No Brasil, diante do grave problema do desaparecimento de crianças e adultos, algumas leis e ferramentas foram criadas no intuito de localizar e, consequentemente minimizar a dor daqueles que possui um ente querido desaparecido.
Podemos citar, como exemplo, à Lei nº 12.127, de 17 de dezembro de 2009, que criou o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, disponível em: https://www.desaparecidos.gov.br.
No citado portal, podemos encontrar diversas informações relevantes como, dados estatísticos, orientações e registros de novos casos.
No tocante à Lei nº 12.127/2009, percebemos que a preocupação inicial das autoridades se restringiu as crianças e adolescentes, haja vista que segundo a Associação Desaparecidos do Brasil, que é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, não partidária e com finalidade pública:
“Todos os anos milhares de crianças desaparecem, das quais, um grande número são vítimas de raptos para fins de tráfico de pessoas nas mais diversas modalidades: tráfico para fins de exploração sexual, exploração laboral (trabalho escravo), tráfico de órgãos, tráfico para adoções irregulares tanto para o mercado interno quanto externo. O Projeto Basta Criança Desaparecida, idealizado pela Associação Desaparecidos do Brasil visa impedir o rapto de crianças e adolescentes através de campanhas de educação e sensibilização pública e realiza buscas em território nacional e internacional pelas crianças desaparecidas - ou adolescentes e adultos - aliciados ou vendidos pelas organizações do tráfico humano.” http://www.desaparecidosdobrasil.org/.
Outra iniciativa positiva encontramos na Lei nº 11.259, de 30 de dezembro de 2005, que acrescentou dispositivo à Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) para determinar investigação imediata em caso de desaparecimento de criança ou adolescente. Ou seja, não é mais necessário aguardar 24 horas para realizar os registros.
Todavia, não podemos esquecer os adultos e idosos que representam parte significativa da população brasileira e que também estão inseridos neste contexto.
Por isso, diversas ações positivas foram implementadas, sejam por organizações governamentais ou não, na busca de minimizar esta triste realidade.
Devemos aplaudir o convênio firmado entre o Ministério Público do Rio de Janeiro e o Disque Denúncia, no qual os bancos de dados, que contêm informações sobre pessoas desaparecidas, passaram a funcionar conjuntamente conforme vislumbramos no portal https://www.desaparecidosdd.org.br/.
Para termos uma visão do número de desaparecidos no Brasil, mesmo que isso não represente a realidade, tendo em vista que nem todos os casos são registrados, por motivos diversos que desconhecemos, estimasse que de 01/01/2000 até 21/07/2020, cerca de 1.206 pessoas desapareceram, destas apenas 645 foram encontradas, segundo dados extraídos do portal https://desaparecidos.mj.gov.br/.
No estado do Rio de Janeiro, com vistas a dar atenção a casos de desaparecimento de pessoas ocorridos no estado, o Ministério Público Estadual desenvolveu em 2012, o Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (PLID), hoje incorporado ao rol de projetos do Conselho Nacional do Ministério Público, formando assim o Sistema Nacional de Localização e Identificação de Desaparecidos o SINALID, que traz números ainda mais assustadores no tocante a desaparecidos, vejamos:
“Com causas múltiplas, estima-se que 700.000 pessoas tenham tido seu desaparecimento comunicado às autoridades policias no Brasil em nove anos. Uma pessoa a cada duas horas.
A estimativa não oficial é o mais aparente reflexo da omissão pública no enfrentamento de um problema que aflige tantos brasileiros. A criação deste sistema, uma iniciativa do Ministério Público Nacional, para promover a resposta adequada a esta aflição.” https://apps.mprj.mp.br/sinalid/#/.
Recentemente, foi promulgada à Lei nº 13. 812 de 16 de março de 2019 que Institui a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas e criou o Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas, bem como alterou a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
A lei citada, bem como a junção de forças entre o MPRJ e CNMP, é sem dúvidas mais um grande avanço a fim de minimizar esse problema ocorrido no seio de nossa sociedade brasileira.
Vale ressaltar que, segundo Diagnóstico do Programa de Localização e Identificação de Desparecidos do MPRJ, entre janeiro de 2013 e fevereiro de 2018, o PLID do Ministério Público carioca, contemplou 10.128 registros distribuídos entre: (78%) pessoas desaparecidas, (21%) cadáveres e (1%) pessoas institucionalizadas, conforme Gráfico de Distribuição de casos no PLID, Registrados de janeiro de 2013 até fevereiro de 2018:
Fonte: PLID/MPRJ
Cabe conceituar cada tipo para melhor compreensão, vejamos:
- Desaparecimento – termo utilizado quando há registro de desaparecimento de pessoa, geralmente enviado pelas delegacias através de ofício ou pela FIA, ou feito diretamente no próprio PLID;
- Encontro de cadáver – termo utilizado para registros de cadáveres localizados, identificados ou não, geralmente enviados pelo IML ou pela concessionária RioPax;
- Institucionalizado – termo utilizado para os registros de pessoas abrigadas, internadas ou presas.
