Pacientes submetem-se as cirurgias simples ou tratamentos clínicos que exigem breve internamento. Aos males de que padecem encontram cura, mas quando sobrevém violento processo infeccioso – iniciado durante a hospitalização – e, malgrado os esforços para debelar a infecção, o paciente morre.
Noutras ocasiões, a infecção é controlada, por vezes com sequelas mais graves que aquelas decorrentes da terapia inicial. Tais infecções são denominadas hospitalares, por surgirem no interior do hospital, causadas por microrganismos que se desenvolvem no ambiente hospitalar (Kfouri Neto, Miguel/2015).
O sentido teleológico destas palavras “infecção hospitalar” indica que a infecção foi contraída pelo paciente na internação hospitalar ou no ambiente hospitalar e a responsabilidade por esse fato é exclusiva do estabelecimento de saúde ou nosocômio e não do médico, daí porque não ser técnica e juridicamente correto dizer erro médico.
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O termo erro médico deve ser associado ao ato pessoal ou ato técnico-profissional praticado pelo médico, o que é mais correto, ao passo que, erro hospitalar é vinculado a falha na prestação do serviço hospitalar propriamente dito (infecção hospitalar).
Nesse sentido, os danos que os pacientes podem sofrer em hospitais são divisíveis em dois grandes grupos:
- Danos sofridos em decorrência de erro médico causado pelo médico;
- Danos sofridos em decorrência da própria estrutura hospitalar (CHAVES, Cristiano, Responsabilidade Civil, 2019, p. 835).
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a responsabilidade objetiva do
“prevista para o prestador de serviços, no presente caso, o hospital, circunscreve-se apenas aos serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações, equipamento, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia) etc. e não aos serviços técnico-profissionais dos médicos que ali atuam, permanecendo estes na relação subjetiva de preposição (culpa)”. (STJ, REsp. 258.389, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4 T., DJ 22.8.2005).
art. 14 do Código de Defesa do Consumidor
Esse entendimento se dá uma vez que o hospital não é responsabilizado automaticamente pela atividade puramente médica ou erro médico, mas aos serviços paramédicos e extramédico.
A segurança do paciente durante a internação hospitalar é de responsabilidade do hospital que tem por dever salvaguardar a saúde e integridade física do paciente, adotando medidas para evitar qualquer tipo de contaminação no ambiente hospitalar por falta de higienização, limpeza, descarte correto do lixo hospitalar ou controle eficaz dos níveis de infecção.
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E, o corolário jurídico em se atribuir acertadamente o erro ao agente causador do dano é a divisão dos regimes de responsabilidade civil – objetiva ou subjetiva –, nessas hipóteses, têm tratamentos diferentes.
A Lei n° 9.431, de 6 de janeiro de 1997, que “dispõe sobre a obrigatoriedade da manutenção de programa de controle de infecções hospitalares pelos hospitais do País”, regulamentada pela Portaria nº 2.616/MS/GM, de 12 de maio de 1998. Convém destacar a obrigação do hospital quanto à CCIH, na média que essa normativa é expressa ao utilizar a palavra “manutenção”, não se tratando de faculdade e instituir ou não o programa de gestão e controle de infecção.
Considera-se programa de controle de infecções hospitalares, para os efeitos desta Lei, o conjunto de ações desenvolvidas deliberada e sistematicamente com vistas à redução máxima possível da incidência e da gravidade das infecções hospitalares.
Entende-se por infecção hospitalar, também denominada institucional ou nosocomial, qualquer infecção adquirida após a internação de um paciente em hospital e que se manifeste durante a internação ou mesmo após a alta, quando puder ser relacionada com a hospitalização.
Infecção hospitalar é qualquer tipo de infecção contraída pelo paciente na internação hospitalar, durante ou após o procedimento cirúrgico.
A Comissão de Combate a Infecção Hospitalar (CCIH) é composta por médicos-infectologistas, bioquímicos, enfermeiros, representantes da gestão de riscos hospitalares, dentre outros profissionais.
