Autonomia do Dano Estético: um plus nas condenações por Dano Moral?

Leia nesta página:

Quando falamos em dano estético, estamos falando da ofensa à beleza externa de alguém, ou seja, da integração das formas físicas de um indivíduo, o que não ocorre nos casos de dano moral, que nada tem a ver com o físico do indivíduo.

 

Havendo dano, sendo este produzido injustamente na esfera alheia, surge a necessidade de reparação, seja ela moral e/ou material, como imposição natural da vida em sociedade.

O constituinte detalhou não somente a possibilidade de indenização pelos bens precificáveis, aqueles cuja natureza é patrimonial, como também esclareceu ser passível de indenização bens que, quando atingidos, afetam o indivíduo em sua honra, imagem, intimidade e moral. É o que se depreende da do art. 5°, incs. V e X da Constituição Federal:

 

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

 

(...)

 

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

 

(...)

 

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

 

De acordo com o Dicionário Online de Português, entende-se por dano o mal ou o prejuízo causado a alguém, bem como a diminuição ou perda completa das boas qualidades de algo ou de alguém [1].

Para Augustinho Alvim dano, em sentido amplo, é a lesão a qualquer bem jurídico e aí se inclui o dano moral; ao passo que em sentido estrito é a lesão ao patrimônio, e patrimônio é o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro. Por moral, na dicção de Luiz Antônio Rizzatto Nunes, entende-se

 

“(...) tudo aquilo que está fora da esfera material, patrimonial do indivíduo” [2].

 

Assim, claramente é possível afirmar e definir o dano moral como aquele que se contrapõe ao dano material. Enquanto este lesa bens que podem ser estimados pecuniariamente, aquele, em contraposição, lesa bens e/ou valores que não possuem conteúdo econômico, são bens que por sua própria condição e natureza não podem ser valorados pecuniariamente.

De um lado temos a tentativa de ressarcir a vítima pelo prejuízo que amargou em objetos passíveis de compra e que podem ser facilmente contabilizados e precificados, tais como carro, roupa, casa, etc., e de outro temos a tentativa de suprir o abalo psíquico experimentado pela vítima, através de uma compensação e estimativa do impacto moralmente amargado.

A reparação que obriga o ofensor a pagar e permite ao ofendido receber, através de uma indenização, é princípio consolidado no ordenamento jurídico brasileiro com punição e recompensa, através da máxima adotada de que ninguém deve lesar ninguém e, se o fizer, arcará com as consequências do ato ilícito praticado. Assim, inclusive, entende o ilustre Limongi França ao esclarecer que

 

“Todo e qualquer dano causado à alguém ou ao seu patrimônio, deve ser indenizado, de tal obrigação não se excluindo o mais importante deles, que é o DANO MORAL, que deve automaticamente ser levado em conta.” [3]

 

O ordenamento jurídico estabelece que estando presentes os requisitos à indenização - ação culposa do agente, dano causado e nexo de causalidade entre a ação e o dano – restará configurado o dano e, somente após verificada a presença das condições necessárias é que deverá ser observado qual o tipo de dano ocorrido, se moral, material e/ou estético.

Mas e em se tratando de dano estético, como este poderá ser caracterizado? Estaríamos diante de uma espécie de plus do dano moral ou tem-se uma modalidade distinta e com requisitos próprios de aferição e caracterização?

O Dicionário Online de Português conceitua como estética a aparência harmoniosa nas formas do indivíduo, como também o aspecto físico de alguém, além de relacionar a palavra ao ramo da filosofia que se dedica ao estudo do belo, da beleza sensível e de suas implicações na criação artística [4].

Estamos diante de um termo abstrato, cuja própria definição dá azo para a demonstração da subjetividade do que, juridicamente falando, seria considerado dano estético, uma vez que a definição de beleza e feiura encontra óbice nas características individuais de cada ser humano e, talvez por isso, ainda hoje seja tão difícil para a ciência jurídica definir – e, sobretudo, aplicar tal definição – no que tange o dano estético.

Segundo o doutrinador Raimundo Simião, o conceito de dano estético é a alteração corporal morfológica interna ou externa que causa desagrado e repulsa, não somente para a pessoa ofendida, mas também para quem a observa [5].

O jurista ainda completa que o Código Civil reconhece a existência de dano estético ao esclarecer em seu art. 949 que qualquer lesão significativa o suficiente para alterar a vida social e pessoal e que cause o sentimento de desprezo e constrangimento ao ofendido, em razão da lesão sofrida, será configurado dano estético.

Por muito tempo se entendeu o dano estético como um sub-ramo ou uma espécie de desmembramento do dano moral, isso porque em sua essência, o sofrimento que gerava o dano estético muitas vezes estava inteiramente interligado aos sentimentos de ordem psíquica, tais como a vergonha, o vexame, a sensação de humilhação perante terceiros, dentre outros, típicos do dano de cunho moral.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Daí porque, nos casos práticos, ocorria a junção nas condenações. O dano estético era absorvido na indenização do dano moral, sendo atrelado a ele nas próprias características que o definia, o que se modificou ao longo do tempo uma vez que, a medida em que casos concretos eram analisados, foi surgindo a necessidade de se particularizar e diferenciar os danos estéticos dos morais, segundo nos traz a jurista Michelle Espinoza [6].