Infelizmente, é sabido que, em muitos casos o desfecho não é o esperado, haja vista que todos querem encontrar seu ente querido com vida, entretanto, nem sempre é possível. De todo modo, mesmo que o fim das buscas não seja o desejável, as pessoas necessitam de respostas, pois se trata de direito dos familiares e um dever do estado fornecê-las.
Pois bem, e qual a importância do trabalho realizado pelos papiloscopistas policiais, lotados no Serviço de Controle de Cadáveres do IMLAP e Serviços de Identificação Criminal e Retrato Falado dos PRPTCs do Estado do Rio de Janeiro?
Observando a aflição das famílias a Secretaria de Policia do Estado do Rio de Janeiro – SEPOL, com uma gestão contemporânea, por intermédio do seu Departamento Geral de Polícia Técnico Cientifica - DGPTC, editou ordem de serviços de nº 02 de 2019, descrevendo vários procedimentos a serem realizados por estes exímios profissionais, entre eles destacamos o registro fotográfico minucioso dos cadáveres e a busca ativa pelos familiares após 48 horas no caso de cadáveres não reclamados com a identidade certificada através de aplicativos WEB da rede INTRAPOL - ROWEB, SIP WEB, SIC WEB; Sistema de Estadual de Identificação – SEI, Portal de Segurança/RJ, INFOSEG, Sistema Nacional de Localização e Identificação de Desaparecidos – SINALID.
Para ilustrar, trazemos a cola caso concreto que ganhou grande repercussão diante de apelos dos familiares na internet em diversos canais como, por exemplo: https://www.instagram.com/p/CABRFTdA48c/?igshid=1vahguay7oun7. No que se refere ao caso supramencionado, vale frisar que no dia 15/05/2020, deu entrada no Posto Regional de Polícia Técnico-Científica de Campo Grande um cadáver de homem, não identificado em avançado estado de putrefação.
O corpo chegou na condição de transformação cadavérica - Maceração - A maceração é o processo de transformação destrutiva em que ocorre o amolecimento dos tecidos e órgãos quando os mesmos ficam submersos em um meio líquido e nele se embebem.
Houve destacamento completo da epiderme, sendo necessário realizar a técnica chamada " water boiling " que consiste em mergulhar os quirodáctilos em água fervente por 3 segundos com a finalidade de eriçar as papilas dérmicas e, assim ter uma melhor coleta das digitais para posterior confronto.
Após a coleta, os datilogramas foram inseridos no sistema para busca de candidatos, porém o sistema não retornou nenhuma impressão padrão.
No entanto, a equipe do SICREF, observando as determinações da Ordem de Serviço nº 02 de 2019, realizou buscas precisas e minuciosas nos arquivos online de pessoas desaparecidas do Disque Denúncia, filtrando a busca por bairros , homem e data aproximada de desaparecimento.
Desse modo, a equipe de Peritos Papiloscopistas selecionaram alguns candidatos, e obtiveram êxito ao identificar o nacional, XXXX, desaparecido desde o dia 07/05/2020, após estabelecer primeiramente o tipo fundamental de cada dedo, possível de realizar a pesquisa, haja vista o avançado estado de putrefação do cadáver.
Segundo o Manual da Papiloscopia 2013:
“Tipos fundamentais: No sistema datiloscópico idealizado por JUAN VUCETICH, as impressões digitais são classificadas em quatro grandes grupos, Arco (A- para os polegares e 1 para os demais dedos), Presilha Interna (I – para os polegares e 2 para os demais dedos), Presilha Externa (E – para os polegares e 3 para os demais dedos), Verticilo (V – para os polegares e 4 para os demais dedos).” http://www.institutodeidentificacao.pr.gov.br/arquivos/File/2014_usar_essa_para_organizar_o_servidor/area_restrita_outros/ManualdePapiloscopia2013.pdf.
Assim sendo, ao estabelecer o tipo fundamental como presilhas internas para mínimo e indicador esquerdo e presilha externa para o polegar direito os especialistas, em ato continuo utilizaram a técnica do cotejamento que consiste na busca de no mínimo 12 pontos característicos como, ponta de linha, bifurcações, encerros entre outros:
Fonte: Laudo.
A tabela abaixo demonstra os principais pontos característicos:
Fonte: Manual de Papiloscopia 2013.
Em seguida buscaram-se também através dos canais já mencionados os familiares que realizaram o reconhecimento através de tatuagem, conforme se extrai em https://bocanotromboneitaguai.com/2020/05/15/corpo-de-professor-desaparecido-e-encontrado-na-ilha-da-madeira-em-itaguai/.
É sabido que ocorrem inúmeros casos como o relatado acima no Serviço de Controle de Cadáveres do IMLAP e Serviços de Identificação Criminal e Retrato Falado dos PRPTCs do Estado do Rio de Janeiro, ou seja, diariamente chegam corpos em avançado estado de putrefação ou carbonizados sem qualquer identificação, todavia, com estrema destreza, dedicação e perícia os papiloscopoistas conseguem identificá-los na maioria dos casos.
Desse modo, conseguem minimizar a dor daqueles que muitas das vezes querem ao menos prestar uma última homenagem ao seu familiar, logo esses exímios profissionais prestam um excelente serviço público para a sociedade não só na identificação de pessoas desaparecidas mas também em outras frentes de batalha.
Autores:
Fabio Vilas Gonçalves Filho é Papiloscopista Policial da PCERJ, desde 2019. Graduado em Direito (2010); Pós – Graduado em Direito Público e Tributário - com habilitação para Docência no Ensino Superior - (2012); MBA em Licitações e Contratos Administrativos (2018); Mestre em Saúde e Tecnologia no Espaço Hospitalar pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO (2017); Ex - Chefe da Unidade de Licitações do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle. Atualmente está Lotado no Instituto de Identificação Félix Pacheco, Laboratório/Perícia Papiloscópica em Local de Crime.
Carlos Augusto Valbão, Papiloscopista Policial da PCERJ, desde 2019, Graduado em Administração, Lotado no Serviço de Identificação Criminal e Retrato Falado do Posto Regional de Polícia Técnica Cientifica de Campo Grande, Rio de Janeiro, Brasil.
Referências Bibliográficas
BRASIL, Lei nº 12.127, de 17 de dezembro de 2009, Cria o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12127.htm>. Acesso em: 15 jul. 2020.
BRASIL, Lei nº 11.259, de 30 de dezembro de 2005, Acrescenta dispositivo à Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, para determinar investigação imediata em caso de desaparecimento de criança ou adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11259.htm>. Acesso em: 15 jul. 2020.
BRASIL, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 15 jul. 2020.
BRASIL, Lei nº 13.812 de 16 de março de 2019, Institui a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas, cria o Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13812.htm>. Acesso em: 15 jul. 2020.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO DE JANEIRO (MPRJ) o Diagnóstico do Programa de Localização e Identificação de Desparecidos, o Desaparecimento nas Burocracias do Estado, abril de 2018. Disponível em: <https://www.mprj.mp.br/documents/20184/748003/relatorio_plid.pdf>. Acesso em: 18 jul. 2020.
PORTAL DO CADASTRO NACIONAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DESAPARECIDOS. Ministério da Justiça, Secretaria de Direitos Humanos. 2020. Disponível em: <https://www.desaparecidos.gov.br>. Acesso em: 18 jul. 2020.
PORTAL DOS DESAPARECIDOS DO BRASIL. Associação Desaparecidos do Brasil. Disponível em: <http://www.desaparecidosdobrasil.org/>. Acesso em: 18 jul. 2020.
PORTAL DO DISQUE DENÚNCIAS. Disponível em: < https://www.desaparecidosdd.org.br/>. Acesso em: 18 jul. 2020.
PORTAL DESAPARECIDOS, Rede Nacional de Identificação e Localização de Crianças e Adolescentes Desaparecidos – ReDESAP. Disponível em:<https://desaparecidos.mj.gov.br/>. Acesso em: 19 jul. 2020.
PORTAL DO INSTAGRAM. COM. Disponível em:<https://www.instagram.com/p/CABRFTdA48c/?igshid=1vahguay7oun7>. Acesso em: 20 jul. 2020.
PORTAL DO BOCA NO TRAMBONE ITAGUAÍ. Disponível em:<https://bocanotromboneitaguai.com/2020/05/15/corpo-de-professor-desaparecido-e-encontrado-na-ilha-da-madeira-em-itaguai/>. Acesso em: 20 jul. 2020.
SECRETARIA DE ESTADO DE POLICIA CIVIL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ordem de serviços de nº 02 de 2019, Disponível em: <https://intrapol.pcivil.rj.gov.br/bi/dezembro2019/inc/BI-2432019.asp> Acesso em: 21 jul. 2020.
BRASIL, Manual da Papiloscopia 2013, Disponível em:<http://www.institutodeidentificacao.pr.gov.br/arquivos/File/2014_usar_essa_para_organizar_o_servidor/area_restrita_outros/ManualdePapiloscopia2013.pdf>. Acesso em: 21 jul. 2020.