O Direito Tributário e as moedas digitais: Breve estudo a respeito da tributação sobre criptomoedas no Brasil

06/10/2020 às 18:43
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O presente artigo trata de um estudo a respeito das divergências que as critptomoedas geram no meio jurídico tributário, assim como sua natureza jurídica e quais impostos podem ou devem incidir.

                                                                                                                                                                                                                                                RESUMO

O presente estudo tem como objetivo analisar à luz da legislação tributária as criptomoedas quanto aos seus aspectos tributários e sua regulamentação, bem como, discutir a natureza jurídica das moedas digitais, para a possibilidade de incidência de tributos. A utilização de criptomoedas vem gerando divergências jurídicas no âmbito do direito tributário não só internacional, mas também nacional, além de uma grande preocupação em relação a crimes financeiros por falta de regulamentação legal. Tendo em vista tratar-se de matéria ainda não positivada no ordenamento brasileiro, utilizou-se de instrumentos jurídicos para justificar posições a respeito de determinados impostos (ITCMD, IOF, IR, ISSQN, ICMS). A pesquisa contemplou uma abordagem qualitativa e foi realizada sob a forma metodológica indicada para as pesquisas bibliográfica e documental, a partir de um levantamento preliminar da literatura atinente ao tema, bem como da legislação correlacionada ao mesmo.

PALAVRAS-CHAVE: Criptoativos. Tributação de Criptomoedas. Direito Tributário. Regulação de Criptoativos. Criptomoedas.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

                 Evoluir tecnologicamente é uma necessidade da humanidade quando se busca uma melhor qualidade de vida. No mundo digital a evolução acontece na velocidade da luz, literalmente falando, e isso nos gera tanto benefícios quanto grandes desafios, principalmente na área jurídica tributária. Hoje, não apenas o Brasil, mas o mundo sofre problemas quando o assunto adentra na esfera tributária uma vez que os velhos institutos jurídicos começam a não mais fazerem sentido.

                 A internet das coisas (do inglês, Internet of Things, IOT), considerada uma extensão da internet atual juntamente com o auxilio de sistemas embarcados (sistema processado de baixo custo limitado a realizar uma única tarefa), nos trouxeram várias comodidades como, por exemplo, uma geladeira conectada à internet. Já imaginou um eletrodoméstico avisar quando o alimento acaba e já fazer o pedido ao site do seu supermercado favorito? Na medida em que o mundo high-tech facilita a vida da sociedade, ele também põe à prova as leis. Apesar de o Brasil ser recordista em arrecadação de impostos, vale atentar-se que quanto menos emprego menor será a arrecadação tributária.

                Sabemos que se tributa a atividade humana e não a tecnologia, e com o avanço da mesma, pessoas começam a serem dispensáveis para determinados tipos de serviços, e produtos materiais começam a ser transformados em imateriais. O Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) e o Imposto Sobre Serviços (ISS), que apesar de serem matérias bem definidas, começaram a causar divergências nos tribunais. A definição do que é serviço ou produto no mundo digital passou a ser mais complexa, ao ponto de gerar questionamentos jurídicos a respeito do Streaming (forma de transmissão instantânea de áudio e vídeo), o que levou o serviço Spotify, por meio da Lei Complementar 157, a sofrer incidência tributária do ISS.

              Essa nova fronteira mercadológica pode causar alteração de outorga, além disso, como se não bastasse, a revolução digital não para por aí. Um grande problema na atualidade é a incidência de tributos e a regulamentação das criptomoedas, dentre elas a Bitcoin. Com essa moeda é possível contratar serviços, comprar objetos, pagar por alimentos, realizar especulações financeiras e, além disso, possui um poder econômico mais forte que a maioria das moedas convencionais. 

               De maneira geral a crescente onda da popularidade das criptomoedas em todo o mundo está gerando divergências jurídicas no âmbito do direito tributário além de uma grande preocupação em relação a crimes financeiros por falta de regulamentação legal. Como exemplo de países que vêm se preocupando com a inserção das moedas digitais em suas economias podemos citar a China, onde as instituições financeiras são proibidas de negociarem com qualquer moeda digital, os EUA, que regulou a permissão para entrada da Bitcoin como ativo futuro integrante da New York Stock Exchange (NYSE, bolsa de valores americana) e a Austrália que as considerou moedas, exclusivamente, do mundo virtual.

                 No Brasil o Comunicado nº 25.306/2014 veio esclarecer sobre os riscos decorrentes da aquisição das moedas criptografadas e a realização de transações financeiras, ainda, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no Ofício Circular nº 1/2018/CVM/SIN, proibiu a obtenção direta pelos fundos de investimentos regulados não qualificando as criptomoedas como um ativo financeiro devido a indefinição da natureza jurídica e econômica, ao contrário da Receita Federal, que para fins de declaração de Imposto de Renda, equipara moeda digital, inclusive a um bem.

                 Há vários impostos que incidem nas moedas virtuais criptografadas, dentre eles o ISS, ICMS, ITCMD, IR e IOF, diante disso, percebe-se que apesar das divergências legais, a União e os Estados não se intimidam em buscar formas de tributarem, mesmo que possam vir a ser equivocadas. Assim, o problema de pesquisa é o seguinte: Devido a não regulamentação no Brasil, exigir tributo diante da indefinição sobre natureza jurídica das criptomoedas não fere o princípio constitucional tributário da legalidade?

                 A hipótese que norteia a pesquisa encontra-se na legislação tributária de nosso país, juntamente com os projetos de leis, Instruções Normativas e documentos de interesse de que tratam o assunto, incluindo, ainda, os institutos jurídicos tributários que incidem na atualidade sobre as criptomoedas. O estudo proposto possui uma abordagem qualitativa e é realizado sob a forma metodológica, indicada para as pesquisas bibliográfica e documental, tendo sido necessário realizar um levantamento preliminar da literatura atinente ao tema, bem como da legislação correlacionada ao mesmo.

2 DAS MOEDAS FÍSICAS ÀS CRIPTOMOEDAS

                Desde sua origem, ou melhor, da sua primeira cunhagem, a moeda vem sofrendo alterações no tipo do metal utilizado ou em sua forma. Em 2008 em meio a bolha imobiliária que quase derrubou o sistema financeiro mundial, um programador idealizou e divulgou um documento que pretendia criar uma nova moeda independente do Estado, um sistema de dinheiro eletrônico, que na atualidade vem causando incertezas jurídicas. 

2.1 BREVE HISTÓRIA DO SURGIMENTO DA MOEDA FÍSICA NO MUNDO

               Poucos sabem, mas segundo os arqueólogos, as primeiras moedas do mundo surgiram há mais de 4 mil anos antes disso um povo localizado ao sul da mesopotâmia, os Sumérios, criaram um cálculo baseado em valores de referências constantes tornando ouro e prata unidades de medidas de preço, com isso nasce a noção do dinheiro. As primeiras moedas metálicas e o papel-moeda surgiram na China em épocas distintas que remontam respectivamente à Dinastia Zhou (1122-256 a.C) e ao ano 89 antes de Cristo, ainda a ideia do papel-moeda e seu modo peculiar de confecção foram difundidas por missionários cristãos em outras terras, dentre elas África e Grécia Antiga (NEVES, 2018).

             Com o passar do tempo foram adotadas diferentes formas de impressão, cada uma com sua forma, valor e material diferente. No império Romano, por exemplo, o Imperador Cesar (44 a.C.), foi o primeiro a ter seu retrato nas moedas, já no império Bizantino a moeda possuía um caráter sacro. Apesar das mais variadas diferenças, todas tem em comum a seguinte característica: imposição pelos seus governantes (SOUSA, 2018).

2.2 A EVOLUÇÃO DA MOEDA FÍSICA PARA CRIPTOMOEDA

               Antes de 2008 d.C., o mundo conhecia apenas dois tipos de moeda, a metálica e o papel-moeda, após, mais precisamente em 31 de outubro de 2008, surge o primeiro projeto da primeira criptomoeda da história, a BITCOIN (BTC):

[...] uma pessoa ou conjunto de pessoas (não se sabe ao certo) de pseudônimo Satoshi Nakamoto resolveu criar um sistema de transferência de recursos de uma parte à outra sem que fosse necessário qualquer tipo de validação centralizada (bancos, governos ou outras instituições). Esta transferência de recursos ocorreria em ambiente digital. À unidade digital transacionada deu-se o nome de bitcoin e a rede tecnológica que daria suporte às transações passou a ser comumente denominada blockchain, devido ao fato de as diversas transações ocorridas serem registradas de tempos em tempos em blocos sucessivos (KADAMANI, 2018, [s/p]).

                Acredita-se que especialistas em criptografia conhecidos por CypherPunks, termo definido de maneira singular por Silveira (2015, [s/p]) como “[...] um ativista que defende o uso generalizado da criptografia forte como caminho para a mudança social e política.”, são os responsáveis pelo o desenvolvimento da Blockchain “[...] uma infraestrutura tecnológica que permite transações diretas P2P (ponto-a-ponto), com seu código aberto, com validação (mineração) e auditabilidade independentes e sem a necessidade de permissão prévia para fazê-lo, com consenso distribuído e registros imutáveis” (PADOVAM, 2018, [s/p]). Ou, de uma forma mais simplificada por Revoredo (2018, [s/p]) onde diz que a “[...] Blockchain (‘cadeia de blocos’ em inglês) é um banco de dados distribuídos, com a função de um livro-razão de contabilidade pública (saldos e transações de contas), onde são registradas as transações Bitcoin.”.

                  Hoje as criptomoedas possuem diversas utilidades, seja para comprar uma pizza ou até mesmo um carro e, ao que tudo indica, essa nova ideia de moeda veio para ficar. Não é a toa que atualmente existem milhares de criptos e todos os dias surgem novas ICOs:

[...] abreviatura de Initial Coin Offering (Oferta inicial da moeda). É igual a um IPO. Isso significa que alguém oferece aos investidores algumas unidades de uma nova criptomoeda ou um cripto-token em troca de Bitcoin ou Ethereum, na maioria das vezes. Desde 2013, os ICOs são freqüentemente usados para financiar o desenvolvimento de novas criptomoedas, levantar capital para que o projeto se torne realidade (SÁ, 2017, [s/p]).

                  Atualmente, as moedas digitais mais famosas e valiosas do mercado financeiro são as Bitcoins, Ethereum, Bitcoin Cash, Ripple e EOS, chegando a variarem de 50 centavos de dólar a US$20.000 dólares americanos no frenesi de 2017. Segundo Quandt (2018, [s/p]) “Não é fácil ficar a par do mundo das criptomoedas. Os preços são voláteis e a quantidade de novos projetos lançados é gigantesca.”. De acordo com o site Crypto Valley, um dos sites mais importante do mundo sobre o assunto, até Junho de 2018, já se constatava o dobro das ICOs lançadas em todo ano de 2017.

2.3 CRIPTOMOEDAS NO CENÁRIO INTERNACIONAL

              Desde a sua primeira criação, as reações pelo mundo são das mais diversas, na China por exemplo, já houve a proibição de ICOs por acreditarem que estavam afetando a ordem econômica e financeira no país, além disso chegou a proibir transações utilizando a Bitcoin, no entanto recentemente, o Tribunal de Arbitragem Internacional de Shenzhen a reconheceu como uma propriedade permitindo que indivíduos e empresas transacionem a criptomoeda em questão.

