CONTEXTUALIZAÇÃO
Para ser possível entender como se constituiu o Tribunal Militar Internacional do Extremo Oriente e como foi o desenrolar de suas ações, é preciso primeiro entender o contexto no qual ele foi criado. De acordo com a Conferência de Cairo (1943), mesmo antes da Segunda Guerra Mundial chegar ao fim, os países aliados como Estados Unidos, China e Grã-Bretanha já tinham a intenção de que quando chegasse o fim da guerra, os crimes e agressões cometidos por parte dos japoneses deviam ser levados a julgamentos e punidos (OLIVEIRA,2010).
No dia 8 de maio de 1945 a Alemanha Nazista declara rendição incondicional e com isso a Declaração de Potsdam estabelece as diretrizes para a Alemanha com o fim da guerra, no entanto, a declaração não orienta acerca dos julgamentos aos criminosos de guerra nem dos tribunais internacionais (OLIVEIRA,2010). A Declaração de Potsdam aconteceu entre 17 de julho e 2 de agosto de 1945 e acaba servindo também como uma maneira dos Estados Unidos pressionar uma rendição japonesa, que mesmo após a submissão alemã, continuava resistindo. Com isso, o presidente estadunidense daquela época, Harry Truman, anuncia a posse de uma arma de grande poder ofensivo e exige a rendição do Japão, caso contrário, destruiria todo o território do país asiático (SEGUCHI). Dessa forma nos dias 6 e 9 de agosto de 1945 os EUA lançam as bombas atômicas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, fazendo com que consequentemente o Japão se rendesse seis dias depois no dia 15 de agosto de 1945 (SEGUCHI,2011).
Muitos consideram que o que levou os EUA a adotarem medidas tão drásticas para o Japão se render foi uma falha diplomática, no entanto aqueles que faziam parte do projeto da bomba atômica desejavam ver seu funcionamento(SEGUCHI, 2011). Mesmo podendo enxergar certa falha diplomática nesse ponto, ou a insuficiência da diplomacia para encerrar a guerra, não se pode negar a importância dela para a formação dos tribunais, tanto o de Tóquio como o de Nuremberg, gerando as condições necessárias para os entendimentos entre os Estados e a defesa de seus interesses, na formação dos tribunais que marcaram a história do direito internacional.
Com a criação do Tribunal de Nuremberg, foi estabelecida a base para se criar um outro tribunal, que também julgaria os crimes acontecidos na Segunda Grande Guerra, uma vez que em 8 de agosto de 1945 as potências aliadas já tinham estabelecido os princípios para criação do tribunal que deveria julgar os crimes da Alemanha Nazista. Ambos tribunais - Nuremberg e Tóquio - são considerados tribunais ex-post-facto, ou seja, tinham por característica julgar acontecimentos, que não eram crimes ou que não havia leis contra os seus fatos, na época em que foram praticados (OLIVEIRA,2010). Dessa forma, o general estadunidense Douglas MacArthur recebeu a incumbência de reestruturar o Japão após a guerra e cuidar para que princípios como a liberdade fossem estabelecidos no território, assim que MacArthur chega ao Japão ordena a prisão de todos aqueles que eram suspeitos de práticas de crimes de guerra e de outros crimes que haveriam de ser julgados no TMIEO (SEGUCHI,2011).
A FORMAÇÃO DO TRIBUNAL
A partir do rendimento japonês, os Estados Unidos notificou o supremo comando das forças aliadas para a criação do tribunal, inclusive é importante ressaltar que a comissão de crimes da ONU aprovou o estabelecimento do tribunal militar para julgar os crimes cometidos pelos japoneses (OLIVEIRA,2010). Dessa forma, em 1946 o general MacArthur aprovou a carta do Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente, que tinha como base a carta previamente escrita para o Tribunal de Nuremberg. A carta elaborada para o TMIEO possuía 17 artigos e expunha como o tribunal iria se configurar, assim os julgamentos se dão inicio em maio de 1946 em Tóquio, no prédio que costumava ser o Ministério de Guerra japonês e só vão terminar dois anos depois em 1946 (OLIVEIRA, 2010).
Ao ter sua configuração definida, o tribunal contava com onze membros, trabalhando sob as orientações do presidente designado, Willian Flood Webb, representante da Austrália. Em busca de um júri heterogêneo e que transmitisse imparcialidade, os outros membros do tribunal vieram dos mais diversos países, sendo eles: E. Stuart McDougall como representante do Canadá, Ju Ao Mei da China, Henry Reimburguer da França, Lorde Patrick da Grã Bretanha, R. B. Pal da Índia, Bernard Victor A. Roeling dos Países Baixos, Harvey Northcroft da Nova Zelândia, Delfin Jaramilla das Filipinas, I. M. Zaryawov da União Soviética e Myron C. Cramer dos Estados Unidos (SEGUCHI,2011).
A formação do Tribunal se deu pela necessidade averiguada por parte dos Aliados de julgar os crimes cometidos durante a Segunda Guerra Mundial, porém, muito se debatia quais seriam esses crimes já que cada Estado possui uma percepção diferente do que deve ser criminalizado ou não. Após muita discussão ficou decidido que o TMIEO julgaria as ações dos acusados sob a caracterização de três tipos de crimes.
