Os embargos infringentes no processo penal e a obrigatoriedade da declaração do voto vencido

13/10/2020 às 10:48
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Processo penal - embargos infringentes - declaração do voto vencido

         Dispõe o art. 609, caput, do Código de Processo Penal, que “os recursos, apelações e embargos serão julgados pelos Tribunais de Justiça, câmaras ou turmas criminais, de acordo com a competência estabelecida nas leis de organização judiciária”. O mesmo dispositivo legal, em seu parágrafo único, ainda prevê o seguinte:

Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência”.

       Trata-se, como a própria norma menciona, do recurso conhecido como embargos infringentes, exclusivo da defesa, à exceção do disposto no art. 538 do Código de Processo Penal Militar.

         Destinado ao “reexame de decisões não unânimes dos Tribunais de 2ª instância no julgamento de apelações, recursos em sentido estrito e agravos em execução, desde que desfavoráveis ao acusado”, o principal objetivo dos embargos infringentes é buscar a prevalência da decisão minoritária favorável ao réu, ainda que em parte (Lima, Renato Brasileiro de. Código de processo penal comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1445-1446).

       Embora os embargos infringentes estejam previstos no Código de Processo Penal, é comum, na prática, a não declaração do voto vencido (divergente). Por vezes, o julgador apenas menciona que ficou vencido em determinado ponto, sem declinar as razões da sua decisão.

        Dúvida desponta, aqui, acerca da obrigatoriedade de se declarar o voto vencido.

       De fato, a legislação processual penal não previu a obrigatoriedade de ser declarado o voto vencido pelo julgador integrante do colegiado. O Código de Processo Civil de 1973 também era omisso no ponto.

       Porém, a Lei n. 13.105/2015, que instituiu o Novo Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal (art. 3º do CPP), trouxe uma inovação:

“Art. 941. Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto vencedor.

[...]

§ 3º O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento”.

      O dispositivo legal acima concretiza o dever de fundamentação das decisões judiciais, cujo comando está previsto no art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988.

      Por ser uma regra extremamente relevante, alguns Tribunais replicaram o seu conteúdo nos respectivos Regimentos Internos, a exemplo do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:

“Art. 190. Proferidos os votos, o presidente do órgão julgador anunciará o resultado do julgamento.

[...]

§ 3º O desembargador que proferir voto vencido, no todo ou em parte, deverá declarar seu voto”.

          Na verdade, declarar o voto vencido é respeitar o princípio do devido processo legal e garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da CF/1988), já que a decisão em questão deverá integrar o acórdão, inclusive para fins de prequestionamento, o que faz com que a Súmula 320/STJ tenha a sua aplicação mitigada.

        Sobre o assunto, colhe-se da jurisprudência da Corte da Cidadania, em acórdão de lavra da Ministra Nancy Andrighi:

“A razão de ser do § 3º do artigo 941 do CPC/15 está ligada, sobretudo, à exigência de fundamentação, inerente a todas as decisões judiciais, nos termos do artigo 93, IX, da Constituição Federal e, em consequência, à observância do direito fundamental ao devido processo legal, na medida em que, na perspectiva endoprocessual, a norma garante às partes o conhecimento integral do debate prévio ao julgamento, permitindo o exercício pleno da ampla defesa, e, na perspectiva extraprocessual, confere à sociedade o poder de controlar a atividade jurisdicional, assegurando a independência e a imparcialidade do órgão julgador” (STJ. REsp 1729143, julgado em 12/2/2019. Relatora: Mina. Nancy Andrighi).

Extrai-se, ainda, do corpo do decisum citado:

"[...] o acórdão, para o CPC/2015, compõe-se da totalidade dos votos,  vencedores  e  vencidos.  Nesse sentido, a inobservância da regra  do  § 3º do art. 941 do CPC/2015 constitui vício de atividade ou  erro  de  procedimento  (error in procedendo), porquanto não diz respeito ao teor do julgamento em si, mas à condução do procedimento de  lavratura  e  publicação  do  acórdão,  já que este representa a materialização  do  respectivo  julgamento.  Assim,  há  nulidade do acórdão,  por  não conter a totalidade dos votos declarados, mas não do  julgamento, pois o resultado proclamado reflete, com exatidão, a conjunção  dos  votos proferidos pelos membros do colegiado. Cabe ao tribunal  de  origem providenciar a juntada do(s) voto(s) vencido(s) declarado(s),  observando,  para  tanto,  as normas de seu regimento interno, e, em seguida, promover a sua republicação, nos termos do § 3º  do art. 941 do CPC/2015, abrindo-se, em consequência, novo prazo para  eventual  interposição  de  recurso  pelas  partes"  (REsp  n. 1.729.143-PR,  Relª.  Ministra Nancy Andrighi, julgado em 12/2/2019, DJe 15/2/2019, noticiado no Informativo 642/STJ).

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         Noutro giro, Fredie Didier destaca a importância atribuída pelo CPC/2015 ao voto vencido, nesses termos:

“a) Ao se incorporar ao acórdão, o voto vencido agrega a argumentação e as teses contrárias àquela que restou vencedora; isso ajuda no desenvolvimento judicial do Direito, ao estabelecer uma pauta a partir da qual se poderá identificar, no futuro, a viabilidade de superação do precedente (art. 489, § 1º, VI, e art. 927, §§ 2º, 3º, e 4º, CPC);

b) O voto vencido, por isso, funciona como uma importante diretriz na interpretação da ratio decidendi vencedora: ao se conhecer qual posição se considerou como vencida fica mais fácil compreender, pelo confronto e pelo contraste, qual tese acabou prevalecendo no tribunal. Por isso, o voto vencido ilumina a compreensão da ratio decidendi;

c) Além disso, o voto vencido demonstra a possibilidade de a tese vencedora ser revista mais rapidamente, antes mesmo de a ela ser agregada qualquer eficácia vinculante, o que pode fragilizar a base da confiança, pressuposto fático indispensável à incidência do princípio da proteção da confiança [...]. O voto vencido mantém a questão em debate, estimulando a comunidade jurídica a discuti-la.

d) Note, ainda, que a inclusão do voto vencido no acórdão ratifica regra imprescindível ao microssistema de formação concentrada de precedentes obrigatórios: a necessidade de o acórdão do julgamento de casos repetitivos reproduzir a  íntegra de todos os argumentos contrários e  favoráveis à  tese discutida (arts. 984, §  2º, e 1.038, §  3º, CPC)” (Curso de direito processual civil. V. 3. 15ª ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2018. p. 47).

         Como se vê, a declaração escrita do voto vencido é obrigatória e assume especial relevância para a interposição dos embargos infringentes e, via de consequência, de recursos nas instâncias superiores, pois sem o conhecimento dos motivos da divergência há prejuízo na formulação das razões recursais (EDcl no HC n. 531751/STJ, julgado em 11/2/2020. Relator: Min. Reynaldo Soares da Fonseca; (EDcl no AgInt no CC n. 145748/STJ, julgado em 25/5/2016. Relatora: Mina. Maria Thereza de Assis Moura; Embargos de declaração n. 0006759-33.2012.8.24.0028/50001/TJSC, julgado em 9/7/2019. Relator: Des. Júlio César M. Ferreira de Melo).

       Em acréscimo, é necessário lembrar que a demora na divulgação do voto vencido pode caracterizar excesso de prazo e constrangimento ilegal (HC n. 51177/STJ).

       No mais, sendo omisso o acórdão sobre as razões do voto vencido, cabe à defesa opor embargos de declaração para que seja sanada a irregularidade (art. 619 do CPP), sob pena de possível preclusão, conforme já decidido no AgRg nos EDcl no AREsp n. 1302348/STJ, julgado em 28/3/2019.

Autor: Fabiano Leniesky, OAB/SC 54888. Formado na Unoesc. Advogado Criminalista. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Pós-graduado em Advocacia Criminal. Pós-graduando em Ciências Criminais. 

 

Sobre o autor
Fabiano Leniesky

OAB/SC 54888. Formado na Unoesc. Advogado Criminalista. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Pós-graduado em Advocacia Criminal. Pós-graduado em Ciências Criminais. Pós-graduado em Direito Probatório do Processo Penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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