             Nos Estados Unidos, em 2017, estrearam na Bolsa de Opções de Chicago as primeiras negociações em mercado futuro de Bitcoin. Segundo Yudina (2017, [s/p]) “Durante 2017, a capitalização total de todas as criptomoedas apresentou um crescimento entre 17,7 bilhões de dólares (R$ 58 bilhões) e 400 bilhões de dólares (R$ 1.3 trilhões), o preço do bitcoin aumentou mais de 1500 por cento.”. Ainda no mesmo ano, na Venezuela, o então presidente, na tentativa de salvar a economia do país, apresentou a Petro, uma criptomoeda estatal baseada em riqueza de petróleo, gás, ouro e diamantes. No ano de 2018, o Presidente Norte Americano proibiu qualquer pessoa americana ou que estivesse em território americano de realizar transações financeiras que envolvessem moedas digitais relacionadas com o governo venezuelano.

             Hoje, na Espanha é possível pagar as férias apenas com criptos, graças a uma empresa espanhola e outra cubana que criaram a Cubaaz Coin, uma moeda própria para o setor turístico. Mesmo ainda não existindo uma estrutura regulatória, em junho de 2018, foi aprovado por unanimidade um projeto de lei onde um documento, segundo Gusson (2018, [s/p]) “[...] pede uma revisão dos regulamentos relativos às criptomoedas, propondo a introdução da tecnologia no mercado espanhol através de ‘ambientes de teste controlados’ [...]”. Nota-se um importante avanço que possibilita uma oportunidade de demonstração do quanto as cryptocurrencys podem influenciar a economia turística de um país.

2.4 CRIPTOMOEDAS NO ÂMBITO BRASILEIRO

             Um dos grandes problemas da atualidade, principalmente no Brasil, é definir se as criptomoedas são um ativo, uma comódite, um bem ou realmente uma moeda. Essa dificuldade da definição é o que impossibilita hoje em dia a entrada dessas moedas digitais, assim como nos Estados Unidos, na bolsa de valores brasileira. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM)[6], em janeiro de 2018, divulgou ofício proibindo gestores e administradores de fundos de investirem em criptomoedas. Mais tarde, em setembro de 2018, a mesma publicou uma circular para esclarecer que os fundos poderiam realizar investimos indiretos em criptomoedas no exterior.

[...] no Brasil, por conta do caráter federativo e constitucionalmente rígido do sistema de repartição das competências tributárias, em que os conceitos utilizados pela Constituição para a outorga de competências tributárias têm grande relevância, todas e cada uma dessas possibilidades interpretativas têm de ser levadas em conta antes de se poder descer ao exame da legislação relativa a cada tributo. Não se pode recorrer às leis complementares e ordinárias antes de chegar o mais próximo possível de esgotar o enfrentamento constitucional da matéria (FOLLADOR, 2017, p.101).

             Para o direito brasileiro, a legislação atual não permite a criação de moedas complementares, uma vez que o Estado precisa manter o controle a fim de evitar que a moeda corrente, o Real, se desvalorize. É certo que a utilização de uma cripto pode gerar a falta de interesse dos usuários e por em desuso a forma convencional da moeda nacional, ameaçando a economia do país. Mesmo não sendo considerado dinheiro no Brasil, a Receita Federal manifestou-se a respeito disso em seu livro de “perguntas e respostas” no ano de 2017, esclarecendo que as moedas virtuais deveriam ser declaradas na ficha de bens e direitos, uma vez que as consideravam um ativo financeiro mesmo a CVM entendendo o contrário.

4 NATUREZA JURÍDICA DAS CRIPTOMOEDAS

 

              Uma criptomoeda nada mais é do que uma remuneração, ou melhor, uma premiação, para àqueles mineradores que conseguem resolver um problema matemático de um Blockchain e a grande questão em nosso país é saber se essa “premiação” vem a ser uma moeda ou um bem. Do ponto de vista Estatal, para que uma criptocurrency venha a ser considerada moeda, é necessário que seja instituída por lei, ou seja, que exista condições por disposições legais, o que atualmente em nosso país não existe, sendo a oficial do Brasil o Real nos termos do art.1º da Lei 9.069/95.

              É interessante salientar que as moedas eletrônicas definida no art. 6º, inciso VI da Lei 12.865/2013 como “recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento” (BRASIL, 2013). Não se confundem com as criptomoedas, uma vez que estas, de acordo com o BACEN, no item 5 do Comunicado 31.379/2017, “não são referenciadas em reais ou em outras moedas estabelecidas por governos soberanos.”

               Sendo assim, de acordo com o Regulamento para declaração de Imposto de Renda no item 447 nos resta a ideia de que uma moeda digital é um bem conforme proposto pela Receita Federal do Brasil:

As moedas virtuais (bitcoins, por exemplo), muito embora não sejam consideradas como moeda nos termos do marco regulatório atual, devem ser declaradas na Ficha Bens e Direitos como “outros bens”, uma vez que podem ser equiparadas a um ativo financeiro. Elas devem ser declaradas pelo valor de aquisição (BRASIL, 2016, [s/p]).

                  Ainda de acordo com o art. 5º, inciso I, disposto na Instrução Normativa nº 1.888, de 3 de maio de 2019, em sua redação trouxe a seguinte definição sobre criptoativo:

[...] a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal (BRASIL, 2019, [s/p]).

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                Nota-se que, ao final do inciso supracitado a IN, deixa claro que criptomoeda “não constitui moeda de curso legal”, logo, não nos restando outra opção a não ser tratá-la como um bem ou um ativo em nosso âmbito jurídico da atualidade. Ocorre, que antes dessa Instrução, mais precisamente, em 09 de outubro de 2019, o Superior Tribunal de Justiça já havia proferido no julgamento do Recurso Especial nº 1.696.214 - SP, pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze, no sentido de que operação financeira envolvendo criptomoeda seria um negócio jurídico de transmissão de um bem móvel.