Dados da comunidade médica apontam que nenhum país tem nível zero de infecção dentro dos estabelecimentos de saúde, nem mesmo os países de primeiro mundo. Todavia, não desobriga os estabelecimentos de saúde a instituir e manter a CCIH como mecanismo de prevenção e gestão de riscos de infecção hospitalar.
A CCIH tem por principal tarefa o levantamento de dados, denominado “busca ativa”, que visa a identificar e eliminar os grupos de riscos, através de medidas preventivas. Integram tais grupos os pacientes de cirurgias, paciente HIV/AIDS, cancerosos, diabéticos e pacientes de Unidade de Terapia Intensivo (UTI) e resíduos de lixo hospitalar biológico e radioativo.
Mesmo diante das penalidades previstas na Lei n° 6.437, de 20 de agosto de 1977, não raro alguns hospitais não levam em consideração os níveis elevados de infecção apresentados em relatórios e pior, não mantêm as CCIH atuantes.
As infrações à legislação sanitária federal, ressalvadas as previstas expressamente em normas especiais, são, entre outras:
São infrações sanitárias:
XXIX – transgredir outras normas legais e regulamentares destinadas à proteção da saúde:
pena – advertência, apreensão, inutilização e/ou interdição do produto; suspensão de venda e/ou fabricação do produto, cancelamento do registro do produto; interdição parcial ou total do estabelecimento, cancelamento de autorização para funcionamento da empresa, cancelamento do alvará de licenciamento do estabelecimento, proibição de propaganda e/ou multa;(Redação dada pela Medida Provisória nº 2.190-34, de 2001)
Art. 10
Além da responsabilidade civil – pretensão indenizatória por danos, o hospital pode responder administrativa – processo administrativo perante autoridade sanitária ou conselho de classe, e criminalmente – desde que o fato constitua crime.
Com efeito, sobrevindo morte ou sequelas permanentes ao paciente, poderá este ou seu familiar pleitear justa e razoável reparação civil pelos danos lesivos resultantes do defeito no serviço, verificável na atividade do hospital.
Como dissemos anteriormente, os danos resultantes da infecção hospitalar se atribuem ao hospital, pessoa jurídica, logo, a sua responsabilidade será apurada sob o pálio da teoria objetiva – consoante entendimento extraído da doutrina, dos tribunais superiores e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que o paciente precisará comprovar apenas a relação de causa e efeito entre a permanência do enfermo nas dependências do estabelecimento, a infecção e o dano dela resultante.
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Vê-se, portanto, o Hospital responde pelo dano lesivo causado pela falha ou defeito na prestação dos serviços hospitalares – morte por contaminação contraída nas suas dependências ou instalações, independentemente da existência de culpa, de acordo com a regra insculpida ao teor do art. 14, caput, do Código de Proteção ao Consumidor (Lei n.º 8.078/1990).
Pela literalidade expressa desta regra, para se verificar o erro hospitalar exige-se a demonstração da falha ou defeito na prestação do serviço hospitalar, o nexo de causalidade e o dano, por se aplicar, neste caso, a teoria da responsabilidade civil objetiva do art.14. Ipsis:
“O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” (g.n).
Art. 14.
De outro modo, pela leitura do art. 927, paragrafo único, do Código Civil depreende-se que não há a exigência de se mostrar o defeito da prestação do serviço hospitalar, pois a responsabilidade civil sucessiva decorre do risco da atividade desenvolvida pela empresa hospitalar. Veja-se o inteiro teor do dispositivo:
“Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Art. 927.
Portanto, diferentemente dos elementos da responsabilidade civil – ato ilícito, conduta culposa, nexo de causalidade e dano- para configurar o erro pelo ato pessoal do médico, no caso do hospital, basta o nexo de causalidade e o dano, exigindo, excepcionalmente, a depender das peculiaridades do caso, a demonstração da omissão do defeito do serviço hospitalar.
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A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar caso semelhante, decidiu pela responsabilidade objetiva do hospital em virtude da falha na prestação de serviços hospitalares que implicou a morte do paciente por infecções hospitalares. Verifique-se a ementa:
“EMENTA
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. MORTE POR INFECÇÃO HOSPITALAR. PACIENTE INTERNADO POR DISTÚRBIOS PSICOLÓGICOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO HOSPITAL. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. VALOR ADEQUADO. RAZOABILIDADE. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. O Tribunal de origem, com fundamento no conjunto probatório dos autos, reconheceu a falha na prestação de serviços hospitalares que implicou a morte do filho dos agravados por pneumonia e infecções hospitalares.
