O inciso I, alínea “a” do Art.24-A do Decreto-Lei nº 667/1969 revogou as disposições contidas no inciso II, art.90 da Lei nº 3.909/1978?

14/10/2020 às 08:35
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Diante de mudanças legislativas é natural que algumas incertezas surjam e que na esteira ocorra divergência de entendimentos acerca do alcance das novas disposições legais. Isso é inevitável, principalmente quando se refere ao seguimento militar estadual,

O inciso I, alínea “a” do Art.24-A do Decreto-Lei nº 667/1969 revogou as disposições contidas no inciso II, art.90 da Lei nº 3.909/1978?

 

1. Introdução

Diante de mudanças legislativas é natural que algumas incertezas surjam e que na esteira ocorra divergência de entendimentos acerca do alcance das novas disposições legais. Isso é inevitável, principalmente quando se refere ao seguimento militar estadual, dada as peculiaridades da legislação de regência. Em nosso grupo de discussão surgiu a seguinte indagação: O Art.24-A, inciso I, alínea “a” do Decreto-Lei nº 667/1969  revogou as disposições contidas no art.90 da Lei nº 3.909/1978, e, dessa forma já está em vigência em relação aos militares que estavam na ativa quando da entrada em vigor da Lei nº 13.954/2019? Para responder tal indagação submeteremos o referido dispositivo ao crivo do regramento legal que trata do tema revogação que é a “famosa” e ao mesmo tempo tão esquecida LINDB.

2. A disposição do inciso II do artigo 90 da Lei Estadual nº 3.909/1977   

O art. 90 da Lei Estadual nº 3.909/1977 trata das hipóteses de transferência “ex-officio” para a reserva remunerada dos policiais militares do Estado da Paraíba. A redação apresentada é a seguinte:

“Art. 90 - A transferência “ex-offício” para a reserva remunerada verificar-se-á sempre que o policial militar incidir nos seguintes casos:

I – 65 (sessenta e cinco) anos de idade;

II - Ter ultrapassado ou vir a ultrapassar 30 (trinta) anos de efetivo serviço, se oficial Superior ou Intermediário de quaisquer dos quadros da Polícia Militar da Paraíba;

III - Ter ultrapassado ou vir a ultrapassar, 08 (oito) anos de permanência no posto de Coronel do Quadro de Oficiais Combatentes (QOC) ou do Quadro de Oficiais de saúde (QOS) ou no posto de Capitão do Quadro de Oficiais de Administração ou do Quadro de Oficiais Músicos”. 

Como se verifica, o artigo trata da transferência para a reserva remunerada na modalidade “ex-offício”, ou seja, por ato de iniciativa exclusiva da administração.

 

3. A disposição do artigo 24-A do Decreto Lei nº 667/1969

O artigo 24-A do Decreto Lei nº 667/1969, incluído pela Lei Federal nº 13.954/2019 tem a seguinte redação:

“Art. 24-A. Observado o disposto nos arts. 24-F e 24-G deste Decreto-Lei, aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios as seguintes normas gerais relativas à inatividade:

I - a remuneração na inatividade, calculada com base na remuneração do posto ou da graduação que o militar possuir por ocasião da transferência para a inatividade remunerada, a pedido, pode ser:

a) integral, desde que cumprido o tempo mínimo de 35 (trinta e cinco) anos de serviço, dos quais no mínimo 30 (trinta) anos de exercício de atividade de natureza militar; ou

b) proporcional, com base em tantas quotas de remuneração do posto ou da graduação quantos forem os anos de serviço, se transferido para a inatividade sem atingir o referido tempo mínimo;

II - a remuneração do militar reformado por invalidez decorrente do exercício da função ou em razão dela é integral, calculada com base na remuneração do posto ou da graduação que possuir por ocasião da transferência para a inatividade remunerada;

III - a remuneração na inatividade é irredutível e deve ser revista automaticamente na mesma data da revisão da remuneração dos militares da ativa, para preservar o valor equivalente à remuneração do militar da ativa do correspondente posto ou graduação; e

IV - a transferência para a reserva remunerada, de ofício, por atingimento da idade-limite do posto ou graduação, se prevista, deve ser disciplinada por lei específica do ente federativo, observada como parâmetro mínimo a idade-limite estabelecida para os militares das Forças Armadas do correspondente posto ou graduação.