5 REGULAÇÃO DAS CRIPTOMOEDAS

 

                Em 2017, dia 17 de dezembro, a criptomoeda mais conhecida do mundo causou alvoroço a chegar ao valor de $19.666,00 dólares fazendo com que várias pessoas prestassem mais atenção na Bitcoin, a precursora das moedas digitais. No entanto, assim como qualquer ativo no mercado financeiro, ela possui bastante volatilidade e até o presente trabalho de conclusão de curso, ela não conseguiu romper esse patamar de valor, o que fez provavelmente, muitas pessoas perderem bastante por comprarem, naquele dia, acreditando que o preço aumentaria.

                A Bitcoin é o único criptoativo presente na bolsa norte americana, sendo a única no mundo que é assegurada por um mercado financeiro, ou seja, que não corre risco de deixar os especuladores sem uma garantia caso ela venha deixar de existir. Como já é de conhecimento de investidores, existem várias outras criptomoedas pelo mundo sendo transacionadas em exchanges específicas, inclusive do próprio EUA, a exemplo das siacoin, decred e iota.  O maior problema de investir em uma cripto que não seja a BTC é que, caso a empresa venha a falir ou “desapareça do mapa”, o investidor terá um prejuízo de 100% do que investiu, além de não ter a quem recorrer para recuperar o dinheiro que havia empregado. Tal fato não é difícil de acontecer, na realidade quase todos os dias surgem casos como o da startup Prodeum que desapareceu do dia para noite, levando milhões de dólares de seus investidores em janeiro de 2018.

                Além desse risco, os interessados em investirem, mas que não tem conhecimento para isso, tendem a recorrer a especialistas que prometem altos rendimentos, mas que, na realidade, são esquemas de pirâmides financeiras (também conhecido como esquema Ponzi) como foi o caso da Trader Group Investimentos, empresa brasileira que chegou a prometer ganhos de 35,38% mesmo quando a Bitcoin estava em 16,05% negativa, em um certo período de meses, no ano de 2018.

                 Apesar de ter uma ideologia libertária, vem a ser necessária, infelizmente, a regulamentação desses criptoativos espalhados pelo mundo, uma vez que é dever do Estado buscar proteger os interesses da sociedade, principalmente daquelas pessoas que vem sendo ludibriadas por pseudo-investidores. No inicio da bitcoin, a internet era considerada terra sem lei, mas, na atualidade, alguns países já estão começando a legislarem sobre o assunto.

5.1 REGULAÇÃO PELO MUNDO

                Na atualidade os países em geral, encontram-se ainda sem saberem o que fazer a respeito dessas moedas digitais, uma vez que têm duvidas se liberam ou proíbem, assumindo uma postura basicamente neutra. Dentre os países que estão começando a tomarem uma posição interessante sobre criptomoedas, temos a Austrália que regulamentou por meio da AUSTRAC[11] a implementação de corretoras de criptomoedas no país visando proteger e minimizar os danos causados por criminosos a investidores.

               Nos Estados Unidos, a questão das moedas digitais vem passando por uma análise de seu enquadramento ou não como valores mobiliários, apesar da Bitcoin atualmente fazer parte da NYSE (New York Stock Exchange), a bolsa de valores mais importante do mundo, enquanto que no Japão as criptomoedas foram legalizadas como meio de pagamento desde abril de 2017, além disso, esse país regulamentarou a abertura e manutenção das corretoras.

               Observa-se que vários países vêm tentando buscar uma solução adequada para a regulação das criptos, poucos buscam proibirem e a maioria tenta utilizar essa tecnologia de maneira positiva mesmo que ainda não legalizando por completo.

5.2 REGULAÇÃO NO BRASIL

 

               No Brasil, a regulamentação não difere muito dos outros países, mas não significa dizer que ele se encontra inerte a respeito do assunto. Projetos de leis e instruções normativas vêm tentando regulamentar as famosas moedas, infelizmente de maneira errônea, a exemplo do primeiro Projeto de lei 2.303/2015 que tentou equiparar criptomoedas a programas de milhas, não indo adiante por terem tecnologias e funções diferentes.

               Em 2017, o Banco Central do Brasil, trouxe um “alerta sobre os riscos decorrentes de operações de guarda e negociação das denominadas moedas virtuais” no Comunicado BACEN nº31.379:

Considerando o crescente interesse dos agentes econômicos (sociedade e instituições) nas denominadas moedas virtuais, o Banco Central do Brasil alerta que estas não são emitidas nem garantidas por qualquer autoridade monetária, por isso não têm garantia de conversão para moedas soberanas, e tampouco são lastreadas em ativo real de qualquer espécie, ficando todo o risco com os detentores. Seu valor decorre exclusivamente da confiança conferida pelos indivíduos ao seu emissor (BRASIL, 2019, [s/p]).

              Sendo assim, qualquer interessado em investir em Bitcoin, por exemplo, por meio de alguma corretora nacional, deve estar ciente de que, caso ocorra algum problema, existe uma imensa probabilidade de que o dinheiro investido se perca na totalidade. Mas a apresentação de um importante Projeto de Lei nº 2.060/2019, no dia 4 de abril de 2019, caso seja aprovado, poderá alterar o rumo das negociações do criptoativo em nosso país. Tal proposta “dispõe sobre o regime jurídico dos criptoativo” e em seu texto traz além de uma definição de criptomoedas a regulamentação de corretoras e a tipificação penal para aqueles que utilizarem a moeda de forma ilícita, sendo até o momento, o primeiro projeto que trouxe, de maneira sóbria e fundamentada, ideias relevantes com soluções adequadas para a problemática das moedas digitais.

