciação dos laudos periciais, deixando ao prudente arbítrio do juiz aceitar ou rejeitar os laudos”(EI 153.332-3/0, 4ª C. relator Cerqueira Leite, 02.11.1995, m.v). Mas é imprescindível mencionar que a rejeição da avaliação técnica, no cenário da imputabilidade, não pode conduzir à substituição do perito pelo juiz. Caso não creia na conclusão pericial, deve determinar a realização de outro exame, mas não simplesmente substituir-se ao experto, pretendo avaliar a doença mental como se médico fosse.
Sendo assim não pode o magistrado, havendo prova pericial afirmativa da inimputabilidade do acusado, desprezá-la, com base em considerações pessoais.
O extinto TFR nos traz excelente lição: “o juiz não fica adstrito à prova técnica, mas, para dela divergir, é necessário que dispunha de fortes e convincentes elementos de convicção, sobrepondo-se à opinião autorizada dos expertos(Relator Min. Torreão Braz, DO 6 de agosto de 1980).