A primeira categoria de crimes seriam aqueles considerados como crimes contra a paz, ou seja, o envolvimento em uma guerra ou a violação de tratados, acordos ou garantias internacionais, a segunda categoria por sua vez, seriam os crimes de guerra, que se baseavam na violação das leis e costumes de guerra. Já a terceira categoria de crimes a serem julgador seriam aqueles contra a humanidade, que constituem de atos desumanos realizados contra populações civis ou perseguições de cunho político, religioso ou racial(OLIVEIRA,2010)
OS ACUSADOS/HIROHITO
Mesmo com volta de 80 suspeitos, o Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente acusou somente 19 militares japoneses e 9 civis (SEGUCHI, 2011). Uma marcante característica do TMIEO foi a incriminação de grandes líderes políticos e militares do até então Império Japonês.
Como exemplo, um dos réus mais consideráveis desse tribunal foi Hideki Tojo, o qual foi ministro de guerra, e posteriormente, Primeiro-Ministro do Japão. Tojo, tentou suicidar-se após a guerra, mas falhou e passou a fazer parte dos condenados do tribunal, e apesar de ser considerado bastante severo e cruel, Tojo era visto como o braço direito do então imperador Hirohito, e sua acusação - e posteriormente condenação ao enforcamento - foi um dos grandes marcos do TMIEO (AMBROSIO, 2014).
Em relação ao Hirohito, o ex-imperador japonês não foi acusado no TMIEO, pois o então imperador foi usado – pelos Estados Unidos – como uma “ferramenta de controle para o Japão pós-guerra, visto que sua figura respeitada facilitaria o controle (do Japão).” (AMBROSIO, 2014, p. 42). Dessa forma, a não acusação de Hirohito não se deu por conta de medidas legais, e sim foi uma estratégia política para ajudar no apaziguamento do Japão, uma vez que a condenação do então imperador poderia desestabilizar e causar revoltas na população. Por conseguinte, o general MacArthur considerou Hirohito como essencial para a administração do Japão pós-guerra (SEGUCHI, 2011). Entretanto, tal ato de abster o imperador dos demais réus foi bastante questionado na época – e foi visto como uma grande problemática – uma vez que era papel do imperador declarar guerras, além de ele ser “comandante supremo do exército e marinha” (AMBROSIO, 2014, p. 41).
Dos 25 acusados no tribunal, sete foram condenados à pena de morte por enforcamento, 16 condenados a prisão perpétua e outros dois tiveram punições menores (OLIVEIRA, 2010). Os juízes do tribunal não acordaram entre si no final de suas decisões e isso é uma das grandes críticas que são feitas a respeito do TMIEO, o juíz Radhabinod Pal, da Índia foi o que teve a opinião mais diferente dos seus outros companheiros, para ele todos os acusados deveriam ser inocentados (OLIVEIRA, 2010).
CONCLUSÃO
Dessa forma entendendo o que se passou para a formação do Tribunal Militar Internacional do Extremo Oriente, como se constitui e quais foram as decisões tomadas nele, é possível finalmente discutir pontos acerca da validade de suas decisões, imparcialidade e se ele de fato foi justo ou não. Um dos maiores problemas do TMIEO acontece, logo quando se decidiu quais seriam os réus, e que o Imperador japonês na época da segunda-guerra não seria nem sequer acusado, essa decisão apresenta grande inconsistência uma vez que o Imperador é o comandante do exército, é ele o responsável pelos tratados e por declarar guerra. Hirohito não estava presente na lista de acusados, mas seu primeiro ministro e funcionários sim.
Uma das características do Tribunal de Tóquio e também do de Nuremberg que podem ser bastante discutidas é que ambos são tribunais de vencedores contra vencidos, assim o sentimento de revanchismo, mesmo que se tente dificilmente não existirá. O TMIEO tenta buscar ser ao máximo imparcial e para isso busca juízes de países diversificados, e mesmo assim não consegue atingir totalmente a imparcialidade. Talvez no que se diz respeito a tribunais com suas características realmente isso não seja possível, já que muitos dos juízes estavam lidando com os responsáveis por horríveis crimes e destruições nos seus respectivos países.
No que se diz respeito a se de fato o tribunal foi justo ou não, é algo muito difícil de se responder. Sem dúvidas crimes foram cometidos na segunda guerra, e estes devem ser punidos, no entanto crimes foram cometidos pelos países do Eixo e pelos países Aliados também, crimes foram cometidos pelo Japão, mas ele também foi vítima. Temos como exemplo as bombas atômicas que causaram uma destruição gigantesca e milhares de mortes de civis, os EUA nunca foram julgados por isso, e o grande motivo é porque ganharam a guerra. No entanto, se a situação fosse diferente e os países do Eixo ganhassem a guerra, provavelmente não seriam julgados crimes da Alemanha Nazista ou do Japão e sim dos EUA e Inglaterra.
REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, C. J. M. A criação de um tribunal penal internacional. Dos tribunais militares aos tribunais "ad hoc". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2449, 16 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14525. Acesso em: 14 out. 2020.
SEGUCHI, Erika. Breves considerações sobre a situação do Japão no ano de 1945 e no período inicial do pós II Guerra Mundial, e a decisão dos aliados em criar o Tribunal Militar Internacional para o extremo oriente – TMIEO (Tribunal de Tóquio). Cadernos de Direito, p. 65-92. 2012. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-unimep/index.php/cd/article/view/988/619. Acesso em: 16 out. 2020.
AMBROSIO, Geovani. A EXPERIÊNCIA DO TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL PARA O EXTREMO ORIENTE ENQUANTO JURISDIÇÃO DE EXCEÇÃO: HISTÓRICO, ANÁLISE E LEGADO (1946-1948). Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina, 2014. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/124719/monografia.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 16 out. 2020.