Do princípio da proteção integral no Brasil

28/09/2020 às 21:50
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O trabalho visa analisar e expor a evolução historica do tratamento a criança e ao adolescente, especialmente no ambito infracional.

DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL NO BRASIL

2.1 Breve histórico do tratamento legal a adolescentes infratores no Brasil

2.1.1 Decreto Lei no 17.943/1927

Inicialmente, destaca-se que demorou para ser implementado no Brasil uma legislação voltada às crianças e adolescentes, especialmente aquela que trata de atos ilícitos. Nesse sentido, a autora Iencarelli, em sua obra, destaca que:

[...] a Jurisdição Especial de Menores demorou a ser implantada no Brasil

Quando já era uma realidade nos Estados Unidos desde 1901, na Alemanha desde 1905, na Inglaterra desde 1908, em Portugal e Hungriadesde 1911, na França e Bélgica desde 1912, na Itália desde 1917, no Brasil ainda não havia legislação específica. Não havendo direito criminal demenores, a eles se aplicava o regime comum para adultos, reduzindo-se, tão só, a quantidade da pena imposta (p. 46).

Assim sendo, aos jovens que cometessem atos em desacordo com a legislação, eram aplicadas as mesmas punições que os adultos recebiam, ou seja, de acordo com a lei penal vigente.

Foi no ano de 1927, portanto, que entrou em vigor o primeiro Código que tratou exclusivamente sobre normas voltadas aqueles menores de 18 anos, o Código de Menores, também conhecido como Código Mello Mattos, este foi instituído pelo decreto Lei no 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. Este Código recebeu este nome por ter sido redigido pelo primeiro Juiz de Menores, José Cândido de Albuquerque Mello Mattos. (Liberati, p. 43, 2012).

O Código de Menores proporcionou, consoante afirma Liberati em seu livro, "significativa abertura do tratamento à criança na época, preocupado em que fosse considerado o estado físico, moral e econômico dos pais" (p. 43).

Nesse sentido, como supradescrito, esta legislação distinguia as crianças “bem-nascidas” daquelas excluídas, ou seja, conforme afirma Saraiva, o Código salientou “uma identificação entre infância socialmente desvalida e a infância  “delinquente” criando uma nova categoria jurídica: os menores” (p. 35). 

Destaca-se que este dispositivo tinha como base a assistência e proteção aos jovens de até dezoito anos e era aplicado àquele “menor”, conforme acabou sendo intitulado, que estivesse em situações de abandono ou delinquência, consoante destacado no artigo 1o do Código de Menores.

Ainda, o Código elencava como estando nestas situações aqueles jovens vadios, mendigos e libertinos, conforme expressavam os artigos 28, 29 e 30 da referida legislação, ou os delinquentes, sendo estes aqueles que cometessem alguma infração penal e também desvios de comportamento (Liberati, p. 66, 2012)

Neste panorama, caso estes “menores” estivessem enquadrados nestas situações irregulares previstas pela lei, seriam, de imediato, submetidos às medidas de assistência e proteção, sendo estas aplicadas pelo Juiz de Menores.

Assim sendo, o escritor Liberati afirma que "o processo não contemplava a garantia da ampla defesa e do contraditório e tampouco a manifestação do Ministério Público" (p. 67). Ou seja, os jovens sequer tinham o direito de se manifestarem e de se defenderem, apenas, ao estarem nestas situações previstas, recebiam as medidas que eram impostas pelo Juiz.

Ademais, mister referir que, conforme destaca o autor:

Não havia distinção entre menores abandonados e delinquentes para autorizar a aplicação das medidas. Se o menor praticasse ato que fosseconsiderado infração penal, receberia as medidas mais gravosas, como a internação; se o menor fosse abandonado ou carente, também poderia serinternado em asilo ou orfanato, conforme a conveniência do juiz (Liberati, p.66, 2012).

Salienta-se, ainda, que apenas um tempo depois do Código entrar em vigor é que foi criado um lugar específico para o cumprimento das medidas de internação, as quais eram as mais impostas na época.