Em verdade, a modalidade de reparação por dano estético busca tratar os transtornos e as angústias causadas a vítima, bem como dar a ela meios capazes de mitigar ou mesmo anular a situação em que se encontra sendo, para isso, condenado o ofensor a, através de compensação em dinheiro, afastar o sofrimento e o sentimento de rejeição ocasionado pela aparência maculada pelo ato ilício, além de possibilitar a reparação estética, seja através de cirurgias reparadoras, medicamentos e etc.

Contudo, não se pode confundir tais danos. Entendo que se as modalidades de dano moral e dano estético se confundissem entre si, ou mesmo essa fosse uma ramificação daquela, não teria porque o STJ sumular entendimento de que uma única conduta pode, simultaneamente, gerar danos de cunho patrimonial, estético e moral, esclarecendo, em sua súmula 387, que são cumuláveis as indenizações por dano estético e dano moral originadas de um mesmo fato.

Quando falamos em dano estético, estamos falando da ofensa à beleza externa de alguém, ou seja, da integração das formas físicas de um indivíduo, o que não ocorre nos casos de dano moral, que nada tem a ver com o físico do indivíduo.

As condenações por dano moral são baseadas em ordem puramente psíquica, ou seja, quando o ato ilícito ocasiona no ofendido sofrimentos mentais, sentimento de aflição, angústia, vexame e vergonha, independente da existência ou não de uma lesão corporal.

Já o dano estético provoca sofrimento de ordem moral e de ordem física, isso porque, o sentimento de aflição, vergonha e vexames acima relatados, são desencadeados em virtude de uma deformação física, seja ela aparente (externa) ou não (interna), o que culmina em sofrimento da vítima consigo mesmo e perante a sociedade.

Há, portanto, uma peculiaridade que deve ser observada. Em se tratando de sofrimento de cunho estético, há que se levar em consideração os prejuízos de ordem física (funcionalidade e estética), como também as limitações ocasionadas pela lesão que afetam o convívio social da vítima, que vão desde a simples prática de atividades de lazer até a impossibilidade de realizar atividades profissionais.

            O doutrinador Brugioni destaca que o dano estético possui

 

“instituto de natureza jurídica autônoma, mais ligado ao direito de imagem do ofendido do que ao aspecto moral propriamente dito, embora, é importante repetir, haja nomes de peso que defendam posição contrária”

 

cujo nascimento se dá através da modificação permanente na aparência física da vítima, onde a lesão é grave o suficiente para constranger-lhe e causar-lhe vergonha, perante si mesmo e terceiros [7].

            A diferença, portanto, está amparada no resultado físico em que se exige para comprovar a existência do dano estético, enquanto que o dano moral se consubstancia tão somente pelo abalo psíquico, que não precisa, necessariamente, desfigurar o corpo humana para se caracterizar. E é exatamente por conta dessa diferenciação entre ambos é que a natureza do dano estético é autônoma e desapartada, não podendo ele ser confundido como um plus ao dano moral.

 

 

_______________________________________

REFERÊNCIAS

[1]Dicionário Online de Português. Disponível em: https://www.dicio.com.br/dano/. Acesso em 05/10/2020.

[2]NUNES, Luiz Antonio Rizzato apud ALVIM, Augustinho. O Dano Moral e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 1.

[3] FRANÇA, V.R. Limongi. Jurisprudência da Responsabilidade Civil, Ed. RT, 1988.

[4] Dicionário Online de Português. Disponível em: https://www.dicio.com.br/estetica/. Acesso em 05/10/2020.

[5]MELO, Raimundo Simião de, 2020. Indenizações cumulativas por danos material, moral e estético. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jan-17/reflexoes-trabalhistas-indenizacoes-cumulativas-danos-material-moral-estetico#author. Acesso em 05/10/2020.

[6]ESPINOZA, Michelle Antunes, 2015. Dano estético e suas particularidades. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-civil/dano-estetico-e-suas-particularidades/#_ftn1. Acesso em 05/10/2020.

[7]BRUGIONI, Franco Mauro Russo, 2016. Dano estético tem natureza jurídica autônoma. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-mai-08/franco-brugioni-dano-estetico-natureza-juridica-autonoma#author. Acesso em 05/10/2020.

 

 

Sobre a autora
Adrielle de Oliveira Barbosa Ferreira

Advogada atuante nas áreas Trabalhista, Cível e Consumerista. Graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Católica doSalvador - UCSal. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. Sócia no Ricardo Xavier Sociedade de Advogados. Professora de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na UNIMAM -Centro Universitário Maria Milza. Mentora para a 1 fase do Exame de Ordem.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos