Uma reflexão acerca da independência funcional dos membros da Defensoria Pública da União e o caso Magazine Luíza

15/10/2020 às 11:39
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Trata-se de uma reflexão acerca do conceito e extensão da garantia de independência funcional do Defensor Público, considerando a repercussão ocasionada pelo ajuizamento da ação civil pública pela Defensoria Pública da União em face da Magazine Luíza S/A.

                Prevista no art. 134, § 4º da CRFB/88, no art. 3º da LC/80 e no art. 43, I da LC/80, a independência funcional representa não só um princípio institucional mas também uma garantia individual dos membros da Defensoria Pública da União. Discute-se, em doutrina, se essa garantia teria o condão de ser irrestrita ou se comportaria restrições.

                A Defensoria Pública é uma instituição nova, criada apenas em 1988 (apesar de a ideia da existência de um órgão público de assistência judiciária constar de nosso ordenamento jurídico desde 1897, por força do Decreto 2.457, que o instituiu na cidade do Rio de Janeiro). Entretanto, antes de ingressar na seara doutrinária específica da Defensoria, interessante se faz verificar o conceito a atribuído a esta garantia pelas outras instituições que também a detém e há mais tempo, como o Ministério Público e o Poder Judiciário.

                Em artigo acerca do tema, o magistrado José Renato Rodrigues, assim se expressa (citarei trechos): “Ao tratar do art. 41[6] da Lei Complementar nº 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN), que é claro ao dispor que “(...) o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir”, o Ministro Celso de Mello, decano do E. STF, assim lecionou sobre a “independência judicial”, in verbis:

(...) É que a independência judicial constitui exigência política destinada a conferir, ao magistrado, plena liberdade decisória no julgamento das causas a ele submetidas, em ordem a permitir-lhe o desempenho autônomo do officium judicis, sem o temor de sofrer, por efeito de sua prática profissional, abusivas instaurações de procedimentos penais ou civis. (Inq 2.699‑QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-3-2009, Plenário, DJE de 8-5-2009.)

(...)

A importância da independência funcional é tamanha a ponto da própria Constituição Federal garantir aos juízes e aos membros do Ministério Público, como antes dito, os predicativos da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio (art. 95 da CF/88)[10] e, ainda, classificar como crime de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra, dentre outros, o “livre exercício” do Judiciário e do Ministério Público (art. 85, II).

Com estes breves apontamentos, concluímos afirmando que todos os juízes, procuradores da república e promotores possuem a indispensável e irrenunciável, ainda que circunstancialmente, independência funcional, que decorre da independência das funções estatais[11] – art. 2º e art. 60, §4º, III, ambos da CF/88, como bem observado pelo Min. Gilmar Mendes no seu voto parcialmente transcrito anteriormente, motivo pelo qual assim deve entendida e, principalmente, respeitada por todos, haja vista que vivemos em um Estado Democrático de Direito – art. 1º da CF/88”. (RODRIGUES, José Renato. Considerações acerca da independência funcional dos juízes, procuradores da república e promotores brasileiros. https://www.ajufe.org.br/imprensa/artigos/6518-consideracoes-acerca-da-independencia-funcional-dos-juizes-procuradores-da-republica-e-promotores-brasileiros)

               No âmbito do Ministério Público, sob o ponto de vista institucional, a visão irrestrita da garantia da independência funcional foi adotada até mesmo pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que, em seu site, a define da seguinte forma: “Cada procurador, no exercício de suas funções, tem inteira autonomia. Não fica sujeito a ordens de quem quer que seja, nem a superiores hierárquicos. Se vários membros do MPF atuam em um mesmo processo, cada um pode emitir sua convicção pessoal acerca do caso; não estão obrigados a adotar o mesmo entendimento do colega. Em decorrência desse princípio, a hierarquia no MPF é considerada com relação a atos administrativos e de gestão. Ex.: somente o procurador-geral da República pode designar procuradores para atuarem numa força-tarefa. Após a designação, no entanto, o procurador-geral não tem nenhum poder de dizer quais medidas o procurador deve adotar em seu trabalho” (https://www.cnmp.mp.br/portal/institucional/476-glossario/8000-independencia-funcional).

                Já no âmbito da defensoria pública, Pedro Lenza, em sua obra, quando trata das garantias institucionais da DP, reporta-se ao que ele mesmo já tinha expendido acerca das garantias do Ministério Público, in verbis: “independência funcional: trata-se de autonomia de convicção, na medida em que os membros do Ministério Público não se submetem a nenhum poder hierárquico no exercício de seu mister, podendo agir, no processo, da maneira que melhor entenderem. A hierarquia existente restringe-se às questões de caráter administrativo, materializada pelo Chefe da Instituição, mas nunca, como dito, de caráter funcional”. (LENZA, Pedro. Curso de Direito Constitucional Esquematizado. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Págs. 999 e 1066.)

                 Tal entendimento também é compartilhado por José Afonso da Silva, Edilon Volpi Peres, Arcênio Brauner Júnior, Frederico de Lima e, no âmbito do Ministério Público, Hugo Nigro Mazzilli (Apud PAIVA, Caio Cezar. Prática Penal para Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Forense, 2016. Págs. 50-51).   

                O ilustre colega, na obra acima citada (cito-o por todos, já que não é o único a pensar desta forma, indicando até alguns membros do Ministério Público que também pensam como ele), por sua vez, diverge dessa concepção da garantia da independência funcional. Em suas palavras: “Essa concepção irrestrita da independência funcional acaba por colocar o defensor público acima da Defensoria Pública, prestigiando atributos individuais como o da obediência à consciência ou à convicção pessoal em detrimento de valores institucionais. Confrontamo-nos, aqui, com um dos desafios mais complexos, que envolve, inclusive, a colidência entre dois princípios institucionais da Defensoria Pública: o princípio da unidade, que reclama e pressupõe a existência de uma instituição que ao menos tenha como meta tratar, em prestígio à segurança jurídica, os seus assistidos de forma igualitária; e o princípio da independência funcional, que acertadamente confere aos defensores públicos a garantia de uma atuação livre de ingerências (indevidas) externas e internas (PAIVA, Caio Cezar. Prática Penal para Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Forense, 2016. Pág. 51).

                Estabelecidos o conceito de independência funcional e o debate doutrinário acerca da extensão da referida garantia, passo a analisar o caso concreto da Ação Civil Pública ajuizada pela DPU em face da Magazine Luíza S/A.

                  No dia 05 de outubro de 2020, a Defensoria Pública da União, por meio da atuação do colega Jovino Bento Júnior, apresentou uma ação civil pública perante a justiça do trabalho do Distrito Federal na qual impugnou a legalidade e, quiçá, a constitucionalidade do processo seletivo da sociedade empresária Magazine Luíza S/A que, adotando critério inédito na história pós 1888 de nosso país, decidiu selecionar apenas candidatos negros.

                  A iniciativa da Magazine Luíza S/A havia sido muito polêmica, até mesmo porque realizada sem qualquer debate social prévio em âmbito nacional, surpreendendo diversos setores da sociedade, bem como causando perplexidade, mormente pelo momento de incremento das taxas de desemprego, causado pela atual crise econômica mundial que, por sua vez, decorre da pandemia do coronavírus, já que representava uma espécie de restrição das oportunidades de emprego, ainda que com o escopo de favorecer determinado grupo vulnerável.

              Atuando perante a justiça do trabalho e, portanto, com atribuição para adotar a providência judicial que vislumbrava juridicamente cabível, o colega, com supedâneo na garantia da independência funcional, ajuizou a referida ação coletiva.

              Da leitura da peça exordial, depreende-se que, a princípio, a iniciativa da sociedade empresária Magazine Luíza S/A realmente atenta contra as normas do ordenamento jurídico pátrio e até mesmo do internacional, senão vejamos:

CRFB/88 - Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; (pág. 14 da exordial).

Lei nº 12.288 – Estatuto da Igualdade Racial - Art.  1º Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às  demais formas de intolerância étnica.

Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se:

I - discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada; (Pág. 18 da exordial)

Art. 2º É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais. (Pág. 20 da exordial)

A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, de 1948, declara que “todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania (Artigo 2°)” (Pág. 20 da exordial)

 

Lei 12.990/14 - Art. 1º Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma desta Lei.

§ 1º A reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público for igual ou superior a 3 (três). (pág. 25 da exordial)

 

Lei 7716/89 - Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada. Pena: reclusão de dois a cinco anos. (pág. 31 da exordial)

§ 2º Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010) (pág. 32 da exordial)

 

Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) (Anexo XXVIII do Decreto 10.088/19) - o art. 1º, 1. Para fins da presente convenção, o termo “discriminação” compreende: a) Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão; (pág. 37 da exordial)

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                Em que pesem todos os argumentos expendidos pelo colega em sua peça de 54 páginas e a literalidade de todas as normas citadas acima, bem como, em especial, suas ponderações acerca da aplicação do princípio da razoabilidade ao caso concreto, ele foi alvo não só de críticas internas (fato que é aceitável e compreensível, considerando a natureza da questão posta para análise do poder judiciário), mas também de representações à corregedoria no que tange à sua atuação.

               Uma delas, apresentada em conjunto por entidades ligadas ao movimento negro, solicita à corregedoria da DPU (a) a urgente instauração de procedimento para averiguar falta funcional e improbidade administrativa por parte do colega, (b) que a DPU desista da ação civil pública apresentada pelo colega; c) que o colega seja condenado a ressarcir à DPU o custo com o ajuizamento da ação;

                   O início da argumentação da peça de representação começa com uma distorção do conteúdo da exordial da ACP. Alega que o colega teria como pressuposto de sua ação a negação da existência da dívida histórica, citando (fora de contexto e sem indicação da página) frase em que o colega afirma tão somente que o conceito é extrajurídico e controvertido e apenas de modo a indicar que essa seria a razão alegada pela Magazine Luiza, apontando que a dele seria tão somente insurgir-se contra a reserva total de vagas para negros no certame da referida sociedade empresária. (pág. 3 da peça de representação)

                  Nessa mesma página (pág. 3) ainda faz outra alegação fora de contexto e distorcida de que o colega teria negado que, historicamente, os negros teriam sido expropriados em sua força de trabalho, quando, na verdade, a afirmação dele foi a de que o discrímen realizado pela Magazine Luíza S/A afastou os demais brasileiros (inclusive de outras minorias, como a indígena, por exemplo) de uma oportunidade de garantir a própria subsistência pela venda de sua mão de obra. Novamente, sequer indica a página da inicial da qual retirou a citação.

                  Prossegue citando dados que, no entendimento dos subscritores da peça, comprovariam a vulnerabilidade dos negros, como se essa questão tivesse sido contraditada pela exordial da ACP que, por sua vez, apenas buscou impugnar uma seleção voltada exclusivamente para candidatos de uma determinada raça e, desta forma, promover a discussão judiciária acerca da legalidade/constitucionalidade da medida, posto que já havia uma discussão social acerca da juridicidade do critério de seleção adotado pela Magazine Luíza S/A.

                 Depois, no tópico “do direito” indica que a Defensoria Pública é uma instituição que tem por objetivo a tutela da população mais pobre e, em síntese, diz que, ao impugnar o critério estabelecido pela Magazine Luíza, o colega, por ajuizar a referida ACP, teria atuado com desvio de finalidade e, por isso, sua conduta não estaria acobertada pela garantia da independência funcional.

             Sobre a questão de fundo da representação, reporto-me ao que foi corretamente explanado pelo ilustre magistrado e professor William Douglas em seu artigo sobre o tema aqui também apreciado. Transcrevo: “Conheço vários juristas, inclusive negros, que entendem que a medida é equivocada, Jovino não está sozinho. Sobre o tema de fundo, ainda publicarei artigo, mas de imediato posso dizer: 25% dos mais pobres são brancos. Eles foram excluídos. Todos sabem das dificuldades que passam muitos nordestinos. Eles foram excluídos. Onde estão os ciganos, os deficientes, os anões? Todos estes grupos passam por dificuldades e todos eles foram excluídos. Se essa exclusão é acobertada pela proteção às ações afirmativas, é uma discussão válida e necessária”. (https://odia.ig.com.br/opiniao/2020/10/6005252-william-douglas--o-massacre-de-jovino-bento-e-os-riscos-para-a-democracia-e-a-independencia-do-judiciario.html)

               Os negros não são os únicos historicamente excluídos na história do Brasil e do mundo. Por que só eles merecem uma ação afirmativa que exclua, a priori e peremptoriamente, todos os outros grupos de minorias?

                A representação apresentada por alguns parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT) também carece de fundamento. Sem mencionar uma linha da petição inicial da ACP, afirma, sem qualquer embasamento na realidade dos fatos que: “Ciente de tal seleção, o ora Representado, a par da sua liberdade de pensamento e expressão,  valendo-se  o cargo  que  ocupa, ao  propor, sponte  propria, a Ação Civil Pública referenciada nos termos e sob as alegações e pedidos nela deduzidos, adotou medida processual em tudo contrária aos  objetivos  e  finalidades  institucionais  da  Defensoria Pública da União, no tocante à defesa dos vulneráveis e dos direitos humanos, no que se insere, dentre  outros  temas relevantes, a questão do racismo e sua superação, no que se entende que possa ter violado seu estatuto funcional (Lei complementar nº 80, de 1994), bem como o Estatuto do Servidor Público Federal (Lei nº 8.112, de 1990) por prática de ato que colide com as funções do seu cargo e preceitos éticos da sua profissão”. (págs. 5 e 6 da representação)

               Mais adiante na peça, ainda invoca o princípio da unidade como empecilho para a atuação do colega. Transcrevo: “E mais, em âmbito interna corporis, também sob a perspectiva do princípio da unidade, a atuação do Representando se mostra contrária ao que preconiza e como atua a instituição. O princípio da unidade significa, em harmonia com seu sentido etimológico (unidade, união, concórdia) que, quando um defensor atua, embora sob sua autonomia, independência e livre consciência, a sua atuação é representativa, reflexiva da instituição em nome da qual atua, tanto mais em sede de ação de caráter coletivo e transindividual, como a ação civil pública, dados os amplos efeitos desta – erga omnes e ultra partes. Há que se ressaltar que a Defensoria Pública da União tem uma unidade destacada para lidar com as questões afetas à questão do racismo, qual seja o Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais, com o qual o ora Representado poderia ter dialogado previamente acerca da questão e de interpretações jurídicas”. E, como complementação argumentativa, apresenta ainda as notas produzidas pela ANADEP e pelo GT Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União. Tudo isso como fundamento para a punição do colega. (págs. 12-16 da representação).

               Não fica difícil perceber que o fundamento das representações foi a abertura gerada pela divergência doutrinária acerca da extensão da garantia da independência funcional no âmbito da Defensoria Pública.

          Admitir a limitação propugnada à garantia da independência funcional significa, necessariamente, subordinar a atuação individual de um Defensor Público a um outro Defensor Público (seja ele o Defensor Público-Geral ou o Corregedor, por exemplo) ou a um grupo de seus pares, posto que, inexoravelmente, a conduta do Defensor Público à qual se busca a impugnação e responsabilização interna deverá passar pelo crivo de um órgão correicional (seja esse órgão singular ou colegiado).

                Assim sendo, subordinar a atuação individual de um Defensor Público por eventualmente contrariar o entendimento dos integrantes de um grupo de trabalho da instituição é promover a destruição de uma garantia funcional e institucional, rebaixando, por conseguinte, o membro da Defensoria Pública da União à condição de integrante de órgão de governo, não subordinado ao poder executivo (em razão da autonomia que goza a DPU em relação aos poderes da república, por força da EC nº 74/2013), mas à corregedoria ou até mesmo aos próprios integrantes do grupo de trabalho da matéria relativa à qual o referido membro deseja atuar.

               Adotada essa concepção restritiva da garantia da independência funcional, criar-se-ão duas espécies de Defensores Públicos, aqueles com garantias funcionais totais (todos que atuam nos órgãos correicionais e/ou temáticos) e os Defensores Públicos com garantias funcionais parciais que, por conseguinte, estarão sujeitos a todos os tipos de ações externas e internas intimidatórias, como foi o caso das duas representações direcionadas em face do colega.

               A independência funcional do Defensor Público, ainda que em sua concepção irrestrita, não significa que membro da Defensoria Pública poderá atuar observando tão somente a sua própria consciência. Ele deve respeito à Constituição Federal e às leis, até mesmo porque o Brasil é um Estado de Direito.

                Cabe observar, por fim, que a função do Defensor Público não é a de impor, e sim a de propor, função corretamente exercida pelo colega quando propôs ao Poder Judiciário que analisasse e julgasse a juridicidade dos critérios de seleção estabelecidos pela sociedade empresária Magazine Luíza S/A para seu programa de trainee.

Sobre o autor
João Paulo Baptista Nespoli

Defensor Público Federal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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