Este local foi nomeado de Fundação Nacional para o Bem-Estar do Menor (Funabem) e tinha como fundamento trazer uma política nacional de bem-estar ao menor, com diretrizes políticas e técnicas, conforme dispositivos trazidos pela Lei no 4.513/64 (Saraiva, p. 43, 2003).

Ainda, sobre o assunto, o autor destaca que os órgãos estaduais que executavam as medidas de internação eram as FEBEMs, que quer dizer Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor. (Saraiva, p. 43, 2003).

Entretanto, em que pese o jovem devesse estar nestas unidades especiais, o artigo 71 do Código de Menores permitia que em determinados casos estes podiam serem transferidos para estabelecimentos prisionais, apenas com o requisito de estarem separados dos adultos (Liberati, p. 70, 2012). Ademais, o autor Liberati refere que, apesar desta prática ser proibida na legislação, era muito utilizada pelo motivo de não ter atendimentos adequados (Liberati, p. 71, 2012).

Destaca-se que, como já mencionado, a medida de internação na época era a mais utilizada, assim, de acordo com o que traz o autor Liberati, a medida de internação "era considerada um remédio para todos os "casos" destinava-se a criança abandonada, que precisava de um lar, e ao autor de ato infracional, sendo ele perigoso ou não" (p. 65). Em virtude disso, conforme o próprio autor sustenta, estas unidades nas quais os jovens ficavam internados estavam cada vez mais superlotadas e, a partir disso, não ofereciam um tratamento adequado.

Por obvio existiam na época outras medidas, entretanto a medida mais imposta era a de internação, em virtude de ser considerada uma "solução" para a melhoria da sociedade. Um exemplo de outra medida que o Código trouxe foi, conforme traz Liberati "a medida de liberdade vigiada, estando implícita nela a de prestação de serviços à comunidade e a obrigação de reparar os danos causados pelo menor infrator", que também era uma solução bastante utilizada e, ainda, deu origem, posteriormente, a medidas do Estatuto da Criança e do Adolescente. (Liberati, p. 73, 2012).

Ademais, importante se faz referir a colocação do autor Liberati, ao dizer que "a leitura que se fazia da prática da aplicação de medidas às crianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social, especialmente aos autores de ato infracional, tinha conotação mais social, que jurídica" (p. 74).

Ou seja, o autor ainda sustenta que não havia, em momento algum da  plicação da medida, a preocupação com a sua condição de desenvolvimento. (p.74). 

Portanto, o adolescente e a criança, ao estarem enquadrados nas situações previstas pelo Código de Menores, sem ter-lhes os direitos e garantias fundamentais assegurados, receberiam as medidas da legislação, que, por sua vez, carregavam, indiscretamente, uma forma de eliminação da população infanto-juvenil desprivilegiada socialmente.

Assim confirma Liberati, ao destacar que as medidas visavam, acima de tudo, a "eliminação dos indesejáveis da sociedade, sem privilégio de garantias de direitos" (p. 74).

2.1.2 Do Decreto Lei no 6.696/1979

Cerca de cinquenta anos de vigência do Código de Menores, mais conhecido como Código de Mello Mattos, do ano de 1927, foi-se desenvolvida uma nova legislação, com base nos preceitos estabelecidos pela FUNABEM (Liberati, p. 92, 2012).

Melhor dizer, foi no ano de 1979 que surgiu este novo Código, também nomeado como Código de Menores, o qual manteve muitas diretrizes do Código anterior, porém trouxe à tona um novo termo que foi muito utilizado, qual seja, “Menor em Situação Irregular”, conforme afirma Veronese apud Sentano (texto digital), ainda, de acordo com o escritor, este termo se direcionava àquele jovem menor de dezoito anos “que se encontrava abandonado materialmente, vítima de maus-tratos, em perigo moral, desassistido juridicamente, com desvio de conduta e ainda o autor da infração penal” (texto digital).