             Sobre esse Projeto de Lei, Rodrigues e Teixeira (2019) esclarecem como ele poderá alterar a realidade atual das negociações no Brasil, se aprovado:

[...] o PL 2.060/2019 reconhece a licitude da emissão e circulação de criptomoedas e criptotokens (art. 3º) por pessoas jurídicas estabelecidas em território nacional (art.4º, caput), remetendo à legislação específica a emissão de criptoativo que por sua natureza – por exemplo, classificam-se como valores mobiliários previstos na Lei 6.385/76 – submetam-se a outras disposições legais. (RODRIGUES; TEIXEIRA,2019, p.76)

             Ainda explicam a preocupação do projeto em tratar dos aspectos penais para inseridos no art. 292-A do Código Penal:

[...] além de ajustar a modalidade de crime contra a economia popular atualmente previsto no inciso IX do artigo 2º da Lei 1.521/51 (o qual é revogado, sendo inserido o artigo 2º-A em seu lugar), para dar tal conotação criminosa à utilização de especulações ou meios fraudulentos (como pirâmides ou equivalentes) para obtenção ou tentativa de obtenção de ganhos ilícitos em detrimento de uma coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, numa clara tentativa de evitar a utilização das criptomoedas como meio de prometer aos incautos ganhos irrazoáveis ou mesmo fantasiosos (RODRIGUES; TEIXEIRA, 2019, p.76).

             Dessa maneira, não restam dúvidas de que apesar do Brasil ainda não ter uma regulação relevante sobre as moedas digitais, os nossos legisladores estão cada vez mais se aprofundando no assunto e entendo que essa realidade deve ser regulada de maneira correta em prol de uma sociedade e de uma melhor aplicação dessa relevante tecnologia que vem se tornando um dos principais assuntos, em nosso país e no mundo, ao tratar de questões financeiras, principalmente sobre o impacto que ela pode vir a causar, tanto é que por recomendação do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Central, em uma nota para imprensa externou:

O Comitê de Estatísticas de Balanço de Pagamentos, órgão consultivo sobre metodologia das estatísticas do setor externo ao Departamento de Estatísticas do Fundo Monetário Internacional (FMI), recomendou classificar a compra e venda de criptoativos (especificamente aqueles para os quais não há emissor) como ativos não-financeiros produzidos, o que implica sua compilação na conta de bens do balanço de pagamentos. A atividade de mineração de criptomoedas, portanto, passa a ser tratada como um processo produtivo.

[...] Por serem digitais, os criptoativos não tem registro aduaneiro, mas as compras e vendas por residentes no Brasil implicam a celebração de contratos de câmbio. As estatísticas de exportação e importação de bens passam, portanto, a incluir as compras e vendas de criptoativos (BACEN, 2019, [s/p]).

             Resumindo, o respectivo documento publicado pelo Banco Central (BACEN), veio a classificar as criptomoedas como “ativos não-financeiros produzido”, incluindo as compras e vendas na balança comercial, tudo isso por perceber que os criptoativos estão contribuindo para redução do superávit comercial, chegando o déficit em transações a US$9 bilhões  em julho deste ano (2019). Percebe-se, então, que existe uma preocupação do Governo Brasileiro em relação às moedas digitais, e tudo indica que uma regulamentação está próxima de acontecer.

 

6 ASPECTOS TRIBUTÁRIOS

 

            Quanto aos aspectos tributários, após o posicionamento tomando pela Receita Federal do Brasil, a atenção foi dirigida aos que possuem ou pretendem possuir criptomoedas, no tocante às obrigações legais impostas pela norma tributária do nosso país. Conhecer as obrigações jurídicas é de suma importância, uma vez que o descumprimento da legislação pode vir a gerar além de multas cobrança de eventuais tributos.

 

6.1 DEFINIÇÃO DE TRIBUTO

            Diferente de outros ramos do direito, essa área tributário possui uma peculiaridade, uma vez que a definição de tributo não parte de doutrinadores, mas sim do próprio Código Tributário Nacional (CTN) em seu artigo 3º onde “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” (BRASIL, 1966, [s/p]).

            Percebe-se que os legisladores realizaram uma definição que não lhes cabia, sendo essa a função de doutrinadores a exemplo de Sabbag (2017, p.124) que define “em síntese, o tributo é prestação pecuniária, exigido de maneira compulsória, instituído por lei e cobrado mediante lançamento. Machado Segundo (2018, p.33) esclarece que “a palavra tributo, que às vezes é usada para designar (i) a norma que institui o dever de pagar certa quantia ao Estado, (ii) a obrigação decorrente da incidência de tal norma, (iii) a quantia em dinheiro usada no adimplemento respectivo etc.”.

            O entendimento sobre esse conceito é importante para que se possa justificar a incidência dos tributos sobre as criptomoedas, uma vez que ao detalharmos o art. 3º do CTN percebemos as seguintes características ao tratarmos de criptomoedas:

a) Prestação pecuniária: é a obrigação de prestar dinheiro ao Estado, ou seja, o pagamento deve ser feito na moeda corrente e não in natura. A Receita Federal estabeleceu que criptomoeda é um bem móvel, logo, não há o que se falar de pagamento de tributos em moedas virtuais, impossibilitando, inclusive a ideia da dação em pagamento, previsto no art. 156, XI do Código Tributário Nacional, já que a extinção do crédito tributário deve ser dar apenas por meio de bens imóveis.

