O ordenamento jurídico brasileiro confere à Ordem dos Advogados do Brasil todas as prerrogativas as quais são também dadas às autarquias profissionais. Ou melhor, à OAB é concedido fiscalizar os profissionais da advocacia em suas atividades e aplicar punições diversas. Além disso, os advogados obrigatoriamente devem permanecer vinculados à referida entidade, a qual dispõe do poder de cobrar taxas compulsórias. Esses valores arrecadados pela ordem têm, ainda, a natureza de tributo.
Diante disso, é notável que a OAB é detentora do poder de polícia, o qual seria, em tese, somente atribuído à administração pública, a fim de que essa intervenha na esfera das liberdades individuais para se atingir o interesse público. Tendo em vista essas circunstâncias, o Tribunal de Contas da União considerou a instituição ora em análise como um ente da administração indireta e, por conseguinte, sujeita ao seu controle.
A Ordem dos Advogados do Brasil inconformada impetrou Mandado de Segurança (MS 36376 MC / DF - DISTRITO FEDERAL) em relação ao ato praticado pelo TCU de intentar fiscalizar suas contas. A corte, então, ao proceder à análise da causa considerou que o status quo deveria ser mantido e que a entidade tinha de se manter fora da incidência do poder fiscalizatório do TCU.
Argumentou-se, então, que a OAB é uma entidade sui generis no ordenamento brasileiro e, logo, não está voltada apenas para a defesa do interesse de sua categoria, mas também para os interesses do Estado Democrático de Direito, da justiça social, dos direitos humanos. Por isso, defenderam os ministros do STF que a entidade não poderia sofrer ingerências do poder público semelhantes às pretendidas pelo TCU. Além do que, colocou-se que a entidade possui natureza de entidade privada e não de pública.
Seguindo essa lógica, julgando a ADI 3026/DF, também considerou o STF que a ordem também não estaria sujeita à exigência de realizar concurso público. Alegou-se, nesse sentido, que a entidade goza de autonomia e que não pertente à administração pública; não se lhe podendo impor, por isso, a obrigatoriedade de realização de concursos públicos.
Em sentido oposto tem visto o STF o papel de outras autarquias (ressalte-se que a OAB não é mais tida como entidade autárquica e, embora a princípio fosse assim classificada, o STF firmou entendimento de o não poder ser, conforme supracitado). Exemplo disso pode ser visto em relação às autarquias culturais, as quais possuem tanto autonomia pedagógica (escolha livre da metodologia de ensino, desde que alcance seus objetivos), quanto para a escolha de seu dirigente máximo, o reitor, o qual é escolhido pela comunidade docente e discente, para ficar no cargo por mandato certo. Não obstante isso, o STF já decidiu na ADI 1599 e no RE 331285 / SP que a autonomia das universidades não é total, assim como não configura independência e nem soberania; estando, portanto, sujeita a controle e fiscalização estatal. Especificamente no julgamento do recurso especial, decidiu o STF que a autonomia das universidades não lhas garante independência da administração pública e nem exime seus servidores de se submeterem a regime jurídico semelhante ao do funcionalismo público, inclusive no que se refere às regras remuneratórias.
Partindo-se desse exemplo, observa-se que conquanto haja distintas entidades dotadas de autonomia e possuidoras de grande relevância para a nação brasileira (como as universidades, as quais responsabilizam-se pela educação e formação de ideias e cujo papel social extrapola seu fim imediato), somente à OAB é dada independência em relação à administração pública.
Por fim, é de se notar independência da OAB em relação ao poder público é uma questão ainda longe de se findar. Exemplo disso é o recurso extraordinário 118219 de relatoria do Ministro Marco Aurélio, proposto pelo ministério público, em que se discute novamente se a OAB deve ou não se submeter à fiscalização do TCU. Foi dado pelo STF, repercussão geral ao tema, tendo sido vencido o voto do Ministro Edson Fachin.
Assim, o julgamento estava marcado para ser feito entre os dias 9 a 19 de outubro de 2020, no entanto a OAB considerou que a questão não poderia ser pautada em plenário virtual —o que ocorreria, devido à pandemia do Coronavírus—, porquanto seria dotada de demasiada relevância para a administração da justiça e a sustentação oral por videoconferência não é tão efetiva, quanto a presencial. Embora esse argumento tenha inicialmente sido indeferido pelo relator, posteriormente, o Ministro Ricardo Lewandowski fez pedido de destaque e retirou do julgamento virtual, ficando esse julgamento para outro momento oportuno.
Referências bibliográficas:
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