Outrossim, conforme confirmam os autores Gauer, Vasconcellos e Davoglio, no livro Adolescentes em conflito: violência, funcionamento antissocial e traços de psicopatia, “essa doutrina via crianças e adolescentes como “menores” ou em “situação irregular” (p. 185).

Isto é, como sustentado pelos autores supradescritos, o novo Código continuou considerando jovens como “menores”, bem como começou aos tratar como pessoas em situações irregulares, incomuns, em desacordo com a lei e com os preceitos estabelecidos pela sociedade.

No mesmo sentido, Liberati afirma que "com esse novo Código de Menores inaugurou-se uma nova visão sobre o problema do menor: a da "situação irregular" (p. 47). Destaca-se que esta expressão foi intitulada por Alyrio Cavallieri e visava alcançar, de acordo com Liberati, "estados que caracterizavam os destinatários das normas do direito do menor" (p. 47).

A Doutrina de Situação Irregular, assim como o primeiro Código, dividiu a infância em duas categorias, isto é, aquelas crianças compostas pela infância normal, comum aos olhos da sociedade, aos cuidados da família e pessoas que estivessem em uma classe social mais favorável, e, por outro lado, os “menores”, que novamente eram aquelas pessoas provenientes de famílias mais pobres, desprovidos, órfãos ou infratores. Assim destaca Liberati em sua obra, ao sustentar que "a situação irregular do menor é, em regra, consequência da situação da família, principalmente com a sua desagregação" (p. 48).

O autor supradescrito, ainda, dispõe que esta nova Doutrina da Situação Irregular representou um avanço considerando o Código anteriormente vigente, pois, conforme sustenta o escritor, fez do menor o interesse da legislação não apenas pela questão penal, mas sim pelo interesse do direito especial quando apresentasse uma "patologia social", ou seja, a uma situação incomum. (Liberati, p. 93, 2012).

No mesmo vértice, conforme destaca o autor Saraiva, “esta Doutrina pode ser sucintamente definida como sendo aquela em que os menores passam a ser o objeto da norma quando se encontrarem em estado de patologia social” (p. 44).

Salienta-se que o Código de Menores de 1979 utilizava as seguintes medidas:

assistência, proteção e vigilância aos menores, entre 0 a 18 anos de idade, que se encontrassem na denominada "situação irregular" e medidas de caráter preventivo, independentemente da situação incomum em que se encontrassem (Liberati, p. 48, 2012).

Importante referir que para a aplicação das medidas não havia uma cisão entre jovens que estivessem em situação de abandono ou que fossem considerados delinquentes. Nesse cenário, de acordo com o exposto pelo escritor Saraiva, “misturavam-se os abandonados, vitimizados por abandono e maus tratos com vitimizadores autores de conduta infracional, partindo do pressuposto de que todos estariam na mesma condição: estariam em “situação irregular” (p. 44).

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Neste vértice, os escritores Gauer, Vasconcellos e Davoglio afiram em seu livro que “levava-se em conta não só os atos delituosos, mas também os comportamentos de inadaptação ou irregulares que exigissem medidas de proteção ou de reeducação, devido a negligência familiar social (p. 185)”.

Aliás, conforme o assunto, os autores descrevem que

O juiz de menores, na época, aplicava as mesmas medidas tanto para casos sociais quanto para os que envolviam prática de atos infracionaissendo que a internação, por exemplo, podia ser determinada àqueles que eram considerados carentes, abandonados, inadaptados ou infratores, ocasionando o que Costa (2006) chama de “o ciclo perverso da institucionalização compulsória” (Gauer, Vasconcellos e Davogliop.185, 2012).

Ademais, mister destacar que jovens que tivessem entre 18 e 21 anos, chamados pelo Código de “jovens-adultos”, podiam ainda receber as medidas previstas da legislação de menores, pois, conforme frisa o escritor Liberati "não podiam ser inseridos na sociedade, por continuarem apresentando os mesmos desvios e os mesmos problemas que os levaram à internação" (p. 48).

Ou seja, consoante sustentando pelo escritor, em que pese o jovem tivesse atingido a maioridade, a legislação previa que estes devessem continuar sob a vigilância do Juiz de Menores, sendo submetidos às medidas previstas no regulamento.

Ademais, as medidas possuíam a finalidade da integração sociofamiliar,conforme previa o art. 13 do Código, entretanto, o próprio Código se contradizia, ao estabelecer no artigo seguinte que as medidas possuíam caráter retribuitivo, (Liberati, p. 94, 2012). Ou seja, melhor dizer, possuíam caráter punitivo, visando, novamente, eliminar jovens em situações socialmente desfavoráveis e que eram considerados “problemas” para a sociedade.Necessário, neste panorama, destacar o apontamento do autor:

Não se pode entender que medidas de privação de liberdade - como eram a semiliberdade e a internação - tivessem natureza eminentementeassistencial e de proteção. Eram, na verdade, medidas de caráter punitivo, cuja natureza jurídica se aproximava da retribuição, qualidade própria dapena criminal (p. 94).

Ainda, sobre isso, sustenta o autor Liberati em sua obra:

O Código revogado não passava de um Código Penal do 'Menor', disfarçado em sistema tutelar; suas medidas não passavam de verdadeirassanções, ou seja, penas disfarçadas em medida de proteção. Não relacionava nenhum direito, a não ser aquele sobre a assistência religiosa; não trazia nenhuma medida de apoio à família; tratava da situação irregular da criança e do jovem, que, na realidade, eram seres privados de seus direitos (p. 48).

Assim sendo, resta evidente que ambos os Códigos se destinavam à repressão e na opressão de jovens que se enquadrassem como delinquentes ou abandonados e, ainda, tivessem cometido fato considerado como crime ou contravenção penal, segundo termos da própria legislação, e suas normas destinavam-se exclusivamente a estes, de forma punitiva, visando eliminá-los da sociedade.

2.2 Da Constituição Federal de 1988 e do Princípio da Proteção Integral no Brasil

No ano de 1988 a Constituição Federal do Brasil consagrou, mais precisamente no artigo 227, a Doutrina da Proteção Integral, cujo fundamento está vinculado, conforme destaca Liberati, "nos direitos próprios e especiais das crianças e adolescentes, que, na condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, necessitam de proteção diferenciada, especializada e integral" (p. 49).Importante se faz referir o citado artigo, que diz o seguinte:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Constituição Federal,1988).

Assim sendo, com o advento da Constituição Federal de 1988, foi rompido definitivamente com a "Situação Irregular" trazida pelo Código de Menores, o qual era imposto àquelas crianças e adolescentes, considerados até então como “menores”, que estivessem em situações em desacordo com os preceitos do Estado e da sociedade (Liberati, p. 54, 2012).

Nesse sentido, importante mencionar o que é destacado por Amaral e Silva:

O Estatuto, tendo por fonte material o fenômeno da violência contra crianças e adolescentes e a chamada “questão do menor”, aparece comoresposta humanitária à injustiça vivida por milhões de seres em situações de vulnerabilidade. A falta de atenção à saúde; à educação; o desrespeito àliberdade, à dignidade e à convivência familiar e comunitária; o descaso pela educação, pela cultura, pela profissionalização, pelo esporte e pelolazer; obrigam uma elaboração de normas capazes de garantir coercivamente os direitos de nossa maior riqueza, as crianças. (Amaral e Silva,1999, texto digital).

Destaca-se que a origem inicial da "proteção especial" direcionada às crianças e adolescentes foi celebrada na Declaração de Genebra, em 26 de março do ano de 1924, a qual determinava, segundo Liberati, "a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial" (p. 53). Isto é, já se era pensado que crianças e adolescentes mereciam uma proteção maior, entretanto, apenas no ano de 1988, com o advento da Carta Magna é que foi colocada em prática esta recomendação, respeitando, primordialmente, a condição peculiar de desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Aliás, o escritor Liberati destaca a orientação trazida pela Convenção da Criança do ano de 1969, que também foi uma grande base para a criança da Constituição do Brasil, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, que dizia o seguinte: "toda criança tem direito às medidas de proteção, que, na sua condição de menor, requer, da parte da família, da sociedade e do Estado". (p. 54).

