Crise diplomática das Coreias

Coréia do Sul e Coréia do Norte

Resumo:


  • A crise diplomática entre as Coreias teve raízes históricas marcadas pelo colonialismo japonês e pela divisão da península após a Segunda Guerra Mundial.

  • A escalada do conflito teve momentos críticos, como a Guerra da Coreia em 1950 e a crise nuclear norte-coreana a partir de 2003, desencadeando tensões no Sistema Internacional.

  • Apesar de tentativas de intervenção da ONU e de aproximação entre as Coreias, a distância cultural e ideológica entre o Norte e o Sul dificulta uma reunificação e mantém a região em constante tensão.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Crise Diplomática das coreias

CRISE DIPLOMÁTICA DAS CORÉIAS:

 CORÉIA DO SUL E CORÉIA DO NORTE 

Com o intuito de compreender a crise diplomática que permeia a península coreana, é necessário, em primeiro plano, analisar seu contexto e suas raízes. É válido ressaltar que a história da Coréia é fortemente marcada pelo colonialismo – exercido principalmente pelo Japão – e por estratégias de dominação pautadas, especialmente, pela violência. Em 1910, a Coréia se tornou parte integrante do Império Colonial Japonês, por meio do qual houve uma intensa exploração de seus recursos, além da imposição da cultura japonesa na região. A língua nacional foi substituída pelo japonês, os costumes e a sociedade foram reestruturados e a economia e a indústria passaram a ser partes integrantes do sistema de produção colonial, a fim de corroborar com o projeto japonês de expansão.

Nesse contexto, a população coreana se rebelou contra o regime estabelecido e, em 1919, organizou uma manifestação em busca de mais liberdades e, sobretudo, de emancipação. O movimento foi duramente reprimido pelo governo japonês, o que culminou na morte de mais de 20 mil civis e prisão de cerca de 50 mil. Após anos submetidos a essa intensa dominação, já inseridos no contexto da Segunda Guerra Mundial, foi somente com a vitória dos Aliados e consequente rendição do Japão, que a Coréia passou a enxergar alguma perspectiva de libertação.

Posto isso, cabe ressaltar, ainda, que o sistema internacional se recuperava das repercussões do conflito e se mostrava bastante apreensivo com a iminência de um novo: a Guerra Fria. Assim sendo, a bipolaridade internacional fez com que a península fosse ocupada pelas duas superpotências da época: Estados Unidos e União Soviética. Tal fato ocorreu com a justificativa de ser uma medida temporária e que auxiliaria no estabelecimento de um governo provisório, que seria independente assim que fosse considerado apto.

Todavia, o tempo passou e, assim que as eleições pré-estabelecidas ocorreram, Estados Unidos e União Soviética apoiaram dois candidatos diferentes, cada qual mais adepto às ideologias defendidas por seu aliado. O impasse culminou na cisão do território da península entre norte e sul, deixando ele dividido pelo paralelo 38° com governos autônomos que não reconheciam a existência um do outro, marcados – sobretudo – pelos sistemas econômicos completamente divergentes. 

Em 1950, com a aprovação de Stalin e com apoio chinês, tropas norte coreanas invadiram uma barragem no Sul, ação que contou com 290 mil soldados. Nesse mesmo dia, o conselho de segurança da ONU exigiu um cessar-fogo, mas foi ignorado. Assim, a resolução 83 foi votada na ONU para que os estados membros mandassem reforços militares para a Coreia do Sul, uma vez que o exército sul coreano era pequeno e mal equipado. No entanto, com essa ajuda militar, sua capacidade bélica era superior à do Norte, levando à perda de 100 mil soldados norte coreanos. Em janeiro de 1951, as forças da ONU estavam praticamente dominando a península quando foram atacadas por tropas chinesas que logo dominaram o território e realizavam ataques constantes às tropas aliadas. Por conseguinte, o Sul conseguiu restabelecer o comando de Seoul. A guerra continuava, no entanto, sem avanços territoriais significativos para ambos os lados, considerado um empate estratégico. Nesse contexto, após mais de 750 mil mortos e 850 mil feridos do lado dos chineses e norte coreanos, e 180 mil mortos e 200 mil feridos pelo lado das forças da ONU e do Sul (ACERVO ESTADÃO), ambos os lados decidiram assinar um armistício em junho de 1953, resultando na Zona Desmilitarizada com 200 km de comprimento por 4 km de largura, cortando a península de costa a costa. Apesar do armistício, um acordo de paz nunca foi assinado. 

A crise diplomática nas Coreias teve uma escalada em seu conflito, quando, em 2003, a Coreia do Norte resolveu abandonar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, e posteriormente, em 2006, lançou múltiplos mísseis balísticos, causando tensão e desconfiança no Sistema Internacional. Entretanto, essas não foram as únicas vezes em que a Coreia utilizou de suas forças nucleares para causar inquietação entre as nações. Em 2009, houve uma oferta pública do governo Barack Obama que buscou por negociações visando à paz, para dar fim ao impasse relacionado a questões nucleares a Pyongyang. No entanto, os americanos receberam uma ríspida resposta: poucos meses mais tarde, a Coreia do Norte fez o lançamento de um foguete e um teste nuclear, demonstrando um afronte a proposta dos EUA. Todavia, esta ação foi mal vista pela Sociedade Internacional, e o Conselho de Segurança da ONU condenou o ensaio e impôs sanções econômicas ao Estado socialista. A mais recente crise coreana se desencadeou também pelos testes nucleares em 2013, desta vez, um bem-sucedidos, e a ONU com a intenção de constranger tais atitudes aprovou a terceira imposição contra os norte-coreanos. Após tal acontecimento, as decisões políticas americanas e da comunidade mundial seriam determinadas a partir da necessidade de proteger e defender o regime internacional contra a proliferação de armas nucleares. (SNYDER, Scott. 2013)

Apesar das várias retaliações da ONU, é dubitável que a Coreia do Norte desista de sua agenda nuclear devido ao smart power que ela proporciona, a importância para a economia política do Estado e a eternização do regime Kim. Em virtude desses fatores é perceptível que o governo norte coreano utilize de seu poder nuclear estrategicamente, pois provoca novas crises no cenário mundial com o intuito de ganhar força nas negociações e colocar os demais estados em alerta, o clássico dilema de segurança. (HABIB, Benjamin. 2011)

            A ONU não se absteve de tentar intervir no secular conflito coreano, assim como nos riscos representados pelos testes de mísseis realizados pela Coreia do Norte. Como citado anteriormente, em 1950 a ONU expediu, através do Conselho de Segurança, um cessar-fogo ineficaz, seguido pela resolução 83, que permitiu o envio de reforços militares para a Coreia do Sul (DAVENPORT; PHILLIP; 2018).

Percebe-se, por conseguinte, que, por mais que a ONU tenha tentado encontrar formas de intervir na crise coreana no passado, a organização não obteve sucesso, o que torna questionável sua eficácia nos dias atuais, em que a mesma tem uma reputação internacional consideravelmente menos relevante do que em 1950. Na época da sua tentativa de intervir na situação política das Coreias, o Sistema Internacional depositava extrema confiança e poder político nas mãos da ONU, com o objetivo de impor e manter a paz internacional após os traumas da primeira e segunda guerras mundiais, perdendo esse poder ao longo das décadas (CLARK, 2017). A força do institucionalismo migrou cada vez mais para os Estados e sua defesa individual ou em alianças, devido ao chamado dilema de segurança, e, portanto, torna-se complexa a intervenção de uma organização internacional nas Coreias, principalmente considerando a falta de meios coercitivos da ONU.

            Vale ressaltar que o conflito entre as Coreias foi incitado por forças externas, respectivamente, Estados Unidos e União Soviética, que se infiltraram na região e causaram uma dualidade cultural e econômica, resultando na eventual separação das penínsulas. Nas primeiras décadas de conflito, é provável que seria possível um entendimento e nova união entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte, posto que suas principais divergências derivam de elementos externos aos dois países.