Parágrafo único. A transferência para a reserva remunerada, de ofício, por inclusão em quota compulsória, se prevista, deve ser disciplinada por lei do ente federativo”

Os aspectos mais importantes do referido artigo, na parte que interessa a presente análise são os seguintes:

a) no tocante à elevação do tempo de serviço exigido (de 30 para 35 anos) e tempo mínimo de exercício de atividade de natureza militar, tal disposição se restringe tão somente à hipótese “transferência para a inatividade remunerada, a pedido” no inciso I, alíneas “a” e “b”;

b) ainda assim, o caput do art.24-A, determina que tal hipótese deve observar “o disposto nos arts. 24-F e 24-G deste Decreto-Lei”.

4. A disposição do artigo 24-F

O art. 24-F, conhecido entre nós como a regra de extensão minus (menor) determina que apesar da Lei nº 13.954/2019 ter entrado em vigor na data da sua publicação (DOU: 17/12/2019), o referido artigo estendeu o direito à inatividade à pedido para quem cumprisse até a data de 31/12/2019, o tempo de serviço exigido pela lei de regência de cada ente federativo (Estados/DF).  (que no caso da Lei nº 3.909/1977, é de 30 anos). Eis o teor do dispositivo:

            “Art. 24-F. É assegurado o direito adquirido na concessão de inatividade remunerada aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, e de pensão militar aos seus beneficiários, a qualquer tempo, desde que tenham sido cumpridos, até 31 de dezembro de 2019, os requisitos exigidos pela lei vigente do ente federativo para obtenção desses benefícios, observados os critérios de concessão e de cálculo em vigor na data de atendimento dos requisitos.”

A consequência é que no caso do militar paraibano, se este tiver completado até o dia 31 de dezembro de 2019, o tempo exigido de 30 anos para poder requerer a sua transferência remunerada à pedido estaria(rá) “à salvo” da exigência de ter os 35 anos de serviço e também desobrigado a cumprir o pedágio previsto no art. 24-G. 

5. A disposição do artigo 24-G, inciso I, parágrafo único

O art.24-G, inciso I, parágrafo único, veicula a regra de transição (pedágio), e tem a seguinte redação:

Art. 24-G. Os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios que não houverem completado, até 31 de dezembro de 2019, o tempo mínimo exigido pela legislação do ente federativo para fins de inatividade com remuneração integral do correspondente posto ou graduação devem:

            I - se o tempo mínimo atualmente exigido pela legislação for de 30 (trinta) anos ou menos, cumprir o tempo de serviço faltante para atingir o exigido na legislação do ente federativo, acrescido de 17% (dezessete por cento); e 

(...)            

Parágrafo único. Além do disposto nos incisos I e II do caput deste artigo, o militar deve contar no mínimo 25 (vinte e cinco) anos de exercício de atividade de natureza militar, acrescidos de 4 (quatro) meses a cada ano faltante para atingir o tempo mínimo exigido pela legislação do ente federativo, a partir de 1º de janeiro de 2022, limitado a 5 (cinco) anos de acréscimo.

O objetivo desse dispositivo é evitar injustiças e distorções que a aplicação pura e simples que a regra do Art. 24-A, I, “a”, poderia ocasionar em relação aos militares estaduais que já estavam em atividade quando da entrada em vigor da lei nº 13.954 (16/12/2019) e que não se enquadravam na  regra de extensão minus (menor) prevista no art.24-F.

6. A regra de extensão maior

Dessa forma, o disposto no art.24-A, inciso I, alínea “a” deve ser “lido” em conjunto com as disposições contidas no art.24-F e art.24-G, inciso I, parágrafo único. É o que está escrito no caput do artigo 24-A:

             “Art. 24-A. Observado o disposto nos arts. 24-F e 24-G deste Decreto-Lei,         aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios as      seguintes normas gerais relativas à inatividade”:

Ocorre que a despeito de tratar exclusivamente acerca da hipótese de transferência para a reserva remunerada a pedido, o art. 24-A, em seu inciso I, alínea “a” e que tal dispositivo deve ser “considerado” em conjunto com disposições contidas no art.24-F e art.24-G, inciso I, parágrafo único, ainda tem mais.

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 A lei 13.954/2019 vai além, prevendo em relação a chamada regra de extensão maior, um plus quanto à flexibilização do disposto no art.24-G, inciso I, parágrafo único, de forma que a regra de pedágio estabelecida somente passe a produzir seus efeitos a partir do dia 1º de janeiro de 2022.

É o que dispõe a literalidade do art.26. Senão vejamos:

            Art. 26. Ato do Poder Executivo do ente federativo, a ser editado no prazo de 30 (trinta) dias e cujos efeitos retroagirão à data de publicação desta Lei, poderá autorizar, em relação aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios em atividade na data de publicação desta Lei, que a data prevista no art. 24-F e no caput do art. 24-G do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, incluídos por esta Lei, seja transferida para até 31 de dezembro de 2021.

Dessa forma, a lei em questão permitiu que o Chefe do Executivo, a nível estadual/distrital, através de ato normativo (Decreto) atuasse no sentido de que a data prevista na regra de extensão minus (art.24-F) assim como a data prevista para a exigência do cumprimento da regra de transição/pedágio (Art.24-G) somente viessem a ser exigidas a partir do dia 1º de janeiro de 2022.

No Estado da Paraíba, como é do conhecimento de todos, por meio do Decreto nº 39.999/2020, o Chefe do Executivo fez uso dessa norma geral de maneira que até aquela data estará valendo a regra atual para efeito de transferência para  reserva remunerada a pedido, ou seja, a exigência de 30 anos de serviço.

 

7. O que estabelece a LINDB

A Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (DL nº 4.657/1942, com a atual redação dada pela Lei nº 12.376/2010) estabelece as seguintes premissas:

Art. 2o  Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1o  A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

§ 2o  A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

§ 3o  Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

Pois bem, vamos submeter a disposição do art.24-A, I, “a” ao escrutínio em face da “regra” contida no parágrafo primeiro:

 § 1o  A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

Primeiro: o art.24-A, I, “a” expressamente declara a revogação do art.90, II da Lei nº 3.909/78? Não. E nem seria esperado que o fizesse.

Segundo: o art.24-A, I, “a” é incompatível com o art.90, II da Lei nº 3.909/78? Antes de responder, quero lembrar que estamos tratando da vigência da novel lei no tempo. Portanto, devemos fixar se tal dispositivo é aplicável aos militares que já estavam na ativa quando da entrada em vigor da Lei nº 13.954/2019. Dito isso, vamos em frente.

O disposto no art.24-A, I, “a”, não se aplica em relação aos militares que estavam na ativa quando da entrada em vigor da Lei nº 13.954/2019 (Vide itens 4.5 e 6). Ora, se tal dispositivo sequer se aplica em relação a esses militares (lembrando sempre que o art. 24-A,I, “a” está tratando de transferência a pedido) então jamais será incompatível com o disposto no art.90, II da Lei nº 3.909/78.

Terceiro: o art.24-A, I, “a” regula inteiramente a matéria disposta no art.90, II da Lei nº 3.909/78? Não. O art.24, I, “a” trata de transferência para a inatividade na modalidade “a pedido” enquanto que o art.90, II da Lei nº 3.909/78 trata de transferência para a inatividade na modalidade “ex-officio”, portanto, de temática distinta.             

8. Conclusão: o inciso I, alínea “a” do Art.24-A do Decreto-Lei nº 667/1969 revogou as disposições contidas no inciso II, art.90 da Lei nº 3.909/1978?

A resposta é um sonoro NÃO.

Aliás, a disposição contida no inciso I, alínea “a” do Art.24-A do Decreto-Lei nº 667/1969 que diz respeito exclusivamente a transferência para a reserva remunerada a pedido, sequer está produzindo os seus efeitos no atual momento (que é aumentar o tempo de serviço exigido para a transferência para a reserva remunerada a pedido) em relação aos militares paraibanos que já estavam no serviço ativo na data da publicação da Lei 13.954/2019.

Em relação aos militares que já estavam no serviço ativo na data da publicação da Lei 13.954/2019 continua em pleno vigor todas as disposições do art.90 da Lei nº 3.909/1978, pelo menos até a data de 1º de janeiro de 2022, quando muito provavelmente a nova lei estadual específica inovará na ordem jurídica se adequando as normas gerais estabelecidas na Lei 13.954/19.

Sobre o autor
Amilcar J. Klein

Policial Militar do Estado do Paraíba.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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