Nesse sentido, de acordo com o autor supradescrito, “a Doutrina da Proteção Integral surgiu no cenário jurídico inspirada nos movimentos internacionais de proteção à infância, materializados em tratados e convenções” (p. 53). O autor, ainda, acentua que com a implementação da Doutrina da Proteção Integral “tornou-se um novo símbolo, um novo paradigma, um novo parâmetro” (p. 54).

Os autores Gauer, Vasconcellos e Davoglio, no livro Adolescentes em conflito: violência, funcionamento antissocial e traços de psicopatia, reforçam que:

Nossas crianças e adolescentes foram “vítimas” do Código de Menores até a aprovação da Constituição Brasileira de 1988, que, baseada na Doutrina da Proteção Integral, passou a vê-los como sujeitos de direitos, inimputáveis até os 18 anos e sujeitos às normas da legislação especial (p. 185).

Além disso, conforme afirma a autora Iencarelli, o legislador:

[...] instituiu a “Doutrina da Proteção Integral”, deixando de ser crianças e adolescentes objetos passivos dos ditames da família, sociedade e Estado e assumindo, plena e definitivamente, a condição de sujeitos de direitos” (p. 40).

Liberati, em seu livro, destaca também a grande mudança trazida pela nova Doutrina, ou seja, a Doutrina de proteção Integral, segundo ele, foi "a situação "do menor como objeto da compaixão-repressão versus a da infância-adolescência como sujeitos pleno de direitos" (p. 54).

Assim sendo, a partir da entrada em vigor da Constituição Federal, crianças e adolescentes passam a serem vistas e tratadas como detentores de direitos e de proteção, devendo estas garantias serem promovidas essencialmente pela família, sociedade e pelo Estado, conforme o próprio artigo 227 da Carta Magna sustenta.

Ainda, importante se faz citar o apontamento de Antônio Carlos Gomes da Costa apud Liberati ao dizer que "crianças e adolescentes são detentores de todos os direitos que têm os adultos e que sejam aplicáveis à sua idade e mais direitos especiais" (p. 50), quer dizer, aqueles que decorrem do seu estado de desenvolvimento, crescimento e progresso enquanto pessoa.

Sobre isso, considerável referir novamente o apontamento de Antônio Carlos Gomes da Costa apud Liberati:

A condição peculiar de pessoa em desenvolvimento implica, primeiramente, o reconhecimento de que a criança e o adolescente não conheceminteiramente os seus direitos, não têm condições de defendê-los e fazê-los valer de modo pleno, não sendo ainda capazes, principalmente as crianças,de suprir, por si mesmas, as suas necessidades básicas (p. 49).

A escritora Iencarelli, destaca que, a partir da Carta Magna também veda-se 

“[...] qualquer violação ou abuso aos direitos constitutivos da personalidade individual, ficou estabelecida a parceria no “dever de proteção” entre família, sociedade e Estado” (p. 40). Ou seja, diferentemente dos Códigos anteriores, a nova Doutrina visa, acima de tudo, respeitar e zelar pelos direitos fundamentais dos jovens, vedando, assim, qualquer forma de violação de seus direitos.

Portanto, a Doutrina da Proteção Integral foi um grande avanço aos direitos das crianças e adolescentes, neste panorama afirma a autora Iencarelli em seu livro “incorpora-se a esta doutrina todos os princípios fundamentais e constitucionais, destacando-se o da igualdade e da liberdade, sendo proibidas as detenções ilegais ou arbitrárias” (p. 40).

No mesmo sentido:

O novo texto representou o abandono da “Doutrina da Situação Irregular”, base do Código de Menores de 1979, que antecedeu o Estatuto da Criança e do Adolescente, representando uma verdadeira revolução na atuação do Sistema Judiciário que, aliado ao Ministério Público, como proposto pelo Estatuto, pode se considerado um dos mais evoluídos instrumentos de proteção à cidadania vigente no País (p. 40, Iencarelli, 2015).

Dessa forma, a Doutrina de Proteção Integral consagrou os direitos e garantias fundamentais às crianças e adolescentes, tratando-os como pessoas detentoras de direitos, promovendo-lhes dignidade, respeito e proteção, visto que estão em condições de desenvolvimento, merecendo, portanto, prioridade e amparo e de terem garantidos seus melhores interesses.

No mesmo panorama, Liberati sustenta que "crianças e adolescentes são protagonistas de seus próprios direitos" fazendo-se necessário, conforme sustenta o autor, exigir-se a completude de direitos e procedimentos assegurados na Carta Magna, bem como em leis especiais. (p. 74)Neste sentido, como afirma Mário Volpi apud Batista (2003, p. 57):

A Doutrina da Proteção Integral, além de contrapor-se ao tratamento que historicamente reforçou a exclusão social, apresenta-nos um conjuntoconceitual, metodológico e jurídico que nos permite compreender e abordar as questões relativas às crianças e aos adolescentes sob a ótica dosdireitos humanos, dando-lhes a dignidade e o respeito do qual são merecedores.

Ainda, conforme a escritora Iencarelli, a doutrina de proteção integral “consagra todos os direitos inerentes às crianças e adolescentes, sendo seu ponto nevrálgico reconhecê-los como sujeitos plenos de direitos” (p. 40).

Desta feita, “asseguram-se, assim, os direitos fundamentais à infância e à juventude, fornecendo-lhes, principalmente ao adolescente infrator, instrumentos processuais e materiais de proteção do direito à vida e à liberdade” (p. 42, Iencarelli,2015).

Outrossim, Liberati define que a Doutrina da Proteção Integral não deve se direcionar a “categorias” de crianças e de adolescentes e sim deve dirigir-se à todas sem distinção (p. 54), totalmente oposto dos Códigos anteriores, que, conforme já sustentado, distinguia as crianças "bem-nascidas", daquelas que se enquadrassem em "situações irregulares" (Liberati, p. 55, 2012). Sobre isso, o autor destaca o seguinte:

a Doutrina da Proteção Integral preconiza que o direito da criança não deve e não pode ser exclusivo de uma "categoria" de menor, classificado como "carente", "abandonado" ou "infrator", mas deve dirigir-se a todas as crianças e a todos os adolescentes, sem distinção. As medidas de proteçãodevem abranger todos os direitos proclamados pelos tratados internacionais e pelas leis internas dos Estados (p 54).

Assim sendo, a partir da Carta Magna, muitas mudanças positivas começaram a ocorrer, principalmente pelo fato de que todas as crianças eadolescentes passaram a serem vistas e tratadas da mesma forma, sem discriminação e exclusão, visto que a norma se aplicava para todas de forma igual.

Neste contexto, afirma Saraiva (2003, p. 57):

Não mais se admite conceitos como “menor”, considerando a carga discriminatória encerrada nesta expressão, na medida em que o ordenamento propõe uma normativa apta a contemplar toda a população infanto-juvenil, agora em uma nova condição, não mais objeto do processo,mas sim sujeito do processo, protagonista de sua própria história.

No mesmo vértice, os escritores Gauer, Vasconcellos e Davoglio em sua obra destacam que:

[...] a partir de então, é abolido o estigmatizante termo “menor” e inicia-se a utilização dos termos “crianças” e “adolescentes” que passam a sercidadãos, sujeitos de direitos, pessoas em desenvolvimento que devem ser tratadas com prioridade absoluta (p. 185).

Além do princípio da Proteção Integral previsto, a Constituição Federal estabeleceu outro importante princípio basilar às normas que dizem respeito a crianças e adolescentes, qual seja: o Princípio da Prioridade Absoluta, consagrado no artigo 227 da Carta Magna, o qual, posteriormente, passa a constar também no artigo 4o do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Neste panorama, Iencarelli define que a partir da adoção da Doutrina de Proteção Integral às crianças e adolescentes o legislador adota a expressão “com absoluta prioridade”, ou seja, conforme destaca a escritora “ele estabelece que esse dever sobrepõe-se a qualquer outro e transmite uma ideia de que é exercido a todo tempo (p. 38)”.

Assim sendo, a partir deste princípio, crianças e adolescentes possuem prioridades absolutas em todos os fatos que os envolvam, fazendo-se necessário priorizar todas as suas necessidades e interesses.

Sobre este assunto, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira apud Liberati:

(1) qualidade do que está em primeiro lugar; primazia; (2) preferência dada a alguém relativamente ao tempo de realização de seu direito, compreterição do de outros; primazia; (3) qualidade duma coisa que é posta em primeiro lugar, numa série ou ordem (p. 60).

Neste mesmo vértice, Aurélio, citado por Liberati em sua obra, afirma que a expressão "absoluta" significa "ilimitada, irrestrita, plena, incondicional" (p. 60).

Ou seja, em que pese todos perante a lei devam ser tratador de forma igual, este princípio assegura às crianças e adolescentes, pessoas em desenvolvimento, tratamento especial e uma proteção maior e absoluta. Neste vértice, Manoel Gonçalves Ferreira Filho apud Liberati diz que "a uniformidade do Direito não significa, todavia, que não haja distinções no tratamento jurídico. As distinções são, ao contrário, uma própria exigência da igualdade" (p. 61).

Importante dizer que, além do Estado priorizar os interesses da criança e do adolescente, é dever também da família e de toda a sociedade, assim, de acordo com Liberati "o texto constitucional convoca a família e a sociedade, para que, em suas respectivas atribuições, imprimam preferencial cuidado em relação às crianças e adolescentes" (p. 63).

Portanto, a Constituição Federal de 1988, base de todo ordenamento jurídico, trouxe à tona a Proteção Integral às crianças e adolescentes, onde passou a respeitar primordialmente o processo de crescimento destes enquanto pessoas, vedando.

2.3 Do advento do Estatuto da Criança e do Adolescente

No ano 1990 entrou em vigor a Lei no 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual significou um grande marco legislativo para o nosso País. Nesse sentido, de acordo com o que sustenta Liberati, em sua obra, esta legislação especial “declarou que a criança e o adolescente seriam tratados, juridicamente, como sujeitos de direitos” (p. 13).

Ademais, o autor acentua o seguinte:

[...] agora a criança e o adolescente são considerados "sujeitos de direitos", devem ser respeitados na sua condição peculiar de pessoas emdesenvolvimento e gozam de prioridade absoluta no atendimento de seus direitos" (Liberati, p. 49, 2012).

Isto é, a partir da Carta Magna de 1988 crianças e adolescentes começam a ser protagonistas de seu próprio direito e passam a terem suas necessidades e direitos zelados, com absoluta prioridade, pela família, sociedade e Estado, conforme destaca o artigo 227 da Constituição e, posteriormente, estas garantias essenciais são consagradas também no Estatuto da Criança e do Adolescente (Liberati, p. 13, 2012).

Dessa forma, Liberati, em seu livro, sustenta que o Estatuto da Criança e do Adolescente, no seu artigo 6o, descreve como regra de sua interpretação "(a) os fins sociais da lei; (b) as exigências do bem comum; (c) os direitos e deveres individuais e coletivos; e (d) a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento" (p. 56).

Neste panorama, de acordo com Moreira (texto digital):

Assim, composto por 267 artigos, o ECA tem por princípio a prioridade absoluta da criança e do adolescente. O documento estabelece diretrizessobre os direitos fundamentais da criança e do adolescente, sobre as prevenções de ameaça e violação destes direitos, sobre as ações frentes àspráticas infracionais, sobre o funcionamento dos conselhos e outras.