            Atualmente, todavia, existe um distanciamento de enormes proporções não só entre as Coreias em si, mas entre a Coreia do Norte e o resto do sistema internacional, devido ao extremo isolamento do país, que só se aprofunda desde a Guerra Fria. Essa distância imensurável entre a cultura e sociedade norte coreana e a sociedade internacional representa um dos maiores impasses na possibilidade de um acordo de paz entre as Coreias, além de indicar que uma união poderia incitar ainda mais violência e agressividade, assim como um eventual perigo para o Sistema Internacional, devido ao eixo ideológico no qual se encontra a Coreia do Norte. Ademais, as atuais diferenças econômicas e tecnológicas entre as duas nações são de níveis imensuráveis, ou seja, uma reunificação demandaria, além de adaptação cultural, um enorme gasto com recursos de saúde, infraestrutura e com uma padronização quase insustentável da educação nacional, que diverge muito entre o sul e o norte (FENDOS, 2018). Existe a possibilidade de paz entre as nações, todavia, uma reunificação é economicamente, culturalmente e politicamente inviável.

A Declaração Conjunta Norte-Sul de 15 de junho, em 2000, foi um acordo no qual os líderes sul e norte coreanos iriam discutir uma possível Coreia Unificada no futuro, além de influenciar a abertura política entre os dois países. 18 anos depois, para substituir o armistício de 1953 e acabar oficialmente com a guerra, Moon Jae-in e Kim Jong-un comprometeram-se a assinar um acordo de paz e aproximar a relação entre os dois países. Ademais, outros compromissos foram pauta desse encontro histórico na Zona Desmilitarizada, como por exemplo cessar atos hostis, desnuclearização, participar juntos de eventos esportivos, implementar acordos etc. Tudo parecia caminhar para um sentimento de aproximação seguindo de unificação, porém em junho de 2020, a Coreia do Norte explodiu o escritório de relações com a Coreia do Sul, localizado em Kaesong. Folhetos criticando o governo ditatorial de Kim Jong-un, advindos de desertores norte-coreanos, vinham sendo lançados em direção ao norte como uma forma de protesto (G1, 2020). O governo de Kim fechou os canais de comunicação entre os países e, portanto, o status atual da relação é tenso e delicado, colocando o sentimento de Coreia Unificada de lado, por enquanto. 

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O K-pop, mundialmente conhecido e premiado, pode ser considerado, ainda, uma arma muito poderosa de soft power coreano, fato que não aconteceu acidentalmente. A Coreia do Sul não é o único país a usar dessas estratégias de propagação de cultura e globalização para atingir objetivos diplomáticos, mas conseguiu isso muito mais rápido com o K-pop, nutrido desde 1959 com as Kim Sisters que se apresentavam em shows americanos, por exemplo (BBC, 2020). Segundo o livro South Korean Popular Culture and North Korea, o governo sul coreano “visou a exportação da cultura da mídia popular como uma nova iniciativa econômica, uma das principais fontes de receita externa vital para a sobrevivência e o avanço econômico do país”. Assim, o presidente Kim Dae-jung, se autodenominava o "Presidente da Cultura" (BBC, 2020).

O estilo musical é responsável por grande parte da atenção internacional recebida pela Coreia do Sul e ganha força desde 2011. De acordo com Joseph Nye, o soft power se tornou a forma mais adequada de exercer poder sobre demais nações desde a Guerra Fria, em oposição ao hard power, que consiste na coerção forçada e exige muitos recursos, além de causar polêmicas no Sistema Internacional (NYE, 1990). O soft power induz outros países a cooperarem, muitas vezes através de poder cultural como do K-Pop, que permite que a sociedade internacional veja a Coreia do Sul de forma mais atrativa e familiar. A sua popularidade causa uma aproximação entre essa nação e o resto do mundo, e, por conseguinte, uma visão mais amigável dessa cultura, que acaba por se popularizar junto com o gênero musical que a representa, se tornando talvez o país asiático mais popular da atualidade. A cultura sul-coreana passou a ser disseminada de forma a ser copiada e respeitada, principalmente dentre o meio asiático (DESIDERI, 2013).