2. O valor arbitrado pelas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais pode ser revisto por esta Corte tão somente nas hipóteses em que a condenação se revelar irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade, o que não se evidencia no presente caso, em que fixado em R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).
3. Agravo interno não provido”.
(AgInt no AREsp 1359566 / SP AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2018/0230948-6. Rel. Ministro RAUL ARAÚJO (1143). T4 – QUARTA TURMA. Julgado: 18/06/2019. DJe 28/06/2019).
De outra banda, a mesma Quarta Turma afastou a responsabilidade do hospital, por entender que a infecção hospitalar era desdobramento possível em decorrência da causa ou doença pré-existente do paciente. Veja-se ementa do julgamento:
“EMENTA
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. INFECÇÃO HOSPITALAR. TRIBUNAL DE ORIGEM AFASTOU A RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL. DESDOBRAMENTO POSSÍVEL PELA EXTENSÃO DA LESÃO. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O Tribunal de Justiça, com fundamento no acervo fático-probatório carreado aos autos, afastou a responsabilidade do hospital ora agravado pelo evento danoso, por entender que a infecção hospitalar era desdobramento possível em decorrência da extensão da lesão. A pretensão de alterar tal entendimento, considerando as circunstâncias do caso concreto, demandaria o revolvimento de matéria fático-probatória, o que é inviável em sede de recurso especial, conforme preconiza a Súmula 7/STJ.
2. A remansosa jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a incidência da Súmula 7/STJ impede também o exame de dissídio jurisprudencial, na medida em que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão recorrido.
3. Agravo interno desprovido.”
(AgInt no AREsp 1190874 / SP AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2017/0259522-5. Rel. Ministro RAUL ARAÚJO (1143). T4 – QUARTA TURMA. Julgamento: 29/11/2019. DJe 18/12/2019).
Vê-se, portanto, malgrado semelhante à causa dos danos nesses julgados (infecção hospitalar), o estabelecimento da responsabilidade civil exige do julgador exame acurado e cauteloso do acervo fático-probatório do processo, sem se afastar do caso concreto, motivo pelo qual será possível processo com causas iguais, mas com decisões diversas.
Segundo Miguel Kfouri Neto, uma das maiores autoridades no tema, responsabilidade civil em direito médico e hospitalar, para que haja a responsabilização, todavia, deve-se comprovar que:
- O paciente, antes de ingressar no hospital, não portava nenhum agente infeccioso ou apresentava baixa imunidade;
- A infecção não se classifica como endógena, gerada pelo próprio organismo (o agente já portava);
- A infecção surgiu quando o paciente já se encontrava o exclusivo controle do hospital e dos respectivos médicos; e
- A infecção foi causada por agente infeccioso tipicamente hospitalar.
Considerados esses fatores, poderá a justiça condenar o hospital a reparação ou ao ressarcimento dos danos mediante indenização à vítima ou seu familiar, em valor de acordo com a extensão dos causados ao paciente – vítima da infecção.
Para tanto, não obstante, exigir a demonstração de culpa do hospital, é imprescindível, para surgir o dever jurídico sucessivo como decorrência da violação do dever jurídico originário de não causar dano a outrem, que o dano seja lesivo, sem o qual o ato ilícito (não se confundindo com culpa) não assume relevância, e que fique demonstrada a relação de causa e efeito da contaminação.
Assim, para acabar ou minimizar os casos de morte, ou sequelas irreversíveis por infecção adquirida em casas de saúde, deve o hospital manter o programa de controle de infecção hospitalar e adotar mecanismos de resultados eficazes.
É preciso atuação eficaz no sentido de prevenir e, quem sabe eliminar os níveis de infecção, evitando com isso danos a integridade física, psíquica e a saúde do paciente e terceiros por conseguinte, não contribuindo para a judicialização dos casos de saúde e acúmulo de processos judiciais.
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