b) Prestação compulsória: significa dizer que a supremacia do interesse público prevalece sobre a do privado, o privado é obrigado à prestação, como por exemplo, na Instrução Normativa RFB 1888/19, que em sua redação de acordo com o art. 6º, obriga a pessoa física ou jurídica a prestar informações quando as operações com criptoativos ultrapassarem o valor mensal de R$30.000,00.

c) Não constituição de sanção de ato ilícito: destarte já podemos antecipar que tributo não é multa, mas caso o comportamento devido não tenha sido realizado de maneira correta, deve-se existir uma penalidade para o não cumprimento da obrigação devida. No texto do Capítulo VI da IN RFB 1888/19, podemos constatar as penalidades para quem não cumprir com as obrigações derivadas das operações com os criptoativos.

d) Prestação instituída por lei: a obrigatoriedade de um pagamento de tributo deve advir de texto legal previamente instituído, logo, como já é perceptivo, a Instrução Normativa 1888/19 trouxe pela primeira vez uma regulação eficaz para assunto das moedas digitais.

e) Cobrança mediante atividade administrativa plenamente vinculada: Nesse caso é permitido àquele que é obrigado à prestação, discutir administrativamente ou judicialmente o pagamento do tributo. No caso, como as criptomoedas ainda não estão definidas por leis, apesar existir a IN RFB 1888/19 que vem ajudando a direcionar certos problemas, pode o contribuinte buscar os meios legais para que não sofra coerção para recolhimento do tributo.

6.2 OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

               Antes de tratar a respeito da incidência de tributos sobre criptomoedas é válido ressaltar que a obrigação tributária de acordo com o art. 113 do CTN pode ser principal ou acessória, assim como consta no texto legal:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária. (BRASIL, 1966, [s/p])

             Em 2018, a Receita Federal abriu uma consulta pública sobre criptoativos no Brasil para tentar identificar omissão ou sonegação de impostos, ficando conhecida como Consulta Pública RFB nº 06/2018, em seu texto trouxe:

Propõe-se a criação de obrigação acessória para que as exchanges de criptoativos (empresas que negociam e/ou viabilizam as operações de compra e venda de criptoativos) prestem informações de interesse da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) relativas às operações envolvendo criptoativos, além de prever a declaração por parte de pessoas físicas e jurídicas quando utilizarem exchanges no exterior ou não utilizarem ambientes disponibilizados por exchanges para as transações envolvendo criptoativos.

[...] 5. Dessarte, os números, e o crescimento anual dos mesmos, demonstram a relevância do mercado de criptoativos no País, principalmente para a administração tributária, tendo em vista que as operações estão sujeitas à incidência do imposto de renda sobre o ganho de capital porventura auferido.

[...] 11. Por fim, com a instituição de obrigação acessória para que as exchanges prestem informações relativas às operações de compra e venda de criptoativos, busca-se viabilizar a verificação da conformidade tributária, além de aumentar os insumos na luta pelo combate à lavagem de dinheiro e corrupção, produzindo, também, um aumento da percepção de risco em relação a contribuintes com intenção de evasão fiscal. (BRASIL, 2018, [s/p])

              Com o conceito de tributo e a ideia da natureza jurídica da criptomoeda tratado, em tópicos anteriores, podemos ter noção de quais impostos podem incidirem e quais não teriam fundamento em serem cobrados, uma vez que, na atualidade, as moedas digitais são tratadas como bens móveis e não moedas. Argumenta nessa direção Rodrigues e Teixeira (2019, p.142), mostrando a importância de saber diferenciar as obrigações tributária e como isso pode afetar na cobrança e na aplicação de multas:

[...] o conhecimento das diferentes obrigações tributárias relacionadas a essa classe de ativos tem uma notoriedade especial, uma vez que descumprimento da legislação pode ocasionar tanto a cobrança dos tributos eventualmente devidos, quanto a aplicação de multas pelos órgãos de fiscalização, em especial pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB).

                 Após a consulta pública de 2018, a Receita Federal editou a IN RFB 1888/2019 apresentando em sua redação no que diz respeito às obrigações acessórias em se tratando penalidades o seguinte:

A pessoa física ou jurídica que deixar de prestar as informações a que estiver obrigada, nos termos do art. 6º, ou que prestá-las fora dos prazos fixados no art. 8º, ou que omitir informações ou prestar informações inexatas, incompletas ou incorretas, ficará sujeita às seguintes multas, conforme o caso:

[...] III - pelo não cumprimento à intimação da RFB para cumprir obrigação acessória ou para prestar esclarecimentos nos prazos estipulados pela autoridade fiscal, o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês-calendário;

[...] § 3º A multa prevista no inciso I do caput será reduzida à metade nos casos em que a obrigação acessória for cumprida antes de qualquer procedimento de ofício (BRASIL, 2019, [s/p]).

               Diante do exposto, nota-se que o fato da necessidade de declarar os criptoativos no imposto de renda, nos termos da Instrução Normativa 1888/2019, decorre da obrigação tributária acessória como explicado acima, se tornando obrigação principal caso não seja declarado ou ocorra omissão.

6.4 CRIPTOMOEDAS E O PRINCIPIO DO PECUNIA NON OLET

               Desde do início, as criptomoedas, principalmente a Bitcoin, sempre esteve associada com o submundo da internet, a deep web[12]{C}, funcionando como uma moeda para práticas de crimes, que variam desde um simples hacking à encomendas de homicídios. No entanto isso deixou de ser exclusividade dessa área não indexada da internet e hoje é possível se utilizar das moedas digitais para atividades lícitas, como por exemplo, pagar por shows de artistas renomados da música brasileira.