Ademais, é um gênero leve, animado e que remete a um escapismo da população sul-coreana, que é retratada de modo moderno e divertido, enquanto a cultura norte-coreana aparenta ter atributos mais políticos e realistas. As músicas produzidas pela Coreia do Norte possuem letras que remetem ao militarismo e às ideologias políticas do governo, aprofundando a visão de que o país é culturalmente distante da maior parte da sociedade internacional, a Coreia do Sul, todavia, parece cada vez mais acessível (MACKAY, 2018). Ao longo das décadas, as divergências nortes e sul coreanas deixaram de ser apenas político-econômicas e passaram para a esfera cultural, gerando uma separação cada vez maior entre essas nações, além de uma intensa atenuação de qualquer sentimento que remeta à uma Coreia unificada.
 

REFERÊNCIAS

BBC News. BTS and EXO: The soft power roots of K-pop. 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/culture/article/20200309-the-soft-power-roots-of-k-pop. Acesso em: 16 set. 2020.

MACKAY, Emily. 6 extraordinary facts about music in North Korea. BBC Music, 2018. Disponível em: <https://www.bbc.co.uk/music/articles/271e6e43-bf76-4517-89cf-64759c6a40d6>. Acesso em 2 set. 2020.

COREIA do Norte explode e destrói escritório de relações com a Coreia do Sul. G1, [S. l.], p. 1, 16 jun. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/06/16/coreia-do-norte-destroi-escritorio-de-relaccoes-com-a-coreia-do-sul.ghtml. Acesso em: 16 set. 2020.

CLARK, Helen. The UN is failing: states must back off and give its leader the power to act. The Guardian, 2017. Disponível em: <https://www.theguardian.com/global-development/2017/sep/13/the-un-united-nations-is-failing-give-its-leader-real-power-to-act-helen-clark>.

DAVENPORT, Kelsey; PHILLIP, Elizabeth. UN Security Council Resolutions on North Korea. Arms Control Association, 2018. Disponível em: <https://www.armscontrol.org/factsheets/UN-Security-Council-Resolutions-on-North-Korea>. Acesso em: 14 set. 2020.

DESIDERI, Nick. Bubble Pop: An Analysis of Asian Pop Culture and Soft Power Potential. 2013, Vol. 18, P. 43. Disponivel em: <http://digitalcommons.iwu.edu/respublica/vol18/iss1/1>. Acesso em: 1 set. 2020.

FENDOS, Justin. Korean Reunification is already unviable. The Diplomat, 2018. Disponível em: <https://thediplomat.com/2018/08/korean-reunification-is-already-unviable/>.

GUERRA da Coreia. Estadão, [S. l.], p. 1, 10 jun. 2020. Disponível em: https://acervo.estadao.com.br/noticias/topicos,guerra-da-coreia,878,0.htm. Acesso em: 13 set. 2020.

HABIB, Benjamin. Programa de armas nucleares da Coreia do Norte e a manutenção do sistema Songun , The Pacific Review, (2011) 24: 1, 43-64, 

KOREAN War. History, [S. l.], p. 1, 9 nov. 2009. Disponível em: https://www.history.com/topics/korea/korean-war. Acesso em: 13 set. 2020.

NORTH Korea enters ‘state of war‘ with South. BBC News, [S. l.], p. 1, 30 mar. 2013. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/world-asia-21979127>. Acesso em: 13 set. 2020.

NYE, Joseph. Bound to Lead: The Changing Nature of American power. 1990.

SNYDER, Scott. SERI Quarterly: Seoul Vol. 6, Ed. 1,  (Jan 2013): 99-104,9.

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