A condenação sem provas é uma afronta ao Estado Democrático de Direito. Equivale ao retorno da Santa Inquisição. De um lado, basta a denúncia de alguém e de outro lado, a mera opinião pessoal do julgador, bem ao estilo de Tomás de Torquemada, o Inquisidor.
A última peripécia de alguns membros do Supremo aconteceu nessa segunda, 06.10.2020. Por três votos a dois, a 2ª Turma do STF acatou irresponsável acusação da Procuradoria Geral da Republica - PGR, no sentido de que o ex-senador Valdir Raupp teria recebido vantagem indevida de R$ 500 mil, a titulo de doação eleitoral da Queiroz Galvão, na campanha eleitoral de 2010. Importante lembrar que doações eleitorais empresariais passaram a ser proibidas a partir das eleições de 2016.
A impropriedade da acusação da PGR é natimorta, começando pelo valor envolvido: R$ 500 mil. Até as pedras dos rios sabem que numa reeleição de senador, que já foi governador (situação comum no Senado Federal), esse valor é insignificante para o candidato, principalmente quando a doação for proveniente de empresa do porte de uma Queiroz Galvão nos idos de 2010. No caso, por qualquer ângulo que se analise a questão, não haveria a menor necessidade de "simular" a doação de meros R$ 500 mil ao Diretório Regional do PMDB, em vez de fazer diretamente ao candidato. É dizer: essa conta não fecha, não faz qualquer sentido.
Ocorre que a referida - e modesta - doação foi destinada ao Diretório Regional do PMDB em Rondônia, devidamente registrada, documentada, não havendo qualquer prova de irregularidade (como demonstrado por dois ministros que votaram em sentido contrário). A condenação ocorreu com base em delirante ilação do ministro Fachin, por meio de teratológico voto que entendeu - acreditem! - que a doação foi simulada. O ministro Fachin deve ter incorporado o espírito de Franz Kafka, psicografando parte - adaptada - de O Processo.
Ou seja: receber doação eleitoral devidamente registrada passa a ser perigoso, pois qualquer pessoa poderá denunciar que é "simulação". A prosperar esse teratológico entendimento, violando a lei processual, doravante receber "por fora" (voltar ao Caixa 2) parece ser mais adequado e o caminho mais seguro para os candidatos.
Simulação por simulação, o que dizer da simulação (data venia pela repetição) do ilegal Inquérito 4781 (Fake News), que nada mais é do que o "exercício arbitrário das próprias razões" (art. 345 do Código Penal), ou seja, fazer justiça pelas próprias mãos para satisfazer pretensão sua?
A decisão kafkiana e perigosa da 2ª Turma do STF viola o art. 8º (Garantias Judiciais), item 2, do Pacto de San José (Convenção Americana de Direitos Humanos) : "Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for LEGALMENTE comprovada sua culpa".
Mera suposição, achismo ou opinião pessoal não é prova legal, não é ser "legalmente". No caso, não houve qualquer comprovação legal, nos termos da Lei, do suposto ilícito, pois não há prova nem ilícito algum. Assim, de forma parcial e rasgando vergonhosamente a Constituição, Celso de Mello, na condição de Revisor, vergonhosamente considerou como "farta prova da materialidade e da autoria do crime de lavagem de valores" os meros depoimentos de Alberto Youssef.
Tomás de Torquemada deve estar gargalhando no Além, em razão do desempenho de seu discipulo.
A condenação sem provas é um precedente gravíssimo no ordenamento jurídico brasileiro, verdadeira trgégia, cujos desdobramentos podem ser imprevisíveis, pois a Caixa de Pandora pode ter sido aberta, dando azo a um festival de horrores. Por outro lado, pode ser que o Decano quis dizer "falta prova da materialidade e da autoria do crime de lavagem de valores", mas na digitação erraram o "L" por um "R" ... e ficou o dito pelo não dito.
O ponto positivo dessa aberração, caso ela se mantenha (certamente cairá no Plenário) é que como a lei vale para todos, a partir de agora ministros do STF, demais magistrados e membros do Ministério Público (incluindo o PGR) também podem ser processados, condenados e afastados em razão de mera suposição do julgador, sem provas. Bastará a delação "do vizinho", tal como ocorria no Santo Oficio.
A propósito, denuncia contra ministros do Supremo existem aos montes, no próprio Plenário do STF, proferidas por ministros do próprio Supremo. Segundo a régua de Celso de Mello, seriam provas "robustíssimas", considerando que a delação de um personagem como Alberto Youssef foi elevada à condição de "farta prova de materialidade".
Se o Plenário do Supremo Tribunal Federal não reverter o perigoso precedente que está se abrindo, cabe recurso à Convenção Americana de Direitos Humanos, eis que o Supremo nunca foi o limite.
A rigor, o limite seria o Congresso Nacional, que poderia sustar decisões que violem a lei (ativismo do Judiciário), por meio do art. 49, inc. XI, da Carta Magna.
Mas o Legislativo, no Brasil, é subserviente ao Judiciário.