              Mesmo, que a moeda digital venha a ser utilizada apenas para prática de ilícitos como, por exemplo, lavagem de dinheiro, nos termos da Instrução Normativa nº 1888/2019 da Receita Federal Brasileira, após ultrapassar a quantia de R$30.000,00 (trinta mil reais) mensal, esse valor deverá ser informado na declaração do Imposto de Renda, tal fato é possível devido a um consagrado princípio do direito tributário, o pecúnia non olet (dinheiro não tem cheiro), segundo o qual o tributo deve incidir sobre o dinheiro lícito e o que vem ser obtido de maneira ilícita ou imoral, também. A respeito, Revoredo (2019) explica:

[...] ‘pecunia non olet’, isto é, ‘dinheiro não tem cheiro’, segundo a qual a origem do valor econômico não importa, sendo suficiente que o aumento de patrimônio exista para que haja a incidência de tributo.

[...] O princípio da isonomia também reforça essa explicação, pois não seria razoável que se cobrasse tributo sobre os ganhos lícitos, e não dos ilícitos (REVOREDO, 2019, [s/p]).

             Desta forma, entendemos que para que ocorra a incidência de um tributo pouco importa sua origem ou fonte, ou seja, para a legislação tributária tanto faz se os ganhos obtidos com criptomoedas são ilícitos ou lícitos, de toda forma poderá ser tributado.

6.5 INCIDÊNCIAS DE TRIBUTOS SOBRE CRIPTOMOEDAS

             De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no ranking de países que mais tributam na América Latina, o Brasil aparece em segundo lugar, logo podemos perceber que as criptomoedas não ficariam de fora por muito tempo, ainda mais depois da Instrução Normativa da Receita Federal nº 1888/2019 e da posição tomada pelo Banco Central a respeito das moedas digitais. Mas para que elas sejam tributadas é necessário entender quando um tributo poderá ser cobrado. De acordo com o Código Tributário Nacional:

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível (BRASIL,1966, [s/p]).

              Sendo assim, entende-se que a obrigação se torna exigível somente após o lançamento com a constituição do crédito tributário podendo então a fazenda fazer-se requerer o tributo devido. No que tange tributação sobre criptomoedas, várias indagações podem ser feitas, como por exemplo: Já que a Receita Federal Brasileira (RFB) tratou a criptomoeda como um bem, é possível incidir Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) quando o assunto tratar de herança? A respeito da compra e venda de criptomoedas o Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) deve incidir? É possível a incidência de tributos municipais sobre os criptoativos?

              Questões como vem sendo levantadas todos os dias por tributaristas e juristas no geral, uma vez que o excesso de tributação pode impactar a evolução das moedas digitais, em contrapartida a não incidência tributos e a falta de regulação pode impactar a saúde financeira do País, assim como pôde confirmar o Banco Central do Brasil em nota para imprensa sobre as estatísticas do setor externo do dia 26 de agosto de 2019.

              Além disso, quando se trata da área tributária, existe a questão de qual ente federado será competente a tributar, assim como doutrina Sabbag (2016, [s/p]) “A competência tributária é a habilidade privativa e constitucionalmente atribuída ao ente político para que este, com base na lei, proceda à instituição da exação tributária”. Com a Instrução Normativa da Receita Federal nº 1888/2019, temos certeza, agora, de que a incidência do Imposto de Renda sobre o valor que ultrapassar 30 mil reais é legal, sendo assim aquele que não cumprir com o adimplemento, será penalizado com multa.

              Também, a Nota de Imprensa, publicada pelo BACEN ao reconhecer as moedas digitais como criptoativos, estabeleceu que as compras e vendas por residentes no Brasil implicam em contratos de câmbio, ou seja, ao fazer isso, entende-se que o Banco Central, agora, passa a permitir que o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incida sobre as criptomoedas.

             No que tange ao Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens e Direitos (ITCMD), por se tratar de imposto estadual existe dúvida sobre competência e a possibilidade de incidência sob os criptoativos. Após do posicionamento tomando pela Receita Federal, assim como também pelo BACEN, a respeito da moeda digital, não resta dúvidas de que o respectivo imposto poderá incidir, já quanto a competência:

Quando a transmissão é de bens móveis, títulos e créditos, é necessário fazer uma distinção. Se a transmissão é decorrente de sucessão causa mortis, o ITCMD compete ao Estado (ou Distrito Federal) em que se processar o inventário ou arrolamento. Já se a transmissão decorrer de doação, competente será o Estado (ou Distrito Federal) em que tiver domicílio o doador. Ambas as regras decorrem do art. 155, § 1º, II. Assim, se alguém falece e tem seu inventário processado em São Paulo, à, este Estado caberá o ITCMD, mesmo que relativo a bens móveis localizados em Buenos Aires/PE. Da mesma forma, se alguém domiciliado em Remígio/ PB doa títulos e créditos a alguém domiciliado no Rio de janeiro, o ITCMD pertencerá ao Estado da Paraíba. Segundo o art. 155, § 1º, III, da CF/1988, o imposto terá competência para sua instituição regulada por lei complementar se o doador tiver domicílio ou residência no exterior ou se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior. Como a lei complementar reclamada pelo dispositivo ainda não foi editada, os Estados têm se utilizado da autorização do art. 24, § 3º, da CF/1988 e exercido a competência legislativa plena, disciplinando a situação por lei própria (ALEXANDRE, 2017, p. 689-690).

            Como um dos exemplos mais recentes, o Projeto de Lei nº834 de 2019 do Estado de São Paulo visa alterar a lei estadual que institui o Imposto sobre Transmissão "Causa Mortis" e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos, incluindo em seu texto legal a possibilidade da sujeição dos criptoativos ao ITCMD:

Artigo 1º - Acrescente-se o inciso IV ao artigo 3º da Lei nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000, com a seguinte redação:

Artigo 3º – Também sujeita-se ao imposto a transmissão de:

[...]