Importante se faz referir o apontamento da autora Iencarelli, ao dizer que, com a instauração do Estatuto da Criança e do Adolescente:

[...] desaparece a figura “menor”, expressão estigmatizada, e passa-se a falar em crianças e adolescentes, agora como sujeitos de direitos,protegidos juridicamente, devendo estes possuir os mesmos direitos que possuem os adultos e, ainda, contando com direitos especiais advindos dasua condição (p. 40).

Sobre o assunto Amaral e Silva acentuam o seguinte:

[...] de portadores de necessidades, verdadeiros objetos de tutela, crianças e adolescentes passam a ser encarados como sujeitos de direito, portadores de todos os direitos fundamentais e sociais (texto digital).

Ainda, os autores supradestacados sustentam que, com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, não se garante apenas direitos, mas também responsabilidades para crianças e adolescentes, funcionando como um instrumento, de muita importância, de pedagogia social (Amaral e Silva, 1999, texto digital).

Ou seja, assim como o texto Constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu diretrizes que respeitaram a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento como já mencionado e, ainda, reconheceu uma só condição de crianças e adolescentes, detentores estes de direitos e de alguns deveres.

Neste panorama, afirma Saraiva em seu livro:

O Estatuto da Criança e do Adolescente passa a conceber uma única infância, integrada. Reconhece uma só condição de criança e deadolescente enquanto destinatário da norma, titular de direitos e de certas obrigações, sujeito de direitos, pessoas em peculiar condição dedesenvolvimento, estabelecendo uma nova referência paradigmática (p. 16).

Outrossim, importante destacar que a nova ordem que resultou o Estatuto da Criança e do Adolescente se estruturou a partir de três sistemas de garantias, os quais se interligam entre si.

Nesse sentido, conforme acentua Saraiva, o Sistema Primário da conta das Políticas Públicas de Atendimento e está previsto nos artigos 4o e 85/87, o Sistema Secundário, por sua vez, refere-se às Medidas de Proteção as crianças e adolescentes que se encontram em situações de risco, ou seja, enquanto vítimas ou violados em seus direitos, estas medidas estão consagradas nos artigos 98 e 101 do ECA. Por fim, tem-se o Sistema Tercerário, o qual trata das medidas socioeducativas, ou seja, aplicar-se-á este aqueles adolescentes que tiverem cometido algum ato infracional, este sistema consta nos artigos 103 e 112 do ECA (Saraiva, 2003, p. 62/63).

Por esse ângulo, menciona Saraiva:

Este tríplice sistema, de prevenção primária (políticas públicas), prevenção secundária (medidas de proteção) e prevenção tercerária (medidassocioeducativas), opera de forma harmônica, com acionamento gradual de cada um deles (p. 64).

Portanto, a partir da promulgação da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, tem-se um novo sistema, novos procedimentos, os quais priorizam essencialmente à proteção de crianças e de adolescentes, respeitando sempre sua natureza de pessoa em crescimento e evolução.

Para isso, o Estatuto da Criança e do Adolescente garante, segundo Liberati, “medidas de proteção e ações de responsabilidade por ofensa aos seus direitos" (p. 58).

Isto é, o Estatuto da Criança e do Adolescente consolidou em suas normas a Doutrina da Proteção Integral, prevista na Constituição Federal, trazendo, acima de tudo, o respeito à condição de evolução dos jovens, formalizando diretrizes capazes de suprir as necessidades destes, bem como tornando responsáveis para concretizar isso a família, a sociedade e o Estado.

Além disso, o Estatuto, ao responsabilizar jovens que cometem atos infracionais visou estabelecer parâmetros educativos, para que este, além de entender a ilicitude do ato, possa a vir a melhorar como cidadão, com o apoio de sua família, sociedade e Estado.

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