Presença de corante artificial proibido em polpa de frutas e a configuração de crime contra a relação de consumo

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Crime contra contra as relações de consumo. Presença de corante em polpa de fruta. Necessidade ou não de prova pericial. Jurisprudência.

A legislação brasileira contém normas de proteção ao consumidor e à sociedade em geral no que se refere ao direito a alimentos saudáveis, prevendo sanções nas searas administrativa, criminal e cível contra os abusos praticados nas relações de consumo, a serem aplicadas nas situações envolvendo alimentos impróprios ao consumo.

A Lei nº 8.137/90, que trata dos crimes contra as relações de consumo, constitui-se no principal instrumento normativo penal de defesa do consumidor contra as práticas lesivas no tocante à venda e depósito de alimentos impróprios ao consumo.

Especificamente em seu art. 7º, inciso IX, assim reza:

Art. 7º Constitui crime contra as relações de consumo:

[...]

IX - vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo;

Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II, III e IX pune-se a modalidade culposa, reduzindo-se a pena e a detenção de 1/3 (um terço) ou a de multa à quinta parte.

O Código de Defesa do Consumidor assim define a expressão impróprio ao consumo:

Art. 18

§6º São impróprios ao uso e consumo:

[...]

II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;

Discorrendo sobre esse delito, a doutrina explica:

Para que o crime reste caracterizado, essa matéria-prima ou mercadoria deve estar em condições impróprias para o consumo. Como a Lei n. 8.137/90 não define expressamente o que são condições impróprias ao consumo, parece-nos possível a utilização do Código de Defesa do Consumidor, que preceitua em seu art. 18, §6º, que são impróprios ao uso e consumo: I – os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos; II – os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; III – os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam. Cuida-se, pois, de verdadeira normal penal em branco. Na visão da 1ª Turma do Supremo, a comprovação desse delito do art. 7º, inciso IX, da Lei n. 8.137/90, demanda a comprovação da impropriedade do produto para uso, pelo que imprescindível a realização de exame pericial para aferir a nocividade dos produtos apreendidos, comprovando que a mercadoria era, de fato, inadequada ao consumo.

(LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Penal Especial Comentada. 7. ed. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 152-153)

A propósito, a Instrução Normativa nº 49, de 26 de setembro de 2018, do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, fixa Padrões de Identidade e Qualidade de Suco e Polpa de Fruta, sendo ali explicados vários itens e disciplinadas normas sobre definição, designação, composição, características físicas, químicas, microscópicas e organolépticas, aditivos, resíduos e contaminantes, higiene, pesos, medidas e rotulagem, fixando para cada tipo de fruta, as normas sobre a respectiva polpa.

A mesma Instrução Normativa, sobre os aditivos, assim prevê:

Art. 8º - É permitido o uso de aditivo e coadjuvante de tecnologia de acordo com as Resoluções RDC ANVISA nºs 7 e 8, ambas de 6 de março de 2013, salvo aqueles expressamente proibidos ou com restrições de uso estabelecidos pelo MAPA.

Parágrafo único - O uso de aditivos conservadores não exclui a adoção de medidas de higiene em todas as etapas de produção necessárias para a obtenção da qualidade microbiológica final do suco e da polpa de fruta.

Continuando, tem-se que a Resolução Nº 44/19771 da Comissão Nacional de Normas e Padrões para Alimentos, do Ministério da Saúde, estabeleceu as condições gerais de elaboração, classificação, apresentação, designação, composição e fatores essenciais de qualidade dos corantes (um tipo de aditivo) empregados na produção de alimentos e bebidas.

Tal norma traz a seguinte definição de corante: “substância ou a mistura de substâncias que possuem a propriedade de conferir ou intensificar a coloração de alimento(e bebida)”, sendo assim classificado: Corante orgânico natural, Corante orgânico sintético (corante artificial e Corante orgânico sintético idêntico ao natural), Corante inorgânico, Caramelo e Caramelo (processo amônia).

Em seu Anexo II, lista os corantes de uso tolerado em alimentos (e bebidas), dentre eles, por exemplo, o Amarelo ácido ou amarelo sólido, um corante orgânico sintético artificial muito utilizado em polpa de frutas amarelas.

Ocorre que a Portaria nº 02/1997, do Diretor da Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Alimentos/Ministério da Saúde, considerando a ausência de informações toxicológicas quanto a alguns corantes, representando, assim, risco potencial à saúde pública, excluiu o corante citado no nosso exemplo – o Amarelo Ácido ou Amarelo Sólido - da lista de corantes de uso tolerado em alimentos. Portanto, desde o ano de 1997, passou a ser proibida a utilização desse corante em alimentos.

Para melhor esclarecer, a ANVISA publicou o Informe Técnico n. 68/20152. No correspondente Anexo, consta a lista de corantes artificiais permitidos em alimentos, não estando listado o corante Amarelo ácido ou amarelo sólido, vejamos:

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Daí por que, enquanto consumidores, devemos redobrar nossas atenções quanto aos produtos que pretendemos consumir.

Sobre a configuração do delito, a Jurisprudência se divide em relação à necessidade ou não de prova pericial para atestar a materialidade, vejamos:

APELAÇÃO. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. ART. 7º, INC. IX, DA LEI Nº 8.137/90. TER EM DEPÓSITO E EXPOR À VENDA PRODUTOS ALIMENTÍCIOS EM CONDIÇÃO IMPRÓPRIA PARA O CONSUMO HUMANO E COM PRAZO DE VALIDADE VENCIDOS. PERÍCIA. NECESSIDADE. MATERIALIDADE DELITIVA NÃO COMPROVADA. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE./tI - A prova da impropriedade para consumo humano, elementar do tipo penal do art. 7º, inc. IX, da Lei nº 8.137/90, é obtida por meio da realização de exame pericial na matéria-prima/produtos apreendidos, conforme entendimento jurisprudencial. II - O delito deixa vestígios materiais, nos termos do art. 158, do CPP, portanto, a prova pericial é indispensável para demonstração do fato, a qual poderia ter sido obtida oportunamente, seja na sua forma direta ou indireta. RECURSO PROVIDO.

(TJ-RS - APR: 70084047695 RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Data de Julgamento: 30/07/2020, Quarta Câmara Criminal, Data de Publicação: 18/09/2020)

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (CPP, ART. 581, I). CRIME CONTRA AS RELACOES DE CONSUMO. EXPOSIÇÃO DE MERCADORIA IMPRÓPRIA AO CONSUMO (LEI 8.137/90, ART. 7º, IX, C/C LEI 8.078/90, ART. 18, § 6º, II). REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. FALTA DE PROVA PERICIAL. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. MÉRITO. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS A DEMONSTRAR A MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA. ACOLHIMENTO. JUSTA CAUSA EVIDENCIADA. TIPO IMPUTADO. NORMA PENAL EM BRANCO. MERCADORIA IMPRÓPRIA PARA O CONSUMO. CONCEITO EXTRAÍDO DO ART. 18, § 6º, II, DA LEI 8.078/90 C/C ARTS. 5º, I, E 9º, III, AMBOS DO DECRETO ESTADUAL 31.455/1987. CRIME FORMAL. PRESCINDIBILIDADE DE PROVA PERICIAL. ELEMENTOS MÍNIMOS A EVIDENCIAR, EM TESE, A MATERIALIDADE E A AUTORIA DELITIVAS. RELATÓRIO FORMULADO POR MEIO DE AÇÃO CONJUNTA DE ÓRGÃOS PÚBLICOS. ATIVIDADE CONFIRMADA POR DECLARAÇÃO INDICIÁRIA DE FISCAL DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA. AUTO DE INTIMAÇÃO LAVRADO POR FISCAIS DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA. SUPOSTA APREENSÃO DE PRODUTOS QUE ESTAVAM EXPOSTOS À VENDA EM CONDIÇÕES IMPRÓPRIAS AO CONSUMO NO ESTABELECIMENTO COMERCIAL DOS RECORRIDOS, PORQUE SEM A COMPROVAÇÃO DE PROCEDÊNCIA E DATA DE VALIDADE. RECURSO PROVIDO. O crime de expor à venda mercadoria imprópria ao consumo (Lei 8.137/1990, art. 7º, IX)é integrado normativamente pelo art. 18, § 6º, II, da Lei 8.078/1990 e regulamentado pelo Decreto Estadual 31.455/1987, portanto, trata-se de norma penal em branco, delito de natureza formal e de perigo abstrato que prescinde de prova pericial. Parecer da PGJ pelo conhecimento e o provimento do recurso. Recurso conhecido e provido.

(TJSC, Recurso em Sentido Estrito n. 0000062-23.2017.8.24.0027, de Ibirama, rel. Des. Carlos Alberto Civinski, j. 04-05-2017).

Na nossa visão, para restar configurada a conduta delituosa ora em comento, por se tratar de um assunto que envolve muita tecnicidade, acostamo-nos à corrente que entende pela necessidade de prova pericial, devendo no laudo constar qual o tipo de corante, a quantidade utilizada, para daí então ser analisada a nocividade ou não para a saúde.


Notas

1 Disponível em: <https://portal.anvisa.gov.br/documents/33916/391619/RESOLUCAO_CNNPA_44_1977.pdf/b8d43a0d-5c1b-4be1-ba69-67f69cf55446>. Acesso em: 07 nov. 2019.

2 Disponível em: <https://portal.anvisa.gov.br/documents/33916/388729/Informe+T%C3%A9cnico+n%C2%BA+68%2C+de+3+de+setembro+de+2015/b4c841fc-b6b5-4d5a-af18-d4b9ad16158f>. Acesso em: 07 nov. 2019.

Sobre as autoras
Inês Cristina Alencar de Albuquerque Barbosa

Mestranda em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará. Graduada em Direito, pós-graduada em Direito Processual, servidora do Ministério Público do Estado do Ceará.

Narjara Soares Magalhães

Graduada em Direito, pós-graduada em Direito Público, mestre em Planejamento e Políticas Públicas, servidora do Ministério Público do Estado do Ceará.

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