IV – criptoativo, assim considerado como a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia ou de tecnologia de registro distribuído, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a bens ou serviços, e que não constitui moeda de curso legal.”(NR) (SÃO PAULO, 2019, [s/p]).

              Como uma das justificativas o autor do projeto, utilizou-se justamente do posicionamento adotado pela RFB através da Instrução Normativa nº 1.888/2019:

Assim, em nome do princípio da estrita legalidade tributária, a proposta pretende incluir, expressamente, na legislação pátria, a incidência de imposto na transmissão de criptoativo, seja por sucessão legitima ou testamentária, seja por doação, por se tratar de algo que se traduz em patrimônio, de modo a afastar qualquer dúvida sobre o tema (SÃO PAULO, 2019, [s/p]).

               Quanto aos demais impostos, ainda não há o que se falar do Imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços (ICMS) e o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), no tocante a criptoativos uma vez que tudo o que se tem são apenas opiniões de estudiosos sobre o assunto, ou seja, não existe nenhum dispositivo legal relevante sobre a incidência desses tributos sobre as moedas digitais até o presente momento.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

               Por ser, por enquanto, uma matéria de difícil tratamento na área jurídica de nosso País, mas já com alguns posicionamentos a respeito, percebe-se que as criptomoedas começaram a chamar mais atenção dos legisladores, ao ponto de obrigarem a Receita Federal do Brasil e o BACEN a definirem como um bem móvel e um criptoativo, visando atenuar certos crimes e diminuir os danos que vem sendo causados a saúde financeira do Brasil. Tais instituições, ao buscarem a uma melhor definição conseguiram normatizar a incidência de alguns impostos presentes em nossa legislação tributária.

               Apesar da ideia sobre regulação ir de encontro à corrente libertária, diante das indecisões a respeito da natureza jurídica e econômica das cryptocurrencys (em português, criptomoedas) e a sua crescente popularidade, faz-se necessário um posicionamento legal firme que descontrua as incertezas decorrentes das divergências entre tribunais e juristas do nosso país. Não se pode mais ignorar que esse ativo em breve poderá impactar significativamente a economia brasileira, como já se constatou em uma nota para imprensa, tratada no presente trabalho, publicada pelo Banco Central onde informou que as negociações com o criptoativo causaram o déficit em transações de aproximadamente US$9 bilhões em julho deste ano (2019).

               As criptomoedas devem ser bem conceituadas e regulamentadas com o objetivo de gerarem liquidez econômica e segurança jurídica para àqueles que as utilizem, para compras de bens em geral, para trades (especulações financeiras) através de exchanges (mercado de cambio) ou em fintechs (do inglês, finance and technology, finança e tecnologia), empresas que aplicam tecnologias a serviços e produtos financeiros, nacionais e internacionais.

               No que tange ao direito tributário, ao ser tratada como um bem móvel, no termos da IN nº 1.888/2019, a criptomoeda, se tornou passível de sofrer incidências de determinados impostos, sendo que através de um instrumento do ordenamento jurídico, não ferindo, assim, o princípio constitucional tributário da legalidade. É relevante, salientar que apesar do dinheiro não ter cheiro, de acordo com o princípio do Pecunia Non Olet, outrora referido, para que uma moeda digital fosse de fato tratada como uma moeda corrente, o que não é, ela deve ser instituída por lei.

               De fato, é inegável que as transformações da sociedade forçam os legisladores a tomarem providencias sobre as mudanças correntes. Assim como o próprio computador pessoal foi esnobado (década de 80), para não dizer desacreditado, e hoje é essencial na maioria das casas brasileiras (e do mundo), as criptomoedas, que  nasceram com a ideologia diversa do Estado, mas começaram a fazer diferença. Em seu pouco tempo de existência vem causando preocupações e se tornando cada vez mais utilizadas pela pessoas físicas e jurídicas.

               Diante do exposto, observamos que a preocupação dos legisladores brasileiros, em tributar, deu inicio a uma possível regulação das criptomoedas, fazendo-nos acreditar que, mais cedo ou mais tarde, as moedas digitais serão utilizadas de maneira legal e positiva, ajudando a impulsionar a economia nacional de alguma maneira que ainda não se encontra tão clara e ainda se adequando aos interesses de uma sociedade a nível global.

               Mesmo, o Brasil sendo um dos países que possuem uma das maiores cargas tributárias do mundo, frisa-se que a importância e necessidade de pagar impostos advêm dos custos com educação, saúde, transporte, segurança e demais necessidades de uma população, logo, mesmo que ainda não existam normas que tratem diretamente sobre a incidência de impostos sobre criptomoedas, sabemos que elas virão no momento oportuno.

 

 

THE TAX LAW AND DIGITAL COINS: A BRIEF STUDY ABOUT CRYPTOCURRENCY TAXATION IN BRAZIL

 

                                                                      ABSTRACT

This study aims to analyze the cryptocurrencies based on the tax legislation regarding their tax aspect and their regulation, as well as to discuss the legal nature of digital curriencies for the possibility of tax incidence. The utilization of cryptocurrencies has being generating legal differences not only in the range of international tax law but also in the national tax law, as well as a great preoccupation related to financial crimes due to the lack of legal regulation. Given that this is not yet positive in the Brazilian system, legal instruments were used to justify the positions regarding certain taxes (ITCMD, IOF, IR, ISSQN, ICMS). The research contemplated a qualitative approach and was carried out in the methodological form indicated for bibliographic and documentary research, from a preliminary survey of the literature related to the theme, as well as legislation related to that.

KEYWORDS: Cryptoactive. Taxation of Cryptocurrencies. Tax Law. Cryptoactive Regulation. Cryptocurrencies.

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Sobre o autor
Olavo Leite

Advogado, especializando em Direito do Trabalho, entusiasta em direito digital e graduado em redes de computadores.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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