A participação do credor fiscal nos processos de recuperação judicial e de falência

07/10/2020 às 09:18
Leia nesta página:

trata da tese de chamar o credor fiscal para os processos relacionados à Lei 11.101/05.

A PARTICIPAÇÃO DO CREDOR FISCAL NOS PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E DE FALÊNCIA

 

                                                                      

   Como se vem afirmando, há várias incongruências no texto legal que trata da falência e da recuperação de empresa e empresário. Com o passar do tempo aflora, cada vez mais, a tese no sentido de que caso seria de repensar os rumos da Lei 11.101/05[1], considerando, também, o fato de que vários dispositivos legais estão dissonantes da hodierna doutrina nacional e entram em conflito direto com a principiologia contida na Constituição Federal. Muito embora os tribunais já venham dando o correto tratamento à lei, viceja a tese de que alguns artigos legais são incongruentes, inconstitucionais e destoam da realidade empresarial, pois aguilhoam de morte o critério da proporcionalidade, dentre outros. Cabe aqui uma breve incursão a respeito de tema relevante, que diz com a participação do credor fiscal no âmbito do processo de recuperação judicial.

   Primeiramente, no que se refere à falência, verifica-se que a execução fiscal não terá suspenso seu curso regular após a retirada do devedor do mercado e o mesmo é dito quanto a recuperação judicial. Poderão ser ajuizadas novas demandas fiscais em face da massa falida e da entidade recuperanda, sem que se fale em atração do juízo (universal) pelo qual tramitam as ações principais (falência e recuperação). Assim, decretada a abertura da falência do devedor, por exemplo, em sendo caso de cobrança de dívida fiscal, o Fisco terá dois caminhos perfeitamente delineados: ou propõe execução fiscal ou obedece a procedimento de verificação de crédito, previsto na Lei 11.101/05. Não obstante, é de se perquirir a respeito da participação [específica] do credor fisco no ambiente do processo de recuperação judicial. Consoante leitura do texto normativo, nota-se que tanto a assembleia de credores assim como o comitê de credores poderão ser instalados no processo de recuperação judicial. Não será em todo e qualquer procedimento que tais órgãos serão necessários, pois, pela lei, são facultativos. Quando o juiz condutor do processo determina o processamento da recuperação judicial a princípio não convoca assembleia de credores, cabendo a estes - a qualquer tempo -, requerer tal providência, a fim de que se constitua o comitê de credores. Acolhendo o pleito, caberá ao juiz imediatamente convocar a assembleia. Portanto, é ele, o juiz, quem convoca a assembleia, e não credores. No âmbito do processo de recuperação judicial tem ela [a assembleia de credores], por exemplo, a atribuição de aprovar, rejeitar ou mesmo modificar o plano de recuperação apresentado pelo devedor; constituir o comitê de credores, bem como escolher os membros que comporão tal órgão. 

   Mas impende destacar que a composição da assembleia tem certas peculiaridades. Basicamente, o art. 41 da Lei 11.101/05 estabelece quais são as classes de credores que poderão fazer parte do ato: os titulares de créditos decorrentes da legislação trabalhista ou de acidentes do trabalho; os credores com garantia real; os credores quirografários e na mesma classe os que detém privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados; os titulares de créditos de micro e pequena empresa. De acordo com o que foi até aqui exposto e observado o conteúdo da lei falencial, em tese, somente tais credores poderão participar de importante órgão na recuperação judicial.

   E quanto ao credor fiscal? A questão relativa ao credor fiscal pode e deve ser resolvida após análise pormenorizada de outro não menos importante órgão: o comitê de credores. Viu-se que a assembleia de credores tem a incumbência de constituir o comitê de credores. Este, por sua vez, é composto por um representante da classe de credores trabalhistas [com 2 suplentes]; um indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais, também com 2 suplentes; um representante da classe dos quirografários e com privilégios gerais, [e 2 suplentes] e, por fim, um representante das micro e pequenas empresas, com 2 suplentes.

   Sem ingressar aqui em palpitante [e nevrálgico] tema jurídico, mas não menos tormentoso, que diz com o poder de voto em sede de assembleia, nota-se que o credor fiscal, muito embora não faça parte do processo de recuperação judicial, porquanto não menos certo que pode acionar livremente [e em juízo] a recuperanda, e mesmo durante a suspensão das demais demandas por 180 [cento e oitenta] dias, deixa de ser convocado para o ato deliberativo. Ora, dentre as competências da assembleia de credores está a de aprovar o rejeitar o plano de reorganização do devedor, ou seja, tal órgão pode influir nos rumos da entidade recuperanda. Mais que isso, poderá o juiz decretar a abertura da falência da entidade sob regime de recuperação judicial, mediante deliberação da assembleia de credores. E o que isso significa? Significa dizer que o credor fiscal, muito embora possa acionar o devedor mediante execução fiscal, não participa dos rumos do processo de recuperação judicial. Estabelecendo-se em assembleia, por exemplo, que caso será de pedir a convolação da recuperação judicial em falência, a princípio este credor fiscal não teria qualquer ingerência sobre preocupante e decisivo ato. O critério da proporcionalidade (ou proibição de excesso) deve estar ao alcance das mãos, pois, o fisco pode sim ser prejudicado com a decretação da abertura da falência do devedor, em virtude de pleito que ele, o fisco, não chancelou, porque não participou de atos decisivos e praticados por outros credores. Não obstante a possibilidade [real] de a assembleia geral de credores ir a juízo pedir a falência do devedor, impende destacar que, além de o fisco não participar de tal órgão, ficará ainda mais prejudicado se, de fato, a falência da recuperanda for decretada.

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    Abstraída a tese de que pode o fisco estar garantido na execução fiscal proposta [via penhora de bens], não menos certo é que há possibilidade de tal execução não estar garantia pela penhora, o que não é muito raro. Sobrevindo a falência do devedor, repita-se, por ato manejado pela assembleia de credores, da qual não participa o fisco, este ficará também prejudicado, pois, na linha hierárquica de credores na falência, fica ele abaixo do credor com garantia real. Então, o credor fiscal, muito embora não participe [diretamente] do processo de recuperação judicial, não teria qualquer interesse jurídico em participar das decisões em sede de assembleia ou aquelas emanadas pelo comitê de credores? Crê-se que o fisco teria sim interesse jurídico em participar de tal ato da assembleia. Os artigos 26 e 41 da Lei 11.101/05 se mostram totalmente inconstitucionais, porquanto privam o credor fiscal de participar dos rumos da entidade em recuperação judicial, que poderá ter sua falência decretada em virtude de pleito formulado por credores.

  Considerando-se, por exemplo, que o credor quirografário pode participar dos atos, e votar, não se entende o porquê de o fisco ter ficado de fora de importantes órgãos (assembleia e comitê de credores), se na linha hierárquica resta em posição mais confortável em relação ao quirografário e bem menos em relação a um outro credor. Mais que isso, torna-se de todo evidente que, muito embora o fisco tenha rumo processual certo a seguir, e chancelado pelo texto normativo, não menos certo que poderá participar dos atos deliberativos, ainda mais se podem eles [os atos] desaguar em pedidos de falência, formulados por outros credores, que não o fisco. Cabe a este, reunindo interesse jurídico em participar da assembleia de credores, que por sua vez delibera a respeito da formação do comitê, requerer judicialmente sua participação em tais órgãos, sempre com arrimo no critério de proporcionalidade. O intérprete autêntico [o juiz] certamente dará a solução correta ao pleito do fisco no caso concreto.

        Certamente que, se o propósito da lei falencial é que haja convergência de pensamento no tocante aos rumos da entidade em crise, é mais do que lógica e indispensável a participação do credor fiscal quando se delibera a respeito do pedido de convolação da recuperação judicial em falência. O fisco tem, efetivamente, grande interesse jurídico quanto ao caminho a ser trilhado no processo de reorganização judicial, porque no futuro poderá ser prejudicado quando do pagamento de credores, considerando a inversão de ordem criada pelo legislador ordinário. Portanto, a tese de que pode o fisco intervir no feito recuperatório (judicial), a fim de requerer sua participação é totalmente viável.   Visando harmonizar o texto legal, e para que se confira o equilíbrio mínimo necessário entre credores, há de serem adotados os métodos sistemático e teleológico quando o intérprete se debruçar sobre a lei em comento. Na senda do até aqui exposto, nota-se à toda evidência  - e sem muito esforço por parte do hermeneuta - que os artigos 26 e 41, efetivamente, destoam por completo do espírito da lei falencial. A interpretação sistemática de todos os dispositivos legais aqui citados somente leva a uma conclusão lógica e insofismável: é preciso cautela redobrada por parte do exegeta quando analisar a Lei 11.101/05, considerando-se as inúmeras falhas e incongruências dela constantes.

       Por fim, enquanto somente se pensar em transação acerca de débitos fiscais, o credor tributário ficará distante da recuperação judicial e da falência, o que parece, salvo engano, se traduzir em engano. Este credor privilegiado (que tem ao seu dispor mecanismos exclusivos para cobrança de dívidas) parece bem distante dos processos. Enquanto os debates acadêmicos ficarem apenas na esfera da composição de débito fiscal, sem ir mais a fundo na questão - chamar o credor tributário para a seara da recuperação e da falência, esses debates serão sem sentido.

 


[1] De fato, o texto legal está prestes a sofrer reforma quanto a determinados temas, mas passa distante de outros, não menos relevantes. Projeto de Lei n. 6.229-D da Câmara dos